Em pleno centro da cidade, o refrão da música Estrangeiro era repetido como quase um mantra: “Vessou cidade me atra”. Na noite de 14 de março, a banda Baleia estreiava seu segundo álbum Atlas, no recém inaugurado Sesc 24 de Maio. Em show de dupla sessão, um às 18h e outro às 21h, o sexteto formado por Sofia Vaz, Gabriel Vaz, Cairê Rego, Felipe Ventura, David Rosenblit e João Pessanha, mesmo que incompleto, fez uma apresentação catártica e inspiradora.
Shows sempre abrem uma nova dimensão de apreciação ou não de uma banda. São novos arranjos, harmonias de músicas, iluminação, toda uma estética é estabelecida e defendida, de certa forma, o show sempre será o espaço que uma banda tem de se apresentar para o público. Algumas, subestimam a importância dessa dimensão, mas não a banda carioca, Baleia.
Longos tecidos brancos horizontais propositalmente posicionados atrás de cada um dos membros da banda, de modo a intensificar o jogo de luzes e sombras, criavam um novo ambiente onírico ou como o próprio nome do segundo disco, um novo Atlas (2016) para ser explorado e sentido.
Tudo é linguagem no show do Baleia. O cenário simples faz contraposição com a música complexa que é construída. A posição dos instrumentos não mostra nenhuma hierarquia ou destaque dentro da banda. A bateria está na mesma horizontal do vocal e todos estão levemente virados em meia lua, dando uma sensação de sintonia, além de sonora, visual. Quando você menos percebe, quem estava tocando violino está no teclado, e quem estava cantando está dando uns toques na bateria. A sensação é que o sentido de banda como coletiva é levado ao pé da letra pelo sexteto.
E é nesse cenário que o público imerso pode experimentar sentimentos de ruptura tão presentes no álbum. São guitarras distorcidas, arranjos de cordas, percussões que não se encaixam no fazer simplesmente mercadológico de criação musical.
E foi principalmente este salto que observamos do primeiro álbum Quebra Azul (2013) para o Atlas (2016). Composições com melodias mais acessíveis e arranjos orquestrais como em Casa dão espaço para maiores experimentações como em Hiato e Volta. Por meio de coros, o sexteto amplia seu universo lírico fortemente inspirado pelo escritor português Valter Hugo Mãe, pela banda inglesa Radiohead e até podemos perceber bases conceituais parecidas com Mutantes.
Apesar de produzirem um som diferente do que estamos acostumados, conformados a ouvir, a banda não se distancia ou mesmo coloca-se em um patamar inteligível. Suas letras falam do que nós moradores de grandes centros urbanos sentimos quase que diariamente: solidão, mesmo que envolto por milhões de pessoas. “De manhã tudo é explosão/ A cidade/ ela nunca foi gentil/ O som de um grito é tão sutil/ Na solidão do estrondo.”
Assistir um show do Baleia é antes de mais nada permitir-se sentir o diferente. Som e estética podem nos mobilizar a criar, descobrir, reconhecer novas sutilezas e sentimentos do nosso emocional. Deixar-se ser rompido, chocado e mesmo incomodado pela alteridade, em pleno meio de semana, em pleno centro da cidade chuvoso é sentir-se vivo no meio da solidão da cidade ou como eles mesmo colocam em Estrangeiro:
Cidade em mim
Quer acordar
Guardo um dilúvio
No meu pulmão
Por Giovanna Querido e Giovana Christ
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