Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Luis Rosemberg Filho é um gênio. Pelo menos é esse o gosto que fica na boca após o término da sessão de seu mais novo filme, Guerra do Paraguay (2016). O próprio diretor definiu: seu filme não é uma aula de história. De fato, mas é uma de filosofia, uma de como contar uma história passível de causar impacto e comoção verdadeira, mesmo que os recursos utilizados sejam mínimos. E mínimo, aqui, fica no sentido mais objetivo da palavra: a simplicidade desse filme fica evidente em cada cena, poderia-se mesmo dizer que tem uma estética amadora, mas o uso impecável da linguagem cinematográfica, dos recursos de sons, atuação e roteiro, evidenciam que é um trabalho feito por gente que conhece verdadeiramente de cinema. E isso é raro. É um pena que o trabalho de Rosemberg não encontre muito espaço nos circuitos comerciais, pois de fato, não é um filme vendável, sendo comparado ao cinema do Húngaro Béla Tarr, conhecido por filmes contemplativos, extremamente lentos mas também dotados de um domínio artístico absurdo. Tarr não é a única referencia possível de ser buscada nesse filme. A própria obra é dedicada aos filmes Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick, e Os Carabineiros, de Jean-Luc Godard, pois ambos são filmes que, ao seu modo, falam sobre a guerra, não da maneira que Hollywood encontrou para abordar o assunto, com filmes recheados de violência e apologia à violência, que no final tentam se esconder atrás de discursos humanistas que não se sustentam. Rosemberg evoca Brecht para falar sobre a guerra, ao representar o encontro de um soldado maltrapilho, vindo dos longínquos tempos da Guerra do Paraguai, um dos conflitos militares mais sangrentos da história brasileira, com duas atrizes, também maltrapilhas, nos dias de hoje. Esse é um dos principais temas buscados por Brecht, o encontro entre passado e presente evidenciando as contradições e o que não se mudou. O próprio dramaturgo é explicitamente citado por uma das artistas, e em outro momento há um excelente instante de quebra da quarta parede (quando os atores falam diretamente ao público), recurso extremamente brechtiano.
As três personagens que sustentam o longa são alegorias, não tem nome, mas representam tipos sociais e modos de se pensar. No embate entre soldado e atriz, temos um dialogismo entre um ser irracional (mas que se traveste de um falso racionalismo como forma de justificar suas barbáries) e uma personagem que evoca o emocional, e uma forma sensível de se observar o mundo. O soldado, orgulhoso de suas vitórias na guerra, vê as atrocidades cometidas como necessárias, pois é assim que a guerra se compõe. Não enxerga o absurdo, o antinatural em se tirar a vida de uma outra pessoa, que nem mesmo se conhece. Mas o soldado não se sente culpado; ordens são ordens e cabe a ele acatar, defender o governo, que não importa se for Império, ou república, oprime incitando o não pensar e pune aqueles que pensam. Soldado e atrizes, vítimas de um mesmo sistema que conserva seus mecanismos de manutenção de poder até os dias de hoje. A Guerra do Paraguai pode ter acabado, viva apenas nas telas que a glorificam e nos livros de história, mas a guerra não termina, não nesse país, é silenciosa, agora nas favelas, e os discursos que a sustentam são os mesmos, ontem e hoje. É isso que Rosemberg mostra: a permanência do abjeto e do horror, do horror…
E em uma outra possível referência do longa temos Bergman, em O sétimo selo, filme que também traz a arte como instância que evoca a vida em detrimento da dureza da guerra.
Sem dúvida, Guerra do Paraguay é um dos melhores filmes dessa mostra, uma ode à vida e ao cinema. Resta torcer para que o filme ganhe maior circulação no futuro e que mais pessoas possam experimentar esse excelente trabalho.
por Pedro Graminha
graminhaph@gmail.com