Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
Parte da seleção do prestigioso Festival de Cannes e integrante da 40ª Mostra Internacional de Cinema de SP, O Ignorante (Le Cancre, 2016) tem sua história centrada em Rodolphe (interpretado pelo diretor do filme, Paul Vecchiali), um idoso abastado e rabugento que gere uma transportadora do conforto de sua bela casa no interior da França. Sua vida é sacudida quando seu filho, Laurent (Pascal Cervo), insiste em morar ali, sob o pretexto de que seu pai estaria demasiado inseguro e sujeito a roubos.
Logo aprendemos que Rodolphe não liga para muita coisa, mas tem uma única grande obsessão: reencontrar seu primeiro amor, Marguerite (Catherine Deneuve). Entretanto, esse sonhado momento acaba agindo no filme como um tipo de prêmio final: antes de chegarmos a ele, acompanhamos o protagonista enquanto ele revisita algumas das muitas mulheres de sua vida. Não surpreendentemente, ele tem um histórico imenso de traições e relacionamentos falhos, além de alguns filhos desconhecidos ali e acolá.
Existe uma óbvia exaustão desse tipo de história – o protagonista que é um “homem difícil” e mulherengo, mas que, no fundo, ainda “ama” cada uma das pessoas com quem se envolveu – em todos os tipos de arte: é um caminho que já foi explorado tantas vezes que oferece pouquíssima chance de inovação e que, além de tudo, glorifica um machismo tão clichê e entediante que o difícil mesmo é entender por que narrativas como esta ainda conquistam tanto espaço e prestígio, a ponto de existir até um livro que explora (de forma elogiosa, é claro) o conceito. Apesar de Rodolphe ser devidamente retratado como intragável – o próprio nome do filme já deixa isso claro – o enredo ainda caminha em direção a uma narrativa de redenção, que incentiva a audiência a aceitar os defeitos da personagem, vê-los como parte de uma personalidade única e fascinante, e sentir pena de todas as limitações que a velhice lhe impõe.
Ter essa fórmula desgastada como base torna o filme, como um todo, um tanto entediante. Seus méritos estão na boa atuação de todo o elenco, e no único aspecto fora da curva presente no roteiro: a homossexualidade de Laurent e a decisão de retratar seus relacionamentos da mesma forma que os de seu pai. Em ambos os casos, os reencontros (ou lembranças) de amores passados vêm na forma de conversas cara-a-cara, num estilo divertido que se assemelha a peças de teatro. Aliás, são poucas as cenas que contam com diálogos entre mais de duas pessoas.
Em uma cena, Rodolphe olha sua imagem no espelho e lamenta suas rugas, os olhos que desaparecem em meio a face, e a falta da companhia feminina que um dia lhe foi tão abundante. Muito mais do que despertar empatia pelo protagonista, ela suscita uma reflexão acerca do valor de pautar uma vida inteira numa condição efêmera – a juventude, sua beleza e virilidade características – e cultivar exclusivamente relacionamentos descartáveis. Como uma grande ironia, a masculinidade padrão, colocada num pedestal tanto pela personagem como por seu criador, acaba sendo justamente a grande responsável por sua infelicidade.
Confira o trailer de O Ignorante:
https://www.youtube.com/watch?v=UDyYyIZPUac
por Bárbara Reis
barbara.rrreis@gmail.com