por Carolina Ingizza
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Sergio Leone deu vida e consolidou o gênero cinematográfico conhecido como Spaghetti Western (Faroeste Italiano ou Bang Bang à Italiana), que consistia em filmes de faroeste filmados e produzidos na Itália em um período (décadas de 1960 e 1970) em que o próprio gênero western já estava em declínio nos Estados Unidos. Apesar de não ter sido o primeiro diretor italiano a filmar obras com essas características -estima-se que já existiam 25 filmes de Spaghetti Western antes de Leone lançar o seu primeiro-, foi com a sua Trilogia dos Dólares que o gênero foi amplamente conhecido no mundo.
É importante ressaltar que a Trilogia não segue padrões tradicionais. Ainda que sejam três obras com o mesmo herói sem nome (Clint Eastwood), as histórias não são atreladas e contínuas, contanto, inclusive, com um mesmo ator para diferentes papeis ao longo dos filmes (caso de Lee Van Cleef e Gian Maria Volonté).
Por um Punhado de Dólares (Per un pugno di dollari, 1964)
A primeira parte da trilogia mostrou o faroeste italiano para o mundo, além de ter alavancado a carreira de Clint Eastwood, que interpretou o protagonista do filme. A trama é uma adaptação não creditada de Yojimbo, de Akira Kurosawa (Kurosawa ganhou um processo contra Leone por isso).
A história é sobre um forasteiro (Eastwood) que chega à cidade mexicana de San Miguel, onde duas famílias rivais, os Rojos e os Baxters, dominam os negócios de bebidas e armas, que sustentam a economia local. Percebendo que poderia se beneficiar da rivalidade, o personagem passa a estimular conflitos e a trabalhar para os dois lados.
Ao longo do filme, ele se constrói como um anti-herói, preocupado em sobreviver e lucrar a todo custo, ainda que certos arcos dramáticos, como o da libertação de Marisol (Marianne Koch) das mãos de Ramón Rojo (Gian Maria Volonté), revelem uma faceta bondosa. Seu personagem é sempre calado, é esperto e sarcástico, além de ser muito eficiente atirando.
Desde a primeira aparição de Clint Eastwood, sabemos que Leone não vai construir um herói típico de faroeste. O Homem Sem Nome surge na tela com roupas surradas e sobre uma mula, matando rapidamente quatro homens que zombaram dele. O que não é esperado dos protagonistas clássicos, que eram bons, justos e estavam sempre imponentes sobre seus fortes cavalos.
É aqui que Sergio Leone começa a desenvolver os seus traços característicos, como os enquadramentos inusitados, os planos-sequência e os close-ups nos rostos dos atores, que, juntamente com a trilha sonora clássica de Ennio Morricone, evidenciam a tensão nos momentos de duelo .
Por Uns Dólares a Mais (Per qualche dollaro in più, 1965)
A continuação nos mostra que o Homem Sem Nome agora é um caçador de recompensas. O conflito que move o filme é o seu encontro com o Coronel Douglas Mortmer (Lee Van Cleef), que também trabalha caçando bandidos foragidos. Eles se encontram quando estão buscando o mesmo criminoso, El Índio (Gian Maria Volonté), e decidem por trabalhar em conjunto. O personagem de Eastwood se infiltra no bando de El Índio para tentar capturá-lo.
O longa se desenvolve mostrando um tentando enganar o outro, enquanto ambos buscam enganar El Índio, que, por sua vez, também cria situações de traição com o seu próprio bando.O desfecho revela motivações ocultas nos personagens, culminando em um duelo memorável entre El Índio e o Coronel.
Quanto as atuações, Clint segue com seu estilo sereno e eficiente, com a câmera de Leone invadindo seus pensamentos através dos close-ups, mas o foco de nossa atenção fica com Lee Van Cleef, que consegue ser muito expressivo por meio de seu rosto incomum e olhares enigmáticos.
Por conta das atuações marcantes, do roteiro mais elaborado e do desenvolvimento maior de personagens, o segundo filme é superior ao primeiro. Leone aprimora seu estilo de filmar e continua com a eficiente parceria com Morricone.
Três Homens em Conflito (Il buono, il brutto, il cattivo, 1966)
O terceiro filme é a obra-prima da trilogia, contando com um orçamento maior, propiciado pelo sucesso dos antecessores, e resultando em quase três horas.Logo no início somos apresentados aos três personagens principais. O “feio” é Tuco (Eli Wallach), um criminoso foragido. O “mau” é Angel Eyes (Lee Van Cleef), inicialmente um mercenário. O “bom” é o Homem Sem Nome, apelidado de Blondie, que caçava recompensas de uma maneira inusitada.
Inicialmente, Tuco conhece Blondie e eles trabalham juntos para conseguir a recompensa oferecida sobre o primeiro, sem que ele seja enforcado. Ao longo da trajetória deles, eles descobrem a localização de um dinheiro escondido em um cemitério, mas só Tuco sabe qual o cemitério e só Blondie sabe qual o túmulo, o que os força a seguirem juntos. O conflito começa quando eles descobrem que Angel Eyes também estava procurando o dinheiro enterrado.
Tendo a Guerra Civil Americana de pano de fundo, o longa tece críticas a guerras, concentradas na cena da ponte e resumidas na frase do capitão bêbado “A única coisa em comum entre os do lado de cá e os do lado de lá, é o cheiro do álcool”.
Leone desenvolve ao máximo suas caracteríscas como diretor e conta com um roteiro mais estruturado e crítico. Conjuntamente, Morricone também atinge o ápice de sua composição de trilhas de faroeste, criando um tema que é conhecido até por aqueles que nunca viram um filme do gênero.
Há duas cenas que unem a maestria do diretor e do compositor. A primeira é a que mostra Tuco entrando no cemitério e procurando o túmulo. A câmera rodopiando e focando no rosto dele em consonância com a trilha sonora, que representa a euforia e a afobação do personagem, criam uma sequência memorável. A segunda cena (imagem acima) é o embate entre os três no final da obra. Dispostos num círculo, eles dançam até ocuparem suas posições no espaço. A tensão é evidenciada pela alternância de planos focando nas armas, nos olhares e nos chapéus. A música tema, por sua vez, ajuda a elevar o sentimento de ansiedade, que culmina em um desfecho seco e rápido, mas perfeito.