Guerra Fria (Zimna Wojna, 2018) já começa com a promessa de ser um filme diferente. Em uma tela quadrada e tons de cinza, a obra possui um ar histórico e delicado, que se confirma enquanto os minutos passam. Poucos deles, aliás. Em apenas 88 minutos, o diretor Pawel Pawlikowski consegue retratar com maestria uma história de amor que persiste por 15 anos. O começo do romance acontece na Polônia sob influência da União Soviética. Zula (Joanna Kulig) vem da área rural, se destaca por sua voz e seu talento e passa a integrar um grupo de canto e dança folclórica, que Wiktor (Tomasz Kot) comanda. Já no teste da garota, ao ouvi-la cantar pela primeira vez, ele se apaixona.
Os dois provam cada vez mais serem completos opostos. Ela é expansiva, exagerada, dança e canta enquanto esbanja sensualidade. Ele é comedido, de tom sóbrio, toca o piano e economiza nas palavras. Wiktor não suporta ver suas composições utilizadas como propaganda do regime político e decide fugir para a boêmia França dos anos 50. Zula fica com medo de acompanhá-lo. E então, o casal se separa pela primeira de muitas vezes. Ao longo dos 15 anos que passam se amando apesar da distância, eles se encontram em Paris e em Varsóvia algumas vezes. Os conflitos entre os dois parecem perder importância sempre que estão reunidos, porém se tornam tão insuportáveis que eles acabam se afastando novamente.
É quase palpável a intensidade do sentimento que existe entre eles. Um amor capaz de superar a guerra que dividiu o mundo e duas pessoas que lutam para conseguir superar suas próprias diferenças. Mesmo sem grandes gestos românticos ou declarações apaixonadas, ambos sabem que pertencem um ao outro.
Um filme tão rápido e que diz tanto só é possível porque Pawlikowski corta tudo que é supérfluo e faz estes cortes brutos exatamente no momento certo. Depois que os personagens se separam, só vamos saber como estão quando se encontram novamente. Não há espaço para contextos, não há espaço para lugares ou para qualquer personagem secundário. Só há espaço para o amor que existe entre os dois. Não à toa, a tela é quadrada e o tempo é curto — só cabe o essencial.
O longa conta com grandes silêncios, já que o casal não parece ao menos tentar resolver suas diferenças com o diálogo. Há cenas de ciúme explosivo, de melancolia saudosista, de desespero e de muito amor, mas o diálogo sobre esses sentimentos está pouquíssimo presente e também não se faz necessário. Cada lágrima, grito ou sorriso tem seu motivo claro. A Guerra Fria que os separa não é apenas a que ocorre no contexto geopolítico: é também a que se passa no silêncio com o qual respondem a cada atitude do parceiro que desaprovam e a cada problema que aparece na relação. Nenhum tiro foi disparado, nenhum argumento também.
Mesmo assim, o amor persiste. A cena final prova que se não conseguiam ficar juntos para sempre em vida, os dois arrumariam outro jeito de superar mais este obstáculo.
Veja aqui o trailer do filme:
por Fernanda Pinotti
fsilvapinotti@usp.br