Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
A fotografia é um momento suspenso no ar, e se você não está focado, percebendo o que se passa, você a perde. É um preceito do fotógrafo Henri Cartier-Bresson readaptado por seu colega de profissão Michael O’Neill em seu trabalho sobre a Yoga. O americano encontrou na prática uma nova filosofia de vida, pautada em abnegação, e em meio a tantos rostos famosos que ainda podia captar, optou por dedicar anos de sua vida à explorar a complexidade dos yogis, os praticantes das diversas vertentes desse estilo de vida.
Yoga, Arquitetura da Paz (2017), baseado em livro homônimo de O’Neill, é uma tentativa de documentar a profundidade do tema, em uma conexão de intenções louváveis entre o artista e o diretor brasileiro Heitor Dhalia. A fotografia e a Yoga são sobre foco, sobre capturar o importante descartando excessos. As intersecções se fazem presentes a todo momento, na vida do fotógrafo e na construção narrativa do longa. E ouvir O’Neill contextualizando algumas de suas imagens mais icônicas, dando nome e significado aos personagens, oferece a coesão necessária entre as entrevistas com inúmeros gurus e sua intenção de fazer uma arte com significado.
No fim dos anos 60, com as letras de Bob Dylan como guia, Michael já se moldava de forma a amar a liberdade e a simplicidade da vida. O movimento hippie teve forte influência na conexão da arte da época com as temáticas impalpáveis. Foi o início do que culminou em inúmeras viagens do fotógrafo em busca daqueles que tinham muito a ensinar. Mas, captar uma filosofia que fala muito de alma em um meio bidimensional foi um desafio declarado. Desafio exposto de forma belíssima pelo longa. Se os asanas – também conhecidos como poses – já são estéticos, o fazer cinematográfico de Dhalia, apoiado no estilo de O’Neill, foi grande auxiliar na construção de imagens ricas e impressionantes. O enrijecimento dos músculos e as feições sempre plácidas nos cenários mais diversos. Mostrando que a paz adquirida com a prática é única e unificadora.
Nova York e Índia dividem a tela na maior parte do tempo. Os arranha-céus de um dos maiores centros urbanos do mundo parecem apenas plano de fundo diante das lindas formas que o corpo humano pode formar e enfeitar as fotografias em voga. Enfeitam, pois nem as imagens nem o longa são sobre a flexibilidade ou uma ode ao corpo humano. Os mantras que envolvem o espectador e por vezes parecem ensurdecedores, a voz pausada e pacífica daqueles que expõem a abrangência da yoga, todas elas falam sobre o metafísico. Sobre a prática de um exercício que usa o corpo material como ferramenta para bens maiores. E Yoga, Arquitetura da Paz, inspira quem assiste a levar a prática como mais que um exercício de 50 minutos em uma academia. É um cinema poético, lúdico mas que respeita e exalta a importância e complexidade de uma cultura.
Se os representantes das vertentes enxergam a abdicação e os sacrifícios por uma vida mais simples e satisfeita de diversas maneiras, todos convergem na falta de sentido do desejar, do aguardar. É um ato de amor à efemeridade. Efemeridade, que permeia a fotografia, as palavras, as ações, o agora. E faz com que as expectativas se tornem sem sentido. Mas, para aqueles que gostam de discutir o ser e os propósitos, esse é um documentário atemporal, que não se perderá em um segundo.
Confira o trailer legendado:
por Pietra Carvalho pietra.carpin@hotmail.com