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Muito além de um simples jogo

Dos espetáculos de produtoras aos jogadores casuais, o videogame ganha importância inegável Por Ana Lourenço (carvalho.ana37@gmail.com) e Mariana Fonseca (fsc.mariana@gmail.com) Tudo dependia daquele chute. A partida fora acirrada: zero a zero. Acréscimos: zero a zero. A decisão ficara para os pênaltis. Cristiano Ronaldo, Kaká, Benzema, Di Maria e Marcelo já tinham chutado e nada havia sido resolvido. …

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Dos espetáculos de produtoras aos jogadores casuais, o videogame ganha importância inegável

Por Ana Lourenço (carvalho.ana37@gmail.come Mariana Fonseca (fsc.mariana@gmail.com)

Tudo dependia daquele chute. A partida fora acirrada: zero a zero. Acréscimos: zero a zero. A decisão ficara para os pênaltis. Cristiano Ronaldo, Kaká, Benzema, Di Maria e Marcelo já tinham chutado e nada havia sido resolvido. José Callejón respirou fundo, chutou, a bola resvalou pelas mãos do goleiro e balançou a rede. Vitória do Real Madrid.

Essa seria uma partida digna da Champions League. Mas não foi. Na verdade, ela nunca aconteceu realmente, ao menos não na nossa definição de real. Essa foi a descrição da final da Fifa Interactive World Cup de 2012, um dos mais conhecidos campeonatos de videogames de esportes, que consagrou Alfonso Ramos como o melhor jogador de Fifa do mundo. A partida foi transmitida ao vivo pelo site Globo.com, inclusive com comentaristas especializados. Esse é só um dos exemplos de como os videogames cada vez mais conversam com o nosso dia-a-dia e não se restringem a um público-alvo definido: de crianças a idosos, jogar pode ser uma forma de lazer, de reunir pessoas e até mesmo de ganhar (muito) dinheiro.

Final da Fifa Interactive World Cup, que ocorreu em Dubai (Foto: divulgação)

Videogames para todos

Sobre a chegada de um novo público ao mundo dos jogos nos últimos anos, o especialista em games e repórter Gus Lanzetta diz que isso é um reflexo do crescimento da indústria. “Estava-se muito perto do ápice de vendas e popularidade dentro de um segmento de consumidores. Por isso, as empresas investiram em jogos e marketing que apelasse para um público que ainda não jogava. As empresas precisavam de novos clientes e conseguiram. A indústria é grande demais para viver de nichos. Se nos anos 80 e 90 ela era uma indústria infanto-juvenil que, no começo dos anos 2000, começou a acompanhar o amadurecimento de seus consumidores, agora ela é uma indústria de entretenimento estabelecida. Há quem oferece jogos e produtos para todo o tipo de consumidor, porque agora há pessoas em número suficiente para sustentar todos esses diferentes nichos. Acho que a maturidade da indústria é perceptível quando ela engloba Angry Birds, Call of Duty, Dear Esther, Super Mario e mais uma infinidade de títulos muito variados.”

O uso disseminado da internet e dos celulares só viria a favor dessa busca por novos consumidores. “Há a popularização dos smartphones. Com eles, milhões de pessoas têm agora uma máquina que roda jogos de maneira muito acessível, simples e barata. Com essa baixa barreira de entrada, muitas pessoas acabam adotando o hábito de jogar”, completa.

Uma indústria mais lucrativa do que a do cinema

O poder do mercado é visto principalmente nas feiras, cada vez mais disputadas pelo público e por profissionais. A mais badalada delas é a E3, que já acontece há dezoito anos. Apesar de ser um evento mais fechado à imprensa e aos profissionais do ramo, seus visitantes preencheram 30 mil salas de hotel e deram quase US$ 40 milhões de renda para a cidade de Los Angeles, segundo a ESA (Entertainment Software Association), organizadora do evento. É onde as empresas fazem seus grandes anúncios e os principais jogos são revelados – tudo sem a participação dos gamers convencionais. “O público e a imprensa podem querer discutir sua relevância e seu papel o quanto quiserem, mas a E3 parece estar agradando quem paga por ela: as empresas. A ESA é um grupo bancado pelas empresas da indústria de games e age em prol delas. O interesse da maioria das empresas presentes na E3 é: impressionar compradores de grandes redes de lojas internacionais, fechar acordos milionários e se mostrar importante e poderosa para seus acionistas”, analisa Lanzetta.

Conferência da Sony na E3 2012 (Foto: Edge Online)

Segundo ele, impressionar não só acionistas, mas também o público que acompanha a feira por transmissões ao vivo ou coberturas de portais especializados. “A parte da E3 que a imprensa vê e mostra para o público é a festinha, é a vitrine. E isso é parte do que as empresas buscam, essa atenção massificada: todos os canais de TV, jornais, revistas e sites olhando para elas. Quem consegue se destacar nesse ‘auê’, tem como se gabar por muito tempo para seus acionistas e para o público. Não é a toa que jogos usam prêmios de ‘melhor da E3’ em suas campanhas de marketing.” Propaganda essa que parece funcionar, já que jogos aclamados pelo evento costumam ter vendas exorbitantes, como a franquia do shooter Call of Duty. Sua produtora, a Activision, organizou inclusive um show para promover o jogo Call of Duty: Black Ops na E3 2010, contando com a presença de nomes como Usher, Will.I.Am, Eminem, Rihanna e o skatista Tony Hawk.

(Imagem: J. Press)

O fato da E3 ser mais uma feira de negócios do que de videogames em si faz com que os fãs busquem eventos dos quais possam participar, como a Gamescon, na Alemanha, que vem sendo palco de grandes lançamentos e opção para os insatisfeitos após o sentimento de que algo faltou na E3 2012.

Enquanto isso, em terras tupiniquins

No Brasil, temos eventos como o Brasil Game Show (em outubro), que espera ter uma média de setenta mil visitantes esse ano em São Paulo. A feira começou em 2009 e atualmente figura como uma das maiores exposições de games da América Latina, o que só demonstra como o mercado vem crescendo muito no país nos últimos dois ou três anos.

A edição de 2011 do Brasil Game Show, que ocorreu no Rio de Janeiro (Foto: divulgação)

Sobre as medidas que impedem o avanço dos games, aquela que é apontada pela maioria dos gamers como a principal causa de problemas para o setor são os impostos, responsáveis por gerar preços relativamente altos. Em pesquisa recente do IBPT, Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, tanto aparelhos de videogame como jogos aparecem com uma carga tributária de até 72,18% em relação a seus preços originais; o que em comparação com os EUA e a Europa é desanimador.

Rafael Grassetti, artista sênior na produtora Bioware (de jogos como Dragon Age), possui uma visão otimista sobre o assunto. “Medidas estão sendo tomadas para tentar reduzir esses impostos e com o tempo isso vai mudar, com certeza. O mercado de games no país ainda é muito pequeno, mas estúdios de fora estão de olho no Brasil e o futuro é bem promissor”. A instalação de sedes no Brasil também é reforçada por Lanzetta. “Um benefício dos impostos é ter ‘forçado’ empresas como a Warner, Sony e Microsoft a produzirem jogos no país. A Microsoft passou a montar o Xbox 360 em Manaus só pra evitar vários desses impostos. A Sony e a Nintendo com certeza irão fazer o mesmo com seus próximos consoles. Quando? Eu não sei. Mas a produção nacional gera empregos, infraestrutura necessária para o crescimento do mercado e um comprometimento muito maior e de longo prazo com o país. Não dá pra uma empresa investir tanto no Brasil e sair de fininho ao primeiro sinal de problemas, como muitas já fizeram antes, pois só importavam títulos.”

Games novos gerando gamers novos

Os numerosos lançamentos conquistam mais jogadores (Foto: Mariana Fonseca)

Assim como a partida de futebol que deu o título de melhor jogador de Fifa a Alfonso Ramos, a nova geração de games demonstra um realismo surpreendente até mesmo àqueles acostumados a lidar com jogos consagrados. Os investimentos milionários feitos em uma indústria que se mostrou absurdamente lucrativa garantem impressionantes resultados – em muitos aspectos. Com a expansão da venda de games aos diversos nichos sociais, as histórias densas e complexas e o realismo das situações apresentadas conquistam cada vez mais os jogadores, além de gerar novas adesões ao grupo de gamers fanáticos. O público-alvo dos games? Qualquer pessoa. “Estúdios abrem, fecham, acertam e erram e o público alvo muda a cada ano. Existe público para todo tipo de projeto, basta uma boa produção e marketing”, afirma Rafael Grassetti.

Essa disseminação de jogos eletrônicos vem para quebrar o estereótipo de gamer solitário, analisado por David Lemes, professor e editor do blog GameReporter. “Existem jogos onde é fundamental se jogar sozinho e outros tipos de jogos onde a presença de uma equipe é muito importante. Contudo, o gamer sempre foi retratado com sendo recluso e solitário, mas nem sempre é assim.”  A nova geração de games mostra como é possível haver uma vasta interação social, por agradar diversos públicos simultaneamente. Porém, isso não necessariamente implica em um novo perfil, mais sociável, de gamer – mas sim apenas no surgimento de diferentes pessoas interessadas. “Não creio que esteja surgindo um novo perfil de quem joga videogame. Há muita gente interessada, percebendo ou não, em manter o hábito de jogar num gueto. Não existe um perfil de quem ouça música, um perfil de quem assista filmes, um perfil de quem leia livros, e espero que videogames não sejam a exceção”, afirma Lanzetta.

Nessa nova onda de jogos, as empresas tendem a investir em consoles cujo objetivo principal é a sociabilidade – tanto entre amigos quanto na família. Essa tendência se verifica em especial nos jogos e consoles da Nintendo, empresa que há anos investe no “console família”: desde crianças até idosos, todos devem poder jogar e se divertir juntos. Como afirma Gus Lanzetta, “videogames para toda a família existem para justificar o investimento em uma plataforma de jogos para adultos que não têm certeza se querem um videogame só para eles mesmos. Se uma empresa conseguir convencer esses adultos de que seus filhos e/ou amigos irão desfrutar do investimento, ele parece mais razoável.” Seguindo essa mesma linha, jogos como Wii Fit e Just Dance entram como adaptações dos games à vida saudável, cada vez mais propagada na atualidade, atendendo às necessidades da população consumidora e derrubando a velha dicotomia videogame versus atividades físicas.

(Imagem: J. Press)

Games e comportamento

A partir do surgimento do videogame como plataforma essencial de diversão, a geração que se seguiu cresceu e se desenvolveu junto aos jogos. Desde o mais antigo e precário console até os seus parentes modernos, é inegável afirmar que os videogames fazem parte não só da infância, como também do desenvolvimento da vida adulta. Mas resta a questão: até que ponto os games influenciam o comportamento dos que crescem jogando?

O semioticista tcheco Ivan Bystrina, dissertando a esse respeito, afirma que “entre os seres humanos o jogo não se limita apenas à infância; ao contrário, o ser humano aprecia o jogo e as brincadeiras até o fim de sua vida, até a morte. Os jogos têm finalidade de nos ajudar na adaptação à realidade, além de facilitar sobremaneira o aprendizado, o comportamento cognitivo”. É, portanto, simples de concluir que o videogame é uma forma atual de expressão de um comportamento há muito enraizado na sociedade: o de jogar e brincar, também formas de aprendizagem e desenvolvimento naturais.

Apesar de algumas opiniões generalizadas afirmarem que os games alienam, transportando seus adeptos a uma realidade paralela, um grupo de pesquisadores da Universidade de Goethe, na Suécia, concluiu, após um estudo, que os jogos desenvolvem noções de estratégia e planejamento sofisticados, exigindo que os jogadores possuam conhecimento técnico avançado. Os pesquisadores também afirmam que jogadores que possuem um comportamento demasiado agressivo ou emotivo acabam por não ter um bom desempenho.

Entrando no aspecto dos videogames violentos, a psicóloga Luciana Meirelles afirma: “crianças e adolescentes devem se preparar para o mundo real, e brincar de forma fantasiosa com armas de brinquedo e videogames faz parte da rotina de muitos deles. Os pais não devem estimular e nem proibir, e sim conversar sobre os efeitos dessas situações violentas na vida real”. Nesse ponto, há um tópico controverso. Os novos jogos, com a combinação cenas hiper-realistas mais violência, acabam por tirar do jogo a sensação de ficção e trazê-lo para a vida real.

Muitos são os crimes atribuídos ao excesso de violência nos jogos. A polícia estadunidense, ao prender um homem acusado de cometer quatro assassinatos em 2011, ouviu a seguinte afirmação do suspeito: “matar é como jogar videogame”. Essa polêmica frase suscita discussões a respeito dos verdadeiros malefícios psicológicos que os games violentos podem trazer. Tais games, amplamente considerados como parcialmente responsáveis pelas atrocidades cometidas por alguns jogadores, geram inclusive projetos de lei que visam a proibição da comercialização de jogos considerados ofensivos.

Essa influência negativa é questionada por alguns pesquisadores. As conclusões de um estudo da Universidade de Villanova, nos EUA, sugerem que os jogos pouco influem no comportamento das pessoas, sendo a personalidade individual o aspecto mais importante. Ressaltam, porém, que pessoas impulsivas e hostis não devem ser expostas a  jogos com esse tipo de conteúdo, não devido ao seu enredo, mas sim à competitividade estimulada por eles. “Games e violência é um assunto que sempre volta, e não é raro alguém culpar os games por ações violentas de um determinado grupo de pessoas. Isso aconteceu com os quadrinhos nas décadas de 1940 e 1950. Eu não acho que os games possam influenciar o comportamento de quem cresceu jogando; se isso fosse verdade, imagine quantas pessoas com problemas de comportamento existiriam hoje? Basta comparar os números da indústria, do ponto de vista do faturamento e das vendas, com os números relacionados à violência que é atribuída aos jogos”, afirma David Lemes.

Afinal, o que é videogame?

Independente de todas as polêmicas que giram em torno dos videogames, estes já se firmaram como algo que não pode mais ser ignorado na atualidade. Seja por seu valor monetário, por seu valor como entretenimento ou até mesmo por algum tipo de lição que eles possam trazer, ponto ressaltado por Grassetti: “acredito que o ponto mais forte dos jogos na vida de quem joga videogame é ensinar a perder e tentar novamente”.

Cada vez mais eles são encarados como uma forma de arte, similar ao cinema (e com a vantagem do espectador ser também um participante ativo), não podendo ser definidos apenas em termos objetivos. “Não adianta mais tentar definir videogames além de uma base técnica bem simples, assim como filmes. Você pode dizer que filmes são imagens projetadas em sequência rapidamente, para dar a sensação de movimento. Adicione muito nessa definição e você estará falando apenas de um nicho, de uma vertente dessa forma de expressão”, diz Lanzetta. E, para encerrar, completa: “videogames, finalmente, são uma forma de expressão no mundo moderno. Eles sempre foram, na verdade, mas agora parecem estar finalmente expressando mais para mais gente. Seja dando tiros ou lhe provendo um espaço para introspecção ao interagir com um mundo surreal, os videogames estão lá, esperando os poucos que ainda não chegaram.”

 

 

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