Este filme faz parte do 12ª Mostra Mundo Árabe de Cinema. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
O festival teve início no dia 9 de agosto e permanecerá no Cinesesc até o dia 16 do mesmo mês.
Territórios que nos atravessam. Essa é a temática na qual a Mostra Mundo Árabe de Cinema de 2017 está calcada. Em tempos atuais, a discussão sobre territórios, fronteiras, barreiras e distanciamento entre nações é elementar e mais presente do que nunca. Porque a locomoção humana, seja forçada ou espontânea, sempre esteve presente na nossa história. E não há oceano, muro, alfândega ou rechaçamento que impeça esse fenômeno de acontecer.
O tema do novo festival convida o espectador a pensar sobre a cultura árabe não como um fator isolado, mas como algo que está presente e vivo entre todos nós. Ele exalta a ideia de que as pessoas são construídas pelos territórios que as atravessam, e de que os territórios também são construídos pelas pessoas que os atravessam. É preciso repensar as fronteiras, deixar de vê-las como estáticas, exaltar as experiências individuais como geradoras do coletivo, conhecer e ter empatia. É preciso olhar o diferente para além da superficialidade, manter com ele uma relação horizontal e, mais do que aceitá-lo, é necessário demonstrar solidariedade.
O deslocamento de pessoas é pauta de todos os 11 filmes que compõem a Mostra, assim como os sentimentos de indecisão, angústia, esperança que rodeiam aqueles que são forçados ou que decidem se retirar. “Imagem e som são formas de permanência, de perpetuação de narrativas daqueles que migram ou que estão sujeitos ao exílio e ao refúgio”, explica o curador Geraldo Adriano Campos. Ainda no sentido de perpetuação, a Mostra traz momentos históricos, imagens e recortes de enorme importância simbólica, resgatando o passado e conversando com o presente.
Na estreia, um aniversariante de longa data
O filme Para Onde Ir? (Ila Ayn, 1957), de Georges Nasser, foi o escolhido para abrir a mostra no dia 9 deste mês. É um clássico e um marco das produções libanesas ― foi o primeiro do país a concorrer no festival de Cannes ― e comemora 60 anos de existência no ano de 2017. O longa teve sua estreia no Brasil nessa quarta feira em uma versão digital restaurada, e terá sua segunda exibição no domingo (13), às 21h.
Em mais um gancho com a temática do festival, o filme trata da história de um homem que deixa sua família para buscar uma nova oportunidade no Brasil, procurando a fartura de oportunidades disseminada no imaginário popular. O morador de um pequeno vilarejo rural no Líbano abandona mulher e filhos à mercê das dificuldades do trabalho no campo e da pobreza e segue para a “terra prometida” sul-americana, nunca mais enviando notícias. Décadas depois, ele retorna, mas ninguém do vilarejo o reconhece.
Ao assistir este clássico libanês, deve-se manter algumas coisas em mente: primeiro, que o filme foi lançado 60 anos atrás; segundo, que a indústria cinematográfica libanesa não era tão forte e consolidada, sendo meramente incomparável com a filmografia de outros países na mesma época ― a ausência da paisagem brasileira, por exemplo, supõe um orçamento curto e o porte menor da produção. Se mantivéssemos uma análise anacrônica com o momento da realização, diríamos que as atuações são amadoras, a narrativa fraca e os efeitos especiais e de transição mal elaborados. Porém, por uma questão de bom senso e de respeito ao momento histórico, questões técnicas são deixadas de lado e o fator simbólico entra em cena.
Mas o simbólico não só entra em cena como brilha, especialmente aos olhares de quem adota a narrativa como se fosse sua. A plateia está lotada, e muitos dos integrantes dela viveram as mesmas emoções da imigração, seja de forma presencial ou indiretamente. Árabes de localidades distintas moveram-se em massa para o território brasileiro, deixando como rastro uma infinidade de histórias para contar. Não é preciso ir muito longe para se conhecer alguém que tenha pais ou avós que deixaram seus lares para recomeçar no território brasileiro. Olhando para o campo político é fácil: Haddad, Kassab, Maluf e até… Michel Temer. Todos de descendência árabe. Enfim, sendo político ou não, o que é de maior importância é a familiaridade que mantemos com um assunto que é tão presente em nossa vida cotidiana.
Uma agenda de diálogo cultural
A programação do festival inclui filmes palestinos, libaneses, sírios, iraquianos. Tem presença europeia, curda, do Catar, da Ilha africana de Comores e tem, também, o que não poderia faltar: o Brasil, representado pelo documentário Sanaúd: Voltaremos (1980) de José Antônio de Barros Freire, que passará nos dias 11 e 14 de agosto.
É ainda presente o diálogo com uma outra manifestação artística, envolvendo música e literatura: o dia 12 está reservado para a apresentação musical inédita no Brasil do espetáculo Al-Mu´tamid, poeta rei do Al-Andaluz ― Uma viagem por dez séculos de música e interculturalidade. Ocorrerá na Sala São Paulo e mostrará, em mescla de ritmos e palavras, a influência do rei Al-Mu’tamid sobre o território ibérico de ocupação árabe no século XI, além da consequente integração com a cultura brasileira.
Confira a programação completa aqui.
Todas as sessões ocorrerão no Cinesesc. A entrada custa R$ 12,00 e a meia R$ 6,00.
por Laura Molinari
lauratmolinari@gmail.com