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50 anos da Chapecoense: uma trajetória de glórias, reviravoltas e reconstruções

A Associação Chapecoense de Futebol, ou apenas Chape, completa 50 anos nesta quarta-feira (10). Clube se tornou um dos times mais queridos do Brasil e do mundo após trágico acidente ocorrido em 2016

Por Diego Coppio (diegocoppio@usp.br) e Guilherme Ribeiro (guilhermeribeiroar@usp.br)

No dia dez de maio de 1973, debaixo de uma árvore na avenida Getúlio Vargas, em Chapecó (SC) os amigos Lotário Immich, Vicente Delai, Altair Zanella e Alvadir Pelisser decretaram o início de uma das mais inspiradoras e comoventes histórias do futebol brasileiro. Ali, em frente à loja de confecções de Pelisser, era fundada a Chapecoense, criada para fortalecer e popularizar o futebol local a partir da fusão de dois clubes, o Independente Futebol Clube e o Atlético Chapecoense.

Em um contexto em que os grandes clubes do país já estavam consolidados e o campeonato nacional começava a ganhar força, a dedicação dos fundadores foi fundamental para manter a Chape viva. Em entrevista ao portal Sputnik Brasil, Pelisser conta que “na época, era muito difícil manter o clube. Uma das maneiras que nós tínhamos de fazer isso era passar rifas. Rifamos um carro, e assim nós fomos levando a Chapecoense devagarzinho.”

Contudo, logo conquistaram a simpatia do empresariado local para angariar recursos e investimentos. Ernesto de Marco, proprietário das Casas Vitória, por exemplo, doou o primeiro terno de camisas da Chapecoense. Outro personagem importante dos bastidores da construção do clube foi Plínio de Nês, empresário do ramo da agroindústria e importante líder político local, que apoiou a Chape desde os primeiros anos de sua história. Seu filho, o Maninho — presidente da Chapecoense de 2017 a 2019 e alvo de investigação do MPSC em 2022 —, lembra que seu pai sempre ressaltou a importância de realizar ações que envolvessem a comunidade, sentimento que se faz presente inclusive na nomenclatura do time: uma Associação. 

Pedro Rocha, repórter da Globo e setorista da Chapecoense de 2017 a 2019, conta que a Chape virou o que virou muito pela relação que se tem da cidade com o time, dessa simbiose comunidade-time. É uma cidade que tem um time, que respira o time. Tudo ali é Chape, tudo remete às cores, à cor do time, da bandeira da cidade”. Essa relação é explícita no próprio hino do clube: “Leva consigo o coração de uma cidade […] Chapecoense, tu és sempre Chapecó”.

Primeiras conquistas

O primeiro jogo da Chapecoense como time profissional aconteceu em julho do mesmo ano contra o São José (RS), uma vitória de 1 a 0 sobre os gaúchos. Ainda em 1973, a Chape obteve um empate em Florianópolis contra o eneacampeão catarinense Avaí — o décimo título viria nesse mesmo ano —, resultado que trouxe orgulho para Chapecó. Nessa época, o clube não possuía estádio próprio e mandava seus jogos em Xaxim, cidade vizinha.

A primeira grande glória da Chape viria em 1977, quatro anos depois de sua fundação, com a conquista do Campeonato Catarinense sobre o Avaí. O clube repetiu o feito em 1996, 2007, 2011, 2016 e, em 2017, sagrou-se hexacampeão estadual. Mas foi em 2009, depois de atravessar uma crise e beirar a falência, que a ascensão no cenário nacional começou, com a conquista da vaga na recém criada Série D do Campeonato Brasileiro através da boa campanha no estadual daquele ano.

[Foto: Reprodução/Twitter @ChapecoenseReal]

Ainda em 2009, conquistou o acesso à Série C, em que  se manteve até 2012, quando se classificou para a semifinal e garantiu vaga na segunda divisão do Brasileirão. Na Série B, a passagem foi rápida: ao final de 2013, com o vice-campeonato, a Chapecoense carimbou sua entrada para a elite do futebol nacional. 

Em 2014, com a estreia no Brasileirão, o foco da temporada era apenas um: manter-se na primeira divisão. O objetivo foi alcançado ao terminar o campeonato na 15° posição. No ano seguinte, junto com a segunda temporada seguida na Série A do brasileiro, nasceu o sonho sul-americano. Em 2015, a Chapecoense participou pela primeira vez da Copa Sul-Americana da Conmebol e fez sua estreia com uma participação histórica: alcançou a fase de quartas de final e foi eliminada pelo gigante argentino River Plate.

A tragédia 

Depois de uma boa campanha no Brasileirão 2015, a Chape conquistou novamente uma vaga na Sul-americana de 2016. O sonho do título continental foi renovado por mais um ano. Nas oitavas de final, a Chapecoense se classificou nos pênaltis contra ninguém menos que o Independiente da Argentina, o maior campeão da Copa Libertadores. A eliminação do Rey de Copas por si só já tornava o campeonato histórico, porém os atletas comandados por Caio Júnior queriam ir além. O confronto das quartas de final terminou com o largo placar de 3 a 0 para os donos da casa, na Arena Condá, após uma derrota por 1 a 0 contra o Junior Barranquilla, na Colômbia. Quebrando seu próprio recorde na competição, a Chape fez história mais uma vez ao chegar à semifinal contra o San Lorenzo, que foi decidida pelo gol fora de casa feito pela equipe catarinense, tornando assim o sonho do título cada vez mais concreto.

O primeiro jogo da grande decisão estava marcado para o dia 30 de novembro, contra os colombianos do Atlético Nacional. Entretanto, no dia anterior à partida, o mundo acordou com a notícia da tragédia. Por volta de 1h15 da manhã, no horário de Brasília, o avião da LaMia, companhia aérea boliviana que transportava o time, a comissão técnica, membros da diretoria da Chapecoense e a imprensa, perdeu contato com a torre de controle e caiu próximo a Medellín, local da partida de ida, vitimando 71 pessoas. Apenas seis tripulantes sobreviveram: dois membros da tripulação, o locutor da rádio Oeste Capital Rafael Henzel (falecido em 2019), o goleiro Jakson Follmann, o zagueiro Neto e o lateral Alan Ruschel. Dentre as causas do acidente, destacam-se a falta de combustível, o plano de voo imprudente e a desordem administrativa que ocorria na LaMia à época. 

Após o ocorrido, o Atlético Nacional solicitou à Conmebol que o título e a taça da competição fossem entregues à Chapecoense, que se tornou o terceiro time brasileiro campeão da Sul-americana e o primeiro catarinense campeão continental. O lema “Força Chape” tornou-se um dos mais populares no período, e não seria absurdo dizer que o clube se tornou uma espécie de “segundo time” para grande parte dos brasileiros.

Chapecoense tornou-se o terceiro clube brasileiro campeão da Sul-americana [Foto: Reprodução: Twitter @ChapecoenseReal]

A reconstrução

A Chapecoense recebeu uma série de homenagens por todo o mundo com uma comoção muito forte em escala global. Medellín e Chapecó aprovaram leis que as tornaram cidades-irmãs, e diversas partidas amistosas foram realizadas, com destaque para O Jogo da Amizade entre Brasil e Colômbia, cuja arrecadação foi destinada ao pagamento de indenizações às famílias das vítimas do acidente. Outra partida de destaque foi no torneio Joan Gamper, a convite do espanhol Barcelona, que marcou o retorno de Ruschel aos gramados. Apesar da goleada por 5 a 0 protagonizada pelos anfitriões, é certo que qualquer brasileiro que fale desse jogo vai lembrar primeiro da bela sequência de chapéus do Apodi para cima do lateral Jordi Alba antes de qualquer gol que possa ter ocorrido no jogo. O Torino da Itália, que passou por tragédia semelhante em 1949, também promoveu um amistoso com a Chape e lançou um uniforme em homenagem ao clube catarinense.

Uniforme verde do Torino em homenagem à Chape [Foto: Reprodução/Twitter @TorinoFC_1906]

Mas a realidade não é feita apenas de bonitas homenagens. Para além da instituição Chapecoense, toda a cidade de Chapecó estava ferida e enlutada, com a necessidade de uma reconstrução. Pelisser e Zanella, os fundadores remanescentes à época, mostraram-se muito abalados com a tragédia, comparando a Chape a um filho que cresceu e dava orgulho a todos. Rocha relata que a situação vivida era bastante complexa e contraditória de certa forma. “Não é um assunto que as pessoas gostam muito de falar. É como se fosse um parente que morreu cedo, um luto ainda aberto. Você tem que chegar com muito cuidado para entrar nesse assunto, porque é algo que mexe com muitas emoções. Todo mundo teve alguém que partiu ali, mesmo que não conhecesse”, explica. O repórter acrescenta que, ainda que a população de Chapecó estivesse passando por um processo de luto e evitando falar do assunto, havia uma ansiedade para ver o que estava por vir, para saber como seria o futuro do Furacão do Oeste.

A empatia mostrou ser um sentimento muito importante nesse período de reconstrução. Alguns times do Campeonato Brasileiro cederam jogadores por empréstimo ou negociaram atletas com a Chape. O técnico Vagner Mancini foi contratado para encabeçar essa reestruturação, que surpreendentemente levou à conquista do Campeonato Catarinense de 2017 em cima do Avaí, o mesmo adversário do primeiro título em 1977, quarenta anos depois. Se o futebol é movido por simbologias e rituais, o renascimento do time em campo não poderia começar de maneira mais apropriada. Ainda em 2017, a Chape realizou sua melhor campanha na história da primeira divisão do Brasileirão, chegando em oitavo lugar com o melhor segundo turno do campeonato e conquistando a vaga para a Libertadores do ano seguinte.

Mas a campanha de impressionante sucesso na temporada que sucedeu o acidente esconde questões complexas e que por vezes passam despercebidas a quem observa de fora. A chegada de um contingente novo de personagens na história da Chapecoense, imersa no contexto em que estava, não poderia se dar de maneira menos abrupta. Em passagem contida no livro Chapecoense – O Milagre do Recomeço, Pedro Rocha conta o caso em que o atacante Wellington Paulista, recém chegado no clube em 2017, estava fazendo os exames médicos quando foi abordado por um garoto de sete anos que perguntou se ele era mesmo o novo atacante do clube. Após confirmar, o atleta foi surpreendido com um pedido do garoto: “traz a nossa felicidade de volta, por favor.”

Sobre seu período em Chapecó, o repórter ressalta a intensidade presente no local: “parecia que cada mês que você vivia lá, pelo bem e pelo mal, era uns seis meses. Tanto que entre os jogadores que ficaram lá um ano, tem um grupo de uns 20 jogadores que tem uma tatuagem da Chape, que é um indígena, uma flecha e uma bola. A gente fala tanto sobre amor à camisa, como as relações no futebol são pouco duradouras… a gente tá falando de jogadores que jogaram um ano no time e viveram com eles, com essa instituição, foram sentimentos fortes o bastante pra fazer uma tatuagem, então se vê como foi intenso.”

No extracampo, o processo de reestruturação da Chapecoense também não foi fácil para a instituição em si, e é algo que traz consequências para o clube dentro de campo até o presente. Envolvida em uma série de processos com as famílias dos atletas vitimados que não receberam indenizações, a Chape sofreu seu primeiro descenso em 2019, perdendo o status de “jamais rebaixada”. 

Em um roteiro digno de filme, Alan Ruschel retornou ao clube em 2020 e liderou o elenco na conquista do título brasileiro da série B e em mais um renascimento, retornando à elite do futebol brasileiro. Porém, no ano seguinte, a Chapecoense amargou a lanterna do Brasileirão, quebrando o recorde do América-RN de menos pontos conquistados por um clube na Série A. Nesse mesmo ano, Ruschel deixou o time e entrou com um processo na justiça contra o ex-clube por causa de pagamentos atrasados. Além de Ruschel, os outros dois atletas que sobreviveram afastaram-se com mágoas da Chapecoense. Follmann teve uma perna amputada e se afastou do futebol, enquanto Neto travou uma árdua batalha de recuperação, voltou brevemente aos gramados e logo optou por pendurar as chuteiras. Exerceu funções na diretoria da Chape, mas hoje encontra-se distante do clube. 

Rocha enxerga que o trio sobrevivente foi visto como um peso por muito tempo. Na opinião do repórter, os atletas sofreram muito para conseguir manter seu lugar ali. “Acho que a diretoria poderia ter tido uma relação melhor com os sobreviventes, com as viúvas, mas no dia a dia para os jogadores era um fardo muito grande lidar com essas memórias, com essas lembranças e também com algumas pequenas sabotagens internas de gente do clube, da cidade. Vê-los ali era lembrar sempre daquele time que causava saudade. A partir do momento que você não quer falar do assunto, toda hora mostrar aqueles caras te faz remeter àquele assunto. Eles são vítimas igual a todos ali, os torcedores que ficaram, os que se foram, e acho que podia ter uma relação melhor com eles que são muito da história da Chape”, explica.

https://www.instagram.com/p/CsEA0F7O47e/?igshid=NTc4MTIwNjQ2YQ==

Atualmente, o clube segue na segunda divisão, com campanhas fracas nos campeonatos disputados e sem perspectiva de retorno à elite. Para Rocha, a crise no futebol alviverde se dá muito em decorrência da crise política que o clube sofreu nos últimos anos, o que acabou por afastar o torcedor do estádio. Em sua visão, a reestruturação do clube precisa passar primeiro por uma reorganização interna, para que então o time possa retratar isso dentro de campo e trazer de volta o torcedor que se afastou. “A Chape é o lugar onde é possível ver o futebol da maneira mais lúdica possível, o lugar que todo apaixonado por futebol deveria conhecer, a camisa que todo apaixonado deveria vestir, de um time que merece muito mais do que tem hoje, merece estar em uma Série A, estar mais forte, porque é uma marca forte e é uma camisa que tem muita história.” Uma história de lutas e lutos, vitórias e glórias. Uma história que emocionou o Brasil e o mundo, que tornou a Chape parte de cada um dos apaixonados por futebol e que certamente terá um novo renascimento em breve. 

A Chape vive! Viva a Chape!

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