System of A Down (muitas vezes abreviado como SOAD) é uma banda armênia-americana fundada em 1994, na cidade de Glendale, Califórnia. Quatro anos após sua formação – mais precisamente no dia 30 de julho de 1998 – o conjunto, composto por Serj Tankian (vocal), Daron Malakian (guitarra), Shavo Odadjian (baixo) e John Dolmayan (bateria), estreou com um álbum homônimo, que alcançou o certificado de ouro pela RIAA (Recording Industry Association of America) e o de platina dois anos mais tarde.
SOAD pegou carona com as bandas de nu-metal (ou new-metal), subgênero do heavy metal que começou a ser difundido na segunda metade dos anos 90 com bandas como: Rage Against The Machine, Korn e Limp Bizkit. Entretanto não se encaixa muito bem nesse gênero, sendo muitas vezes colocada como Rock Progressivo. A verdade é que os membros não gostam desses rótulos e sempre procuraram fazer um som diferente de tudo aquilo estava rolando na cena musical, por isso que acabam sendo um pouco difíceis de escutar pela primeira vez, principalmente para aqueles que não estão acostumados com um som mais pesado. Outra marca registrada do grupo são suas críticas e sua posição política, nesse disco presente em todas as músicas.
Logo de cara, na música “Suite-Pee”, o grupo aborda religião como tema principal, criticando o extremismo e casos de pedofilia. Apesar dos ataques, a música não critica a fé das pessoas. Inclusive, incentiva que os ensinamentos de Cristo sejam seguidos no refrão que repete a frase: “Try her philosophy” (experimente sua filosofia). Um ponto interessante dessa faixa é que Jesus é tratado como uma mulher (“Eu tive uma experiência fora do meu corpo no outro dia/ Seu nome era Jesus), que pode ter sido uma forma encontrada pelo compositor de dizer que Jesus é a religião, diferente do que acontece atualmente, onde temos várias correntes cristãs, cada uma com seus próprios dogmas e doutrinas que se distanciam dos ensinamentos originais de Cristo.
“Know” aborda integralmente os ensinamentos de todas as religiões, mas a crítica feita não está no que é ensinado ou nos seus valores. Para sintetizar a ideia, a faixa coloca todas as crenças como iguais, por isso seus dogmas e doutrinas não devem ser julgados, mas sim respeitados. “Nunca me alimentarei do brilho persistente do seu coração/ Tudo porque vivemos no vale das paredes”.Esse primeiro verso coloca todos os religiosos no mesmo patamar, já que dividem a mesma terra (o “vale das paredes” pode se referir também ao corpo como a prisão da alma, que é um tema abordado pelas principais religiões do mundo) e o brilho citado pode ser uma citação aos pastores e padres que tiram proveito da fé dos fiéis.
O primeiro single do álbum, “Sugar”, consegue ter um significado muito amplo ao falar de abusos e exageros em geral, sendo o uso de entorpecentes o mais explícitos deles. Mas ainda abre espaço para interpretarmos outros abusos, como o cometido pelas grandes indústrias alimentícias, que colocam grande quantidade de açúcar em seus produtos, gerando uma dependência do usuário e, até mesmo, o abuso de autoridade (essa parte fica mais evidente ao assistir o clip). Por mais que a música fale de exageros em geral, o mais gritante é o uso de cocaína e outras drogas: no verso que se repete várias vezes no fim da música, o vocalista repete: “Como me sinto? O que eu disse?”, expondo a incerteza e a confusão causada pela a euforia que a cocaína causa. Além disso, a raiva é outro ponto muito explorado por essa faixa. “Sugar” também marca como a primeira faixa com os backing vocals de Daron Malankian, guitarrista da banda. Sua voz fica ainda mais presente nos álbuns posteriores.
SOAD também faz críticas ao sistema e “Suggestion” é um bom exemplo disso. Uma forte crítica à alienação que as classes inferiores sofrem. Embora a letra seja curta, com apenas dois versos e uma ponte, ela consegue explorar muito bem essa questão: “Se você levantar suas questões/ O nevoeiro vai te mastigar/ Mas se você buscar as respostas/ É melhor se preparar para o fogo!”. Esse é um dos versos mais relevantes da música, que metaforiza o controle do sistema. O nevoeiro é o que cega o povo e os impede de questionar o governo, e o fogo é a repressão sofrida por aqueles que vão mais a fundo e buscam as respostas.
O segundo single do álbum, “Spiders” também fala sobre manipulação, mas vai um pouco mais além do que a música anterior. Essa faixa conta sobre June, uma garota que possui um V-Chip implantado no cérebro. V-Chip foi um chip implantado nos televisores, à mando do governo, no final da década de 90, e tinha como função bloquear canais que os pais consideravam impróprios para os filhos. No clip, podemos ver como a aranha é usada como metáfora para o governo, que controla a garota através das teias, que na música são os próprios cabelos (“Toda a vida correndo pelo seu cabelo”). O sucesso de Spiders fez com que a faixa fosse para a trilha sonora do filme de terror Pânico 3.
“DDevil” é a faixa mais curta do álbum, e consegue criticar, em menos de dois minutos, como a mídia influencia e manipula a camada mais baixa, como no verso: “Existência plagiada existe/ Entre os escritores da palavra”. É bem difícil dizer ao certo do que se trata essa música, já que seus versos possuem sentidos bem amplos e são um tanto quanto desconexos, mas podemos enxergá-la como um todo: imagine que o mundo é um grande caos regido pelo demônio, e as pessoas se sentem confortáveis com a situação em que vivem, por isso a frase que se repete várias vezes; “O demônio é muito amável”.
Trazendo uma carga pessoal muito forte, “Soil” é dedicada há um amigo de Serj Tankian que cometeu suicídio. A música traz versos que ajudam a compreender quem era essa pessoa: “Fora de controle, o menino sem um pai”, “Confissão, morte, insegurança/ Homem não-realizado cai”. Ainda há um verso que se repete diversas vezes: “O mal vive dentro da sua pele”, para exemplificar que, talvez, o que levou essa pessoa ao suicídio foi ele mesmo ou algo que habitava dentro dele, como alguma doença psicológica. Como uma forma de homenagem, o vocalista também deixa alguns versos que expressam sua saudade e comoção: “Agora você voa em paz/ Eu espero meu amigo” e “Minhas memórias são de diversão e amizade”. No final da música, Serj faz um questionamento como forma de insatisfação pela morte do amigo: “Porque vocês tiraram ele de nós?”.
Em sequência, vem “War?”. A música sintetiza o real motivo das guerras: a luta por poder. Para isso utiliza exemplos que vão desde a idade média, com as Cruzadas, até as guerras modernas no Oriente Médio. O verso “Crenças, elas são a munição dos perversos” mostra como líderes religiosos se aproveitam da fé das pessoas para controlá-las, utilizando-as como soldados para lutarem pelos seus interesses próprios. O refrão “Nós lutaremos contra os pagãos” também segue criticando a guerra religiosa, tanto as antigas promovidas pela a Igreja católica, como as contemporâneas, que têm cunho Islâmico. No segundo verso, a crítica cai sobre os americanos, principalmente, que financiaram guerras no Oriente Médio em busca de petróleo: “Foram os nobres da terra/ Poder das trevas brilhante/ Que levou os nobres ao Leste”. Outro ponto que pode ser levado em conta nessa música está na descendência armênia de todos os integrantes da banda. A Armênia é um país do leste europeu que tem sua história marcada por dois conflitos armados: um por volta de 1915 e outro na década de 90, e todos os integrantes tiveram parentes próximos, como pais ou avós, que se refugiaram nos EUA por conta de ambos.
Com uma sonoridade que parece confusa, indo de partes calmas com sussurros até berros insanos, “Mind” mostra mais da essência musical da banda. Sua letra é bem desconexa, assim como a de “DDevil”, dessa forma abrindo um leque de interpretações. Frases como: “Vá embora!” (essa sempre repetida aos gritos), “Pensadores livres são perigosos” e “Crianças mentalmente molestadas”, dão a entender que eles estão cantando sobre controle mental, talvez não da forma literal, mas sim de como o governo pode manipular o pensamento do povo.
“Peephole”, fala sobre o vício em drogas e como a vida do usuário pode desmoronar sem que ele perceba, já que está, como é dito na música, “preso no céu”. Todos as estrofes seguem o mesmo esquema de apenas três versos, sendo o último “Você já acreditou que estava preso no céu”. Os outros dois que completam o terceiro falam sobre algo que está dando errado na vida do usuário, mas de maneira metaforizada (“Quando a sua lua é falsa/ E suas sereias choram/ Você já acreditou que estava preso no céu“). No refrão, é exposta a ideia central da música: “Nunca fique preso no céu!” e se repete várias vezes no final da canção, quase como um mantra.
As faixas 11 e 12 do disco são musicalmente parecidas. “CUBErte” e “Darts” , respectivamente, também mostram muito do estilo próprio que o System criou, que não está muito presente, principalmente, nos singles que fizeram mais sucesso. Chega até ser um pouco difícil de explicar a bagunça que eles fazem, alternando trechos de um metal mais pesados para riffs de guitarra e vozes agudas, mas tudo isso é proposital pra sentirmos melhor a atmosfera que as letras querem nos passar, que são, muitas vezes, caóticas e confusas. Mesmo com uma musicalidade semelhante, ambas tratam de assuntos diferentes: a primeira é uma crítica ao modo de agir da sociedade, que parece assistir todos os problemas da mesma forma que assistem TV (“Não saiam dos seus assentos agora/ Pipoca em todo o lugar, enlatada/ Órgãos raros de pessoas clichês/ Milho enlatado em todo lugar/ Pessoas clichês não podem desafiar”). Já “Darts” é mais uma daquelas músicas com letra confusa, e a única certeza é que ela se trata de religião. Uma possível interpretação é que a letra é a visão ridicularizada de Serj sobre as instituições religiosas, desde as mais antigas, já que deuses sumérios são citados.
Para finalizar o disco, o grupo não poderia deixar de falar de suas origens. “P.L.U.C.K.” (sigla para Politically, Lying, Unholy, Cowardly Killers) é uma afronta direta ao governo turco (naquela época ainda conhecido como Império Turco-otomano), responsável pelo massacre armênio de 1915, que obrigou os parentes dos integrantes a saírem de seu país. A faixa é a chave de ouro que encerra este álbum, conseguindo ser melhor até que os dois singles, principalmente pela sua letra, que é um ataque e um chamado por revolução. Mesmo tendo sido escrita por conta de um conflito específico, se encaixa no contexto geral de países que sofrem com esses tipos de confrontos atualmente. Além dos vocais de Serj, Daron reaparece como backing vocal, uma pena que a voz do guitarrista tenha sido tão pouca aproveitada nesse primeiro trabalho.
SOAD fez muito sucesso na primeira metade dos anos 2000, inclusive aqui no Brasil. Seu álbum de estréia, por mais que não seja o melhor do grupo, serviu para introduzir o estilo único da banda e todo seu cunho revolucionário. Por levantarem bandeira por muitas causas revolucionárias, como os conflitos armênios, foram abraçadas pela juventude da época, que vinha muito descontente com a forma de governo que o EUA implantava na época.
Por João Vitor Ferreira
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