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40ª Mostra Internacional de São Paulo: Elle

Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui. “Patrick era um bom homem, mas tinha uma alma perturbada. Fico feliz por você ter dado a ele o que ele precisava.” O comentário é da esposa do estuprador à mulher estuprada, mas que poderia …

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Este filme faz parte da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.

“Patrick era um bom homem, mas tinha uma alma perturbada. Fico feliz por você ter dado a ele o que ele precisava.” O comentário é da esposa do estuprador à mulher estuprada, mas que poderia muito bem ser uma frase do próprio diretor.

Após ser estuprada em sua residência, ao invés de recorrer à polícia ou demonstrar estar abalada, Michèle (Isabelle Huppert, que até entrega uma interpretação forte) agacha-se e começa a recolher os cacos de um vaso que havia quebrado. O inesperado da reação ainda é maior quando ela decide trabalhar normalmente, como se nada houvesse acontecido. Logo na abertura, o cuidado no retrato da cena de estupro, até dá a entender que o filme abordará o assunto de forma bastante respeitosa. No entanto, ele não só voltará várias e várias as vezes ao ocorrido, como também acabará sugerindo um affair entre Michèle e o estuprador, mesmo após ela descobrir sua identidade.

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Em coletiva de imprensa, Huppert afirma que “a história não deveria ser levada como realística”, mas sim “como uma fantasia”. O que para os realizadores parece não se mostrar um problema, é justamente onde ele está. O que o diretor Paul Verhoeven faz é utilizar o estupro como artifício de um suspense sexual repleto de reviravoltas (que a trilha sonora, inicialmente discreta, faz questão de tensionar). Em outras palavras, há uma romantização do estupro. Para isso, ele desenvolve diversas subtramas que nada têm a acrescentar à dor da protagonista. Afinal, por que não rirmos da situação de um recém-nascido de pele mais escura, quando os supostos pais são brancos? E desconfiarmos do melhor amigo negro do pai? Quem sabe não darmos uma carga psicológica à protagonista relatando minuciosamente seu passado macabro de cúmplice do pai assassino? Ou por que não metermos o dedo na vida da mãe da protagonista, que encontrou o amor em um garoto de programa? É claro que o filme não precisa se focar ou caracterizar uma mulher totalmente transtornada, mas ele também não pode simplesmente ignorar uma situação de estupro. Estupros são suficientemente reais para que não os banalizemos com fantasias.

Mas se pararmos para analisar a “historinha”, como assim preferem os realizadores, veremos também uma construção de gênero muito simplória. A quebra de expectativa funciona, basicamente, da seguinte forma: pense na última pessoa ou acontecimento de que poderíamos suspeitar. Pois bem, é ele quem procuramos. E numa primeira vez, isso até funciona, mas utilizada três, quatro vezes, tudo se torna bastante esquemático. Além disso, todas as personagens que a circundam, inclusive ela, parecem guardar um forte desgosto, o que destoa totalmente do desfecho positivo de algumas delas. Há então uma grande artificialidade nas relações, comprometendo assim que nos sintamos empáticos pela situação de cada um.

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Falhando assim ao que se propõe, o que novamente salta aos olhos é a atribuição problemática do estupro. A resolução conciliadora da protagonista é intragável diante de tudo que ela passa ao decorrer da projeção. A sensação que se tem é a de que tudo é normalizado, sem contar ainda que quem a “salva” é seu filho, uma figura masculina. Se a proposta era relatar uma fantasia, o filme falha até mesmo no protagonismo do suposto arco de redenção. Por fim, ainda é relevante destacar que as únicas personagens em nu frontal são femininas.

Embora triste constatar que Elle (ainda sem título em português, 2016) tenha sido altamente ovacionado durante o Festival de Cannes desse ano, não é surpreendente: os críticos de cinema ainda são preponderantemente masculinos. Mulheres podem ser más pessoas, mas a forma como aqui nos é apresentado só faltou dizer que Michèle não era a vítima da situação. Mas me contento em citar uma frase do diretor de altas pérolas misóginas como Instinto Selvagem (Basic Instict, 1992) e Showgirls (Showgirls, 1995): “Eu sou pró-mulheres. Eu gosto muito de mulheres e, basicamente, eu gosto de mulheres fortes. Eu fui acusado de ser feminista”.

Confira o trailer de Elle:

por Natan Novelli Tu
natunovelli@gmail.com

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