por Mel Pinheiro
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Em 1996, mais especificamente no dia 13 de março, o mundo perdia um dos maiores talentos do cinema: o polonês Krzysztof Kieślowski, mais conhecido como o diretor da cultuada Trilogia das Cores. Sua carreira, mesmo que curta, foi responsável por obras-primas da sétima arte, que influenciaram muito alguns dos novos diretores que vêm aparecendo nas primeiras décadas do século XXI. O Cinéfilos traz nessa reportagem alguns destaques da carreira desse diretor visionário, que faz uma falta imensa no cinema mundial.
O início: documentários de curta-metragem
Formado na Escola de Artes e Cinema de Lodz, onde também passaram Roman Polański e Andrzej Wajda, Kieślowski iniciou sua carreira realizando curtas documentários que em sua maioria tratavam da vida e luta dos trabalhadores, algo que ia inspirar também muitos de seus longas. Curiosamente, foi com Primeiro Amor (Pierwsza Milosc, 1974), um singelo documentário sobre a vida de um casal, que o diretor foi impulsionado a começar a fazer filmes de ficção, já que só então percebeu que o gênero documentário não mais o satisfazia pois não lhe dava muita liberdade criativa.
A tragédia nos primeiros longas de ficção
Um operário compra uma filmadora para registrar os primeiros anos de sua filha, mas acaba envolvido em documentar os acontecimentos da fábrica onde trabalha em Amador (Amator, 1979). Um homem que acabou de sair da prisão tenta reconstruir a sua vida em Calma (Spokój, 1980). No filme Uma Curta Jornada de Trabalho (Krótki Dzien Pracy, 1981), um secretário local do partido tem que enfrentar uma multidão de grevistas que protestam contra o aumento nos preços dos alimentos pelo governo central. Já Sem Fim (Bez Konca, 1985) narra a história de uma mulher que tem o marido morto por defender um grevista em meio ao auge da Guerra Fria. O que todos esses longas têm em comum, além de tratar da Polônia comunista dos anos 80 e do cotidiano do proletariado daquela época, é o fato de usarem elementos da tragédia grega para narrar essas histórias. Todos os personagens são heróis trágicos por excelência, fadados ao conflito e às escolhas que os levam à catástrofe.
Os pais da realidade alternativa
Kieślowski sempre defendeu que sua intenção em fazer cinema é de trazer ao espectador grandes questões que também o atormentam: “Faço filmes para estabelecer um diálogo com as pessoas, com cada indivíduo que vem ver meu filme. Quero que meu espectador faça as mesmas perguntas que faço a mim mesmo. Por que devo viver? Por que devo acordar pela manhã? Por que tenho de ir trabalhar? O que ocorrerá depois de minha morte? Gostaria que meu espectador entendesse que não está sozinho em seus temores, em suas dúvidas e em sua sensação de que muitas vezes a vida não tem sentido. Essas são perguntas que não têm respostas”, disse ele em entrevista cedida ao jornalista Ken Shulman da revista Newsweek, em 1995.
Uma dessas questões para a qual nunca teremos a resposta é de como e quanto nossa vida mudaria de acordo com as nossas escolhas e decisões. O diretor traz essa temática em dois filmes: Sorte Cega (Pryzpadek, 1987) e A Dupla Vida de Véronique (La Double Vie de Véronique, 1991), esse último já em sua fase francesa. Sorte Cega trata de três destinos completamente diferentes de um homem, baseado em ele conseguir ou não pegar um trem, enquanto A Dupla Vida de Véronique narra duas trajetórias de uma mesma mulher, uma vivendo na Polônia e a outra na França. Esses dois longas trazem o princípio do determinismo, a teoria filosófica de que todo acontecimento é explicado pela determinação, ou seja, por relações de causalidade. As duas produções também de certa forma inauguraram essa temática no cinema, influenciando algumas obras adoradas nos anos 2000 e 2010:
Um novo olhar para clássicos
Os filmes mais famosos de Krzysztof Kieślowski são os que compõem a chamada Trilogia das Cores e que tratam de maneira original de cada cor da bandeira da França e o lema da revolução francesa: A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu, 1993), A Igualdade é Branca (Trois Couleurs: Blanc, 1993) e A Fraternidade é Vermelha (Trois Couleurs: Rouge, 1994). O Cinéfilos já falou sobre eles aqui.
Mas essa não foi a única vez que o diretor polonês se aventurou a levar sua própria visão sobre histórias clássicas. Anteriormente à sua fase francesa, Kieślowski produziu para a TV a série Decálogo (Dekalog, 1989), com 10 episódios narrando cada um dos Dez Mandamentos. Explorando os possíveis significados dos Mandamentos, o cineasta entregou uma das obras mais importantes da televisão mundial, mostrando de maneira filosófica e melancólica a sociedade polonesa e suas dificuldades, deixando um pouco de lado a política usada em suas outras produções. Dois dos episódios ganharam um corte maior para o cinema, sendo lançados antes da exibição da série: Não Matarás (Krótki Film o Zabijaniu, 1988) e Não Amarás (Krótki Film o Milosci, 1988).
Pouco menos de dois anos antes de sua morte, Kieślowski começou a escrever os roteiros de outra trilogia, dessa vez inspirado pela obra A Divina Comédia de Dante Alighieri. Os longas foram filmados quase 10 anos depois, dirigidos por Tom Tykwer em Paraíso (Heaven, 2002), Danis Tanovic em Inferno (L’Enfer, 2005) e Stanislaw Mucha em Purgatório (Nadzieja, 2007).