Começou ontem a 1º Mostra de Mulheres e Cinema organizada pelo Resistir com Arte, projeto idealizado pelo cientista político da USP, Gustavo Macedo, com a diretora de cinema Tarsila Nakamura e o Centro Interdisciplinar de Gênero da UNIFESP. Assim como o ciclo anterior de Mulheres e Fotografia, o evento foi realizado em parceria com o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL), o que permitiu sua realização no Memorial da América Latina.
Esses eventos se propõe sempre a unir a questão artística a espaços de debate centrados, atualmente, nas questões de gênero. A curadora da mostra, Tarsila Nakamura, afirma que não foi uma escolha simples e que, apesar da urgência de se falar da mulher, tentam também incluir questões sociais e de raça nos encontros.
A mostra de Mulheres e Fotografia, no dia 09 de junho, discutiu as diferentes formas de pensar seu papel na experiência estética da fotografia, além do protagonismo e representatividade da mulher na sociedade (você pode conferir a cobertura do evento pelo Sala33: http://jornalismojunior.com.br/sala33/ciclo-de-encontros-resistir-com-arte-um-debate-necessario/.
O debate de abertura ontem seguiu uma proposta similar, porém, enfocado na produção audiovisual, após a exibição do longa “De menor”, dirigido por Caru Alves de Souza. O filme possuí uma protagonista feminina, Helena, responsável por cuidar sozinha de seu irmão Caio e que trabalha como advogada na Vara da Infância e Juventude no Fórum de Santos. É uma personagem que se envolve emocionalmente com o emprego, defendendo por ideologia menores infratores, a fim de evitar sua internação na Fundação Casa. Quando seu irmão se torna um desses menores, seu psicológico é extremamente abalado. O depoimento de uma testemunha a faz questionar a inocência dele e o leva a ser internado por tempo indeterminado, apesar de seus esforços para salvá-lo. O filme se encerra com uma cena sufocante dela imersa numa banheira em posição fetal. É, literalmente, de arrepiar.
O protagonismo da mulher na produção audiovisual
Quando questionada sobre a escolha da protagonista feminina, a diretora Caru discursa acerca de sua necessidade pessoal de desconstruir tanto a imagem da mulher virtuosa, como a da produção iconográfica na Revolução Francesa, como a da femme fatale nas produções Hollywoodianas. Isso por serem essas imagens criadas por homens para homens. “O processo de criação da Helena foi mais do que o roteiro, passou pela escolha entre a Rita Batata e outra atriz maravilhosa, mas que traria muito essa imagem da heroína, que eu não queria. A Rita já nos testes trazia uma fragilidade que complementou o perfil que eu queria dar a personagem, lhe trazendo potência e complexidade. Quanto a escolha por ser uma mulher, a Helena nunca seria um homem por ser inspirada na minha prima mais velha. Até porque, me costuma vir sempre um protagonista homem em mente, mas eu tenho me policiado, parado pra pensar antes: como ficaria uma mulher nesse papel? E acontece que uma mulher sempre deixa a história melhor”. Além disso, coloca sua preocupação em criar uma mulher protagonista que não vive uma questão amorosa, rompendo com esse padrão. A produção foi de tal forma eficiente, que Helena é uma mulher que você encontraria no bar, com suas ambiguidades e um conceito próprio de força.
A mesa de debate foi composta também por Marília Franco, professora especialista em cinema; Eliane Caffé, diretora cinematográfica; e Iana Cossoy Paro, representante do Coletivo Vermelha.
Marília, que foi a primeira mulher a cursar Cinema na ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP), foi convidada a comentar um pouco da sua experiência no ramo com o passar do tempo. Afirma que não foi fácil entrar e ficar no curso, nem permanecer na carreira. O evento para ela tem três eixos: a resistência, a mulher e a arte; sendo que esta é intrínseca a mulher. “A arte é algo próprio nosso, vem da nossa sensibilidade, é como o batom: a maioria das mulheres não saí na rua sem pintar os lábios, isso é artístico. Presta atenção, mas o cinema é feminino”.
Já Eliane encontra maior dificuldade em falar, em um panorama geral, da situação feminina. Para ela é preciso contextualizar, apresentar um recorte, porque há muitas mulheres em diferentes situações. Além disso, não acredita que a evolução dessa discussão possa ocorrer sem convocar a outra parte, o homem. Sobre o audiovisual, afirma não conseguir analisar uma produção como um filme feminino em sua questão estética, lhe comove tanto como um filme escrito por um homem.
A voz do Coletivo Vermelha, Iana, trouxe um pouco da vasta experiência nesse assunto. Seu grupo de estudos já passou por algumas mesas de debate acerca do “Olhar feminino: isso existe?”. “Nós não chegamos a uma resposta objetiva pra essa questão, mas nós definitivamente chegamos a conclusão da necessidade de mais mulheres criando roteiros, filmando, editando, dirigindo… Precisamos de políticas públicas que favoreçam a equidade de gênero, como já vimos funcionar na Suécia, com as “tão temidas” cotas. Mas qual seria a eficiência disso em um país onde o curso de audiovisual ainda é elitizado, se esses 50% de mulheres que seria exigido, seriam mulheres brancas de altas classes sociais? Não sei se precisamos de filmes femininos e masculinos, mas de lugares de voz. Está em alta esse termo, mas é o que precisamos: mais vozes femininas, negras, pobres.” Iana é contemplada pela mediadora Tarsila, que não acredita se tratar de aumentar o número de mulheres, mas o espaço de mulheres que trazem a discussão de gênero, através de personagens femininas mais complexas.
A relação da mulher com sua posição na história
Uma pergunta da plateia a cerca do esquecimento a que parecem estar destinadas as diretoras mulheres vem para concluir o encontro. O reconhecimento da relação entre opressor e oprimido foi apontada como substituta à polaridade de homem e mulher, porque a questão é que as mulheres foram oprimidas e é por isso que estamos aqui nos reafirmando, hoje. Uma colocação de Caru resume bem essa percepção, no contexto do cinema: “A mulher é deixada no esquecimento. Eu tenho medo porque talvez meus filmes não durem no tempo, não por serem ruins, mas por eu ser mulher. É extremamente irritante ver a história contada por apenas um ponto de vista.”
A diretora Tata Amaral, de uma cadeira no auditório, é convidada a relembrar uma fala recente sua na Casa Tpm, sobre as importantes diretoras mulheres que não são citadas nos cursos. “Pra mim, a mulher precisa protagonizar e enfocar sua própria história”. E, sem dúvida, merece ser reconhecida por isso.
Programação do ciclo de encontros Resistir com Arte
Essa mostra de Mulheres e Cinema continuará nos próximos dias com os seguintes temas:
03/08 – Estigmas e Libertação: discutindo a violência contra a mulher e sua representação
04/08 – Pra lá das formas prontas: o empoderamento de crianças, gêneros e feminismos
05/08 – Empoderamento e Raça: o protagonismo da mulher negra na produção audiovisual
O próximo ciclo Mulheres e Dança já tem data marcada, 06/10. Serão apresentadas propostas como a condução compartilhada, em que a mulher também conduz o parceiro na dança de salão, além de diferentes estilos.
Por Aline Melo
alinemartimmelo@gmail.com