por Mel Pinheiro
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A atriz principal surge e bate na porta. Não é atendida. Bate mais uma vez com mais força. Nada. As terceiras batidas são mais agressivas. Assim é o início de Nise – O Coração da Loucura (2016), e que, de certa forma, representa os desafios da protagonista na busca pela humanização no tratamento psiquiátrico. O filme conta a história real de Nise da Silveira, uma das primeiras mulheres formadas em medicina no Brasil, que mudou o destino da psiquiatria brasileira.
O longa começa a partir da volta de Nise (Glória Pires) ao Hospital Psiquiátrico Pedro II nos anos 40, onde assiste, abismada, a apresentação dos médicos chefes sobre técnicas violentas no tratamento de esquizofrenia, como lobotomia e eletrochoques. Ao questionar tais atitudes, argumentando que a violência não cura ninguém, a personagem sofre sua primeira resposta negativa dos colegas, que acreditam nos métodos com veemência. Resta a Nise assumir o Setor de Terapia Ocupacional, departamento totalmente negligenciado. Com a convicção de que o melhor tratamento está baseado no amor, na paciência e em enxergar seus pacientes como humanos, a médica começa a fazer sua revolução dentro do hospital, sempre a contragosto dos outros médicos. Através da arte, do convívio e do contato com animais, os pacientes (ou clientes, como Nise menciona em certo momento do filme) começam a apresentar sinais de melhora de comportamento e de percepção do mundo que os cerca. É emocionante ver a evolução dos personagens, que começam a ter suas histórias reveladas através da pintura e escultura.
A direção de arte é um dos pontos altos, já que ajuda a ambientar o clima precário e degradante em que o hospital se encontra quando a doutora Nise chega. O uso da câmera na mão também contribui para a sensação de desconforto e aproximação com a situação apresentada.
Já sobre as atuações, o destaque fica para o elenco que interpreta os pacientes, em especial Fabrício Boliveira, que vive Fernando. Na coletiva que sucedeu a exibição do longa, o ator contou uma técnica curiosa que usou para gravar algumas cenas: “Eu deitava e quando estava quase dormindo, levantava e começava a trabalhar. Sem saber, eu estava usando a mesma técnica que os surrealistas usavam para pintar”. Essa conexão entre a busca do inconsciente na arte e no tratamento psiquiátrico também é algo bastante mencionado no filme.
Em tempos em que a discussão a respeito de manicômios e métodos desumanos voltam à tona, Nise – O Coração da Loucura chega em boa hora com uma história que precisa ser contada. De maneira simples e acessível, o longa cumpre a sua proposta de fazer o grande público conhecer uma mulher que faz parte da história brasileira, com uma importante lição de amor e direitos humanos.
Confira o Trailer!
https://www.youtube.com/watch?v=4EFkZcWLsQc