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Efeito Laranja Mecânica, ou não

Psicólogos explicam se jogos e filmes são mesmo capazes de influenciar o comportamento Por Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br) Uma gangue que comete inúmeros crimes sem a menor razão aparente. Assim começa Laranja Mecânica, filme dirigido por Stanley Kubrick, baseado no livro de Anthony Burguess. O grupo de garotos, comandados por Alex DeLarge, invade casas e violenta …

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Psicólogos explicam se jogos e filmes são mesmo capazes de influenciar o comportamento

Por Thaislane Xavier (thaislanexavier@usp.br)

Uma gangue que comete inúmeros crimes sem a menor razão aparente.

Assim começa Laranja Mecânica, filme dirigido por Stanley Kubrick, baseado no livro de Anthony Burguess. O grupo de garotos, comandados por Alex DeLarge, invade casas e violenta fisica e sexualemente as pessoas que ali estão.

Saindo da ficção, o mundo está hoje em luta contra uma violência que mata cerca de 1,6 milhão de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Ela é a principal causa de morte de pessoas entre 15 e 44 anos.

Está presente nas mais variadas formas e em todos lugares, seja sexual, verbal ou física; contra idosos, mulheres, crianças, homens ou animais. Uma pessoa é morta por minuto decorrente da violência e, não obstante, outras 40 necessitam ser tratadas por ferimentos graves após serem violentadas.

No Brasil, a situação não é diferente. Somos responsáveis por 10% das mortes ocorridas, além de ocuparmos a 16º posição no ranking de países mais violentos do mundo, de acordo com estimativa realizada pela Organização das Naçõe Unidas, em 2014.

Há uma preocupação cada vez maior em encontrar possíveis causas para o problema e assim “atacar o mal da violência pela raiz”. Formas de entretenimento que deixam as pessoas de algum modo viciadas são as que mais sofrem julgamentos. São consideradas possíveis potencializadoras do comportamento violento, por influenciar a reprodução do que está presente em seus filmes e jogos.

Quando realidade e ficção se confundem

Quando crianças, costumamos observar o comportamento de nossos pais e daqueles que estão próximos a nós. É assim que, ainda bebês, aprendemos a falar, andar e nos alimentar. A medida em que crescemos essa influência se dá de inúmeras formas. A criança que calça os saltos da mãe e sai desfilando pela casa, ou que se apaixona por um time de futebol de tanto ver o pai vibrar durante os jogos. A primeira cerveja depois de ver os pais fazendo isso com os amigos. O primeiro crush depois de ver todos possuírem um par nos filmes. E por aí vai.

Somos influenciados o tempo inteiro e por incontáveis estímulos, nossa forma de nos vestir, falar, andar, agir. Nosso corte de cabelo, o celular que usamos, o que assistimos e até o que comemos. Principalmente, pela cultura do lugar onde moramos e pelas pessoas com quem nos relacionamos.

Seguindo essa lógica, uma criança que assiste ou joga por muito tempo algo com alto teor violento tenderia a ter um comportamento agressivo.

A professora Dra Paula Inez Cunha Gomide, coordenadora do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, realizou um experimento baseado em comportamento observacional. Nele, crianças eram expostas a cenas de violência em filmes e depois participavam de competições de futebol. “Crianças que viam filmes com conteúdo violento tendiam a ter comportamentos mais agressivos do que aquelas que assistiam a sororidade”, afirma ela. A explicação psicológica desta questão está no fato de que esse tipo de filme aumenta a raiva e a raiva faz com que se tenha vontade de bater. Segundo ela, é um instinto natural do ser humano.

O estudo provou que a influência ocorre, mas depende da relação da criança com a família. “Quando ela possui pais presentes, que ensinam valores morais, o efeito acontece logo após assistirem o filme, entretanto passa de forma rápida”, diz Paula. Além disso, pais devem estar preparados para acompanhar o que seus filhos vêem na televisão.

Para a doutora “estamos entretendo de maneira errada nossas crianças”. É comum que em filmes de classificação indicativa livre contenham cenas de violência explícita. Quando é o herói quem age de forma agressiva, faz com que as crianças adotem o mesmo comportamento. “O herói age violentamente com a justificativa de salvar o mundo e é recompensando, assim os meninos acreditam que podem fazer o mesmo.”

O modelo representativo passado para as meninas costuma ser diferente daquele que é transmitido aos meninos. Personagens femininas são retratadas manipulando e enganando, então é esse tipo de exemplo que as garotas costumam seguir. Além disso, o aumento do comportamento agressivo nelas ocorre devido à filmes que apresentam cenas de violência contra a mulher, o que as deixa mais irritadas.

A psicóloga acredita, no entanto, que tudo é questão de equilíbrio. Se as crianças tiverem contato com esse tipo de entretenimento, mas não for a única forma de distração delas, e se os pais forem presentes e ensinarem seus filhos a serem morais, a atuação da violência existente nos filmes será quase nula e por curto espaço de tempo.

A culpa é só dos jogos e filmes?

“Quando se fala de crianças, todo entorno e relações por elas estabelecidas devem ser levados em consideração antes de se culpar um único fator pelo comportamento apresentado”, diz Rachel Lilienfield, psicóloga, gestalt-terapeuta e terapeuta de casais e família, com mestrado em Psicologia Clínica.

Crianças possuem uma energia que precisa ser utilizada de alguma forma. Por isso, elas precisam praticar atividades físicas, se relacionar com outras crianças e ter mais de uma forma de entretenimento.

Além disso, elas ainda não possuem total capacidade de discernir entre realidade e ficção, precisam de supervisão de seus pais para verem o que estão fazendo. “Uma criança pode ver uma cena e reproduzi-la, cabe a seus pais orientar o que é certo e o que é errado”, diz Rachel.

O mundo cheio de bichos papões

Em uma das invasões de Alex (protagonista de Laranja Mecânica), seus amigos que já haviam perdido a paciência com o delinquente o entregam para a polícia. Na prisão, ele se torna parte de um novo experimento que tenta “curar” jovens de comportamentos violentos. Para isso, ele é forçado a assistir durante muito tempo filmes que continham cenas de violência.

Enquanto assistia a filmes com cena de violência o personagem pedia para parar, pois não suportava mais assistir aquilo. No entanto, as pessoas que cuidavam de sua reabilitação continuavam obrigando-o a ficar com os olhos fixos na tela. Após essa tortura, o comportamento de Alex se torna completamente diferente do que ele apresentava antes do “tratamento”. Ele passa a ser submisso à vontade alheia e não consegue manter relações de amizade com mais ninguém.

“As crianças podem enxergar o mundo como um lugar violento e se isolarem, o que prejudica suas autoestimas. Isso ocorre não só em detrimento dos filmes, mas também pelo que a mídia passa hoje em dia”, é o que acredita Paula.

“Laranja Mecânica” (1971) é a adaptação de Stanley Kubrick para o cinema da obra de Anthony Burgess (Imagem: Renan Sousa/Comunicação Visual)

Além disso, a violência quando “justificada” tende a fazer com que o espectador apresente comportamentos agressivos. Quando uma crianças assiste a um héroi batendo no vilão, por este ter tido uma atitude ruim, ela entende que pode bater em seus colegas se eles lhe derem motivo.

Já quando a agressão é feita sem justificativa, tende a inibi-lo. Ou seja, o tipo de filme ao qual o personagem era exposto – que continha cenas de violência sem razão aparente – fez suas ações mudarem de modo drástico, porque era o que ele costumava fazer com suas vítimas.

O preconceito contra o que agrada os jovens

Marcel Goto, psicólogo e jornalista com especialização na indústria de entretenimento, afirma que “sempre houve preconceito por mídias consumidas por jovens.” Se for observado o passado, a afirmação dele faz todo sentido. No século XIX, as revistinhas de aventura e suspense eram julgadas por influenciar pessoas a cometerem crimes na Inglaterra. O mesmo aconteceu quando o rock’n roll ganhou fãs ao redor do mundo. E assim ocorreu com todas as outras formas de entretenimento para jovens.

Para a ciência, nenhuma resposta concreta foi encontrada. Estudos feitos em laboratório são constantemente apresentados a população como provas de causalidade entre filmes e jogos violentos e o comportamento dos indivíduos. Mas esses experimentos não são facilmente aplicados na realidade. Além disso, segundo Marcelo, eles provam que existe correlação o que não implica necessariamente causalidade.

A diferença é que enquanto na correlação dois eventos não estão necessariamente ligados, mas por algum motivo ocorreram no mesmo período, na causalidade um é a razão do outro ocorrer. No início pode parecer meio confuso, porém é um conceito simples.

Matheus de Costa Meira era estudante do 6º período de medicina quando, em 1999, atirou em pessoas que se encontravam em uma sala de cinema. Os advogados do estudante alegaram que ele sofria de insanidade mental, essa é a causalidade do seu ato. No entanto, há pessoas que afirmam que ele era viciado em games com teor violento, ou seja, as duas situações têm correlação.

Outro exemplo, na segunda temporada do seriado 13 reasons why (alerta de spoiler), o Tyler (Devin Druid), personagem apaixonado por jogos com alto teor de violência, resolve no dia do baile de formatura invadir a escola e matar todos os seu colegas que praticavam bullying. Entretanto, o plano foi descoberto, ele foi impedido de cometer o crime e ninguém se feriu no final.

Neste caso, o adolescente se revoltou por sofrer bullying, essa é a causalidade de ele querer matar a todos. O fato de ele gostar de games violentos têm correlação com o seu ato, por acontecerem com o mesmo indivíduo, mas isso não significa que um é decorrente do outro necessariamente.

Para o psicólogo, não é pela ficção que crianças podem desenvolver depressão, mas sim por uma predisposição inata, conflitos com a família ou com demais pessoas com quem ela se relaciona.

Thiago Falcão, professor e pesquisador de comunicação e game studies, acredita que a forma como a mídia trata os jogos influência diretamente na opinião das pessoas sobre eles. “Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação pintam os vídeo games como coisa de crianças, eles procuram neste entretenimento um culpado pela violência diária. Assim como antes procuravam na televisão”, afirma ele.

A maioria dos estudos feitos acerca do tema é realizado com crianças. “Como elas ainda não tem capacidade de discernir completamente entre realidade e fantasia, podem reproduzir comportamentos da ficção, não entendendo as consequências disso” diz Marcelo.

As pessoas começam a acreditar que cenas de violência fazem com que os indivíduos apresentem comportamentos violentos. “Existe uma tendência da sociedade de achar que o trabalho é o aspecto mais importante de nossas vidas, e todo o resto é visto com desdém”, afirma Thiago. É isso que acontece com os jogos, tudo corre de maneira a fazer com que as pessoas acreditem que somente eles são culpados pela violência vivida na sociedade.

Como chegar a uma conclusão?

A ciência e a psicologia ainda não encontraram uma resposta que seja entendida como a correta, então, cabe a nós, cidadãos, tomarmos partidos e sair em defesa de uma das teorias?

É isso o que faz a grande maioria das pessoas, o que não significa que está certo.

Vários fatores podem influenciar um comportamento agressivo, e cada pessoa reage de forma diferente. Se nem a ciência encontra uma explicação que seja irrefutável, não cabe a nós condenarmos algo que não passa de uma forma de distração.

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