Reflexões de um liquidificador (Idem, 2010) é um filme que, como o próprio nome sugere, é narrado por um velho liquidificador (voz de Selton Mello) que, depois de consertado,adquire consciência. O eletrodoméstico conta a vida de seus donos, a Sra. Elvira (Ana Lúcia Torre) e seu marido, Onofre (Germano Haiut).
A trama começa com o desaparecimento de Onofre e sua mulher decide ir à delegacia procurar ajuda. Nesse momento ela se torna a principal suspeita do crime. O policial designado para o caso, Fuinha (Aramis Trindade), homem com típico jeito grosseiro, decide em culpá-la.
A história então retrocede mostrando como o liquidificador havia entrado na vida do casal e se tornado companheiro de Elvira, seu confidente e cúmplice. Assim o filme se desenrola por meio das conversas dos dois, das digressões filosóficas do liquidificador e das neuroses do policial Fuinha. No meio de tudo isso Elvira recebe visitas da vizinha (Fabiula Nascimento), que só fala de sexo, e do carteiro fofoqueiro (Marcos Cesana), que sempre tenta lucrar uma vitamina ao entregar a correspondência.
O humor negro é um dos aspectos mais chamativos do filme, principalmente porque não é comum no cinema nacional. Ele é digno dos longas britânicos ou dos filmes dos irmãos Cohen. A música alegre de um assobio está presente o tempo inteiro realçando o sadismo contido no roteiro.
O diretor André Klotzel, que também dirigiu Memórias Póstumas (Idem, 2001) e A Marvada Carne (Idem, 1985), surpreende o público mais uma vez. Ele transforma uma história banal de um casal na periferia paulista em uma comédia sádica, surrealista e trash, no melhor sentido da expressão.
O roteirista José Antônio de Souza é também um dos grandes méritos de Reflexões de um Liquidificador. As frases filosóficas como “Pensar é moer, moer é pensar” geram as mais diversas piadas. O rumo fantasioso que a história toma, e o modo como ele se dá, é também uma novidade no cinema nacional. Aproximando-se talvez a uma mistura de Estômago (Idem, 2007) Durval Discos (Idem, 2002) e Cheiro do Ralo (Idem, 2007).
Outro aspecto que completa a essência do longa é a fotografia. Gravado em cores levemente desbotadas, as cenas da periferia, dos botecos tipicamente paulistanos ganham uma nova abordagem. Os closes em pequenos detalhes também chamam a atenção do espectador, mostrando mais uma vez que essa não é um comédia comum, ou um blockbuster.
Abusando do trash, Reflexões de um Liquidificador é um ótimo filme para quem quer ver algo leve, porém inteligente. Para aqueles que curtem uma boa dose de humor negro estilo Queime Depois de Ler (Burn After Reading, 2008) , porém na versão totalmente brasileira.
Por Sophia Kraenkel
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