Meses de dedicação. Treino após treino, o suor encharcando a testa. Cada passo extremamente analisado e repetido à exaustão, até se atingir a perfeição. A busca pelo melhor tempo possível já conquistado pelo homem. E não é dos 100 metros rasos que estamos falando.
Existem outros tipos de corredores que se dedicam tanto quando os velocistas que vemos no atletismo. Porém, ao invés da pista e dos tênis, eles usam os controles de vídeo game e os dedos. E a prova de velocidade deles se chama speedrun. Esse termo em inglês – junção de speed (velocidade) e run (correr) – caracteriza um modo peculiar de se jogar games: completando-os da maneira mais rápida possível. Os jogadores adeptos desse estilo de jogatina, chamados runners, assim como os maiores atletas, devem se preparar e estudar suas ações antecipadamente. E, quem sabe, após muito esforço, almejar ao recorde mundial!
Onde tudo começou
As origens do speedrunning vêm de uma combinação entre as limitações técnicas nas plataformas de jogo e as primeiras experiências de compartilhamento virtual. Na década de 80, os cartuchos de jogos não possuíam a capacidade de salvar o progresso do usuário. Ou seja, uma vez desligado o vídeo game, o jogador deveria recomeçar do primeiro nível assim que voltasse a jogar. Para contornar esse problema, os designers de games programavam códigos ou locais secretos dentro dos jogos que fazia o personagem pular vários níveis de uma só vez. Porém, invariavelmente, os primeiros níveis deveriam ser vencidos para que se pudesse realizar esse avanço. Então, era comum o jogador passar por esses níveis de maneira rápida, para que ele possa mais rapidamente chegar ao nível no qual parou. Essa maneira veloz de se jogar chegou a influenciar a criação de certos personagens, como o porco-espinho azul Sonic, cuja velocidade foi desenvolvida a partir desse anseio em zerar níveis rapidamente.
Já nos anos 90, o jogo de tiro Doom acrescentou um pouco mais a essa receita. Ele, além de possuir gráficos bastante avançados para a época e ser um dos pioneiros em multiplayer online, permitia que jogadores gravassem suas sessões de jogo. Assim, muitos sites surgiram desafiando os usuários a realizarem certas façanhas no game, gravando-as para comprovar. Entre eles, alguns faziam competições que envolviam velocidade. Alcançando sucesso, esses sites, além de serem uma das primeiras experiências no atualmente comum ramo de compartilhamento de conteúdo online, ditaram como o speedrun seria estruturado pelos próximos anos.
O speedrun
Quem se propõe a realizar um speedrun deve, preferencialmente, gravar sua sessão de jogo. Aqui se encaixa o velho ditado “eu só acredito, vendo”. É muito mais fácil concorrer a um tempo recorde se o jogador possui a prova documentada de seu feito e divulgá-la na internet. Sites como o Speed Demos Archive armazenam os melhores tempos de jogadores ao redor do mundo.
Passada essa primeira parte, o runner deve realmente se preparar. Conhecer o jogo que se vai realizar o speedrun é fundamental. Saber como funciona sua física, a altura que o personagem pula, a velocidade com que ele corre e todas as suas possíveis ações e interações com o cenário têm que estar incutidas na cabeça do jogador. É a partir delas que ele terá que planejar rotas não convencionais através do jogo. O caminho comum programado pelos designers pode não ser o mais rápido. O jogador deve, portanto, encontrar caminhos inusitados, que o levem ao seu objetivo mais rapidamente, utilizando todos os comandos a ele disponíveis.
Porém, não é só a habilidade do runner que conta aqui. Ele também deve conhecer os glitches do jogo. Glitch é um termo utilizado para caracterizar um erro de programação no game. Eles podem ser bem simples – como fazer o personagem congelar na tela – ou, em outros casos, bem preocupantes, podendo travar até mesmo o vídeo game em si. Já alguns, podem fazer o jogador pular trechos obrigatórios do jogo em instantes. São os chamados “quebradores de sequência”. Um dos mais famosos glitches desse tipo está no jogo Super Mario 64 (1996). Nele, Mario precisa de, no mínimo, 70 estrelas coletadas para poder lutar contra seu arqui-inimigo Bowser. Porém, através de uma específica sequência de ações, o jogador pode atravessar paredes e chegar aos domínios de Bowser com apenas 16 estrelas. Confira no vídeo abaixo um speedrun utilizando este glitch.
Regras e proibições
Apesar da existência desses erros de programação, sua utilização não é obrigatória. Assim como os atletas podem correr 100 ou 200 metros rasos, o runner pode realizar seu speedrun com ou sem o auxílio de glitches. Tudo depende se sua vontade e de seu preparo. Há, inclusive, recordes para cada uma dessas “modalidades” diferentes.
Utilizar esses erros, como visto, pode salvar preciosos segundos. Mas, às vezes, alguns deles são humanamente impossíveis de se realizar. Para isso, alguns jogadores utilizam ferramentas que podem auxiliá-los. Colocar o jogo em câmera lenta ou salvar em diversos pontos cruciais, através de emuladores, são características de um tool-assisted speedrun (ou TAS). Como esse tipo de speedrun não retrata fielmente as capacidades do jogador, muitas vezes ele é proibido nas contagens oficiais. É o dopping do mundo dos corredores virtuais.
Além disso, jogos cujo objetivo é correr contra o tempo também não se classificam para speedruns. Games de corrida de carros são o típico exemplo. Não há sentido claro em se correr um jogo cuja meta é, literalmente, correr.
Speedruns para o bem
Porém, não é somente para satisfação pessoal que os runners treinam para abaixar seus tempos. Anualmente, o Speed Demos Archive realiza o Awesome Games Done Quick, uma maratona de speedruns que dura uma semana. Durante as jogatinas, os internautas, que acompanham tudo ao vivo, podem doar dinheiro para uma entidade que combate o câncer. Na edição de 2013, em janeiro, foram arrecadados mais de 400 mil dólares para a instituição Prevent Cancer Foundation.
Confira abaixo um vídeo da última edição do Awesome Games Done Quick, com o runner “dramm55” jogando Super Mario World (1990) em 10min e 37s! Games também podem ajudar os outros!
por Daniel Morbi
daniel.morbi@gmail.com