Entre memoráveis apresentações e audições não tão dignas de lembrança, o entretenimento fornecido pelos reality shows musicais é apreciado por milhões de espectadores ao redor do mundo. O talento dos participantes e a dramaticidade fabricada pelos produtores foi, por muito tempo, a receita do sucesso desse tipo de programa, que atingiu seu ápice no início dos anos 2010.
Contudo, essas competições dão cada vez mais sinais de esgotamento. Sucessivas quedas de audiência, avaliações negativas pelo público e pela crítica e a dificuldade de transformar vencedores em artistas de sucesso são pontos que mostram o declínio atual a que esses programas estão submetidos. Para os membros do fã-clube The X Factor Brasil e do Xtra Podcast — Laura Baptista, Ricardo Lourenço e Antonio Sabença —, existe um desgaste natural de programas de televisão, porém alguns formatos não souberam se reinventar e acabaram afastando ainda mais o público.
Com o crescimento do consumo da internet e dos serviços de streaming, as redes televisivas ganharam novos concorrentes de público e foram desafiadas a se adaptarem aos novos tempos. As competições musicais, no entanto, parecem ter ignorado essas transformações e têm falhado nas tentativas de reconquistar seus telespectadores. “O problema é que [os produtores] querem que os programas deem a mesma audiência que davam em seu auge, mas a forma de se consumir entretenimento mudou”, afirma Antonio Sabença.
Para entender melhor o processo que levou a esse desgaste, é preciso investigar as particularidades dos principais reality shows musicais.
American Idol
O American Idol, um dos formatos mais conhecidos, foi criado pelo empresário Simon Fuller em 2002. Inspirado no Pop Idol, versão britânica que foi exibida entre 2001 e 2003, é responsável por revelar grandes artistas como Adam Lambert, Jennifer Hudson e Kelly Clarkson.
No Brasil, influenciou a criação do Ídolos, que foi exibido entre 2006 e 2012 e contou com nomes como Fafá de Belém, Rick Bonadio e Supla na bancada de jurados.
O American Idol possui as tradicionais audições em salas fechadas, onde os participantes se apresentam somente para os jurados. Os aprovados na primeira etapa viajam para Hollywood e passam por uma série de desafios eliminatórios, que envolvem apresentações individuais e em grupo. Encerrada essa fase, os participantes começam a se apresentar em shows transmitidos ao vivo, com eliminações semanais.
O painel de jurados possui três lugares, e por eles já passaram a apresentadora Ellen DeGeneres, a rapper Nicki Minaj e os cantores Katy Perry, Lionel Richie e Mariah Carey.
O reality show manteve uma boa audiência por muitos anos, chegando a alcançar uma média de 31 milhões de telespectadores em 2006. Porém, os números começaram a cair gradativamente a partir de 2012, e obrigaram os produtores a darem uma pausa no programa em 2017. Para Ricardo Lourenço, “o American Idol precisou de um hiato para voltar bem, os números [de audiência] são satisfatórios para o dia e horário em que passou a ser exibido. O programa manteve a essência de fases importantes que marcaram o público e soube se renovar”.
Com o retorno em 2018, a audiência do programa permaneceu estável, porém ainda baixa em relação à de anos anteriores, o que evidencia a dificuldade que o formato terá para reconquistar o público. “[O American Idol] não molda a cultura como já fez um dia. Quantas pessoas conhecem os vencedores das últimas edições?”, questiona Laura Baptista.
The Voice
Criado na Holanda, o The Voice surgiu em 2010 com a proposta inovadora de julgar unicamente o talento vocal dos participantes, deixando de lado suas aparências físicas. O formato conquistou rapidamente o público e se espalhou para outros países como Brasil, Estados Unidos e México. Apesar de não ter revelado grandes artistas como os programas concorrentes, alguns ex-participantes encontraram sucesso em seus respectivos nichos, como as cantoras Cassadee Pope e Melanie Martinez.
As famosas “audições às cegas”, em que os jurados permanecem de costas para os candidatos durante as apresentações, popularizaram o programa. Nelas, os jurados escolhem os participantes que querem em seus times. Em seguida, os participantes avançam para as rodadas de Batalhas, em que dois cantores de um mesmo time competem em um dueto, e de Nocautes, nas quais dois participantes disputam uma vaga em seu time através de apresentações individuais. Após a seleção, as apresentações ao vivo começam, com eliminações semanais.
O programa costuma reunir grandes artistas nas cadeiras de mentores. Cantores como Adam Levine, Christina Aguilera e Shakira já participaram da versão estadunidense, enquanto Jessie J, Kylie Minogue e will.i.am foram mentores da edição britânica.
No início, o The Voice americano teve uma audiência estável, sem variações bruscas como a de seus concorrentes. Porém, a média de espectadores sofreu quedas consecutivas: as duas últimas temporadas tiveram os menores números da história do programa. O formato pouco mudou desde sua estreia, o que pode indicar que o público estadunidense se cansou dele.
Enquanto isso, o The Voice Brasil demonstra ser uma exceção à tendência dos reality shows musicais, já que mantém uma audiência ainda alta mesmo depois de oito temporadas. A competição, que já contou com Claudia Leitte, Ivete Sangalo, Iza e Lulu Santos como mentores, conquistou na última temporada uma média de 25 pontos do Ibope. Para a criadora de conteúdo Nicole Gomez, “é possível que as pessoas vejam no The Voice um jeito mais direto de se chegar a um estrelato. O próprio formato tem grande relevância lá fora e pode ser que as pessoas almejem chegar lá através disso”.
Em 2020, contudo, o programa se prepara para suas primeiras grandes mudanças devido à COVID-19. Os produtores pretendem realizar as gravações iniciais sem plateia e sem acompanhantes dos candidatos nos bastidores para evitar aglomerações, o que gera dúvidas sobre se essas alterações surtirão efeito nos telespectadores.
The X Factor
Responsável por descobrir grandes artistas da última década, como One Direction, Little Mix, Fifth Harmony e James Arthur, o The X Factor é o exemplo mais evidente da oscilação enfrentada pelos reality shows musicais. Criado pelo magnata da indústria da música Simon Cowell, o programa difere de seus concorrentes por ter como proposta encontrar artistas com maior potencial de entreter uma audiência — o denominado “fator X”. Sua primeira edição ocorreu no Reino Unido, em 2004, e logo o formato se espalhou para outros países, como Austrália, Dinamarca, Estados Unidos e Ucrânia.
O programa se popularizou devido às audições em grandes arenas com a presença de um público. Após a primeira seleção, os candidatos passam para as fases do Bootcamp, em que há uma série de desafios eliminatórios, e do 6 Chair Challenge, em que seis cadeiras de cada categoria — geralmente Meninos, Meninas, Pessoas acima de 25 anos e Grupos — são disputadas para a ida à próxima etapa. Em seguida, há a fase das Judge’s Houses, momento em que cada artista faz uma apresentação mais intimista na casa que, supostamente, pertence ao seu mentor. Selecionados quatro participantes de cada categoria, os shows ao vivo começam, com eliminações semanais até a grande final.
Além de Simon Cowell, outros gigantes da indústria musical já compuseram a bancada de jurados: Britney Spears, Demi Lovato, Kelly Rowland, Nicole Scherzinger e Robbie Williams são alguns dos nomes que foram convidados para julgar e mentorear os participantes.
Desde sua estreia, a audiência no Reino Unido se mostrou satisfatória, com um crescimento gradual até atingir seu pico em 2010, ano em que houve a formação do grupo One Direction. A partir de então, a média de telespectadores sofreu drásticas quedas a cada nova temporada, o que levou os produtores a realizarem consecutivas mudanças na estrutura do reality em uma tentativa de reconquistar o público. Para os membros do The X Factor Brasil, essas mudanças aceleraram ainda mais o desgaste do programa, pois o afastaram do formato tradicional já apreciado pelos espectadores.
Em 2019, Simon optou por não realizar uma temporada comum. A ideia inicial era realizar duas edições do programa: a primeira nomeada Celebrity, com participantes considerados famosos por outros talentos, e a segunda chamada All Stars, com participantes de temporadas anteriores. Esta última foi cancelada e substituída pelo formato The Band, que tinha como proposta encontrar a próxima boyband ou girlband de sucesso. Ambas as temporadas foram um fracasso em audiência, o que motivou Simon Cowell a pausar o reality show em 2020.
A iniciativa de criar uma edição brasileira do programa em 2016 também não foi bem-sucedida. Logo durante as primeiras etapas de seleção — que não são televisionadas — para as audições com os jurados, candidatos expuseram suas indignações sobre a organização do programa nas redes sociais, houve inclusive pedidos para que Simon Cowell cancelasse a versão brasileira. Reprovações de cantores talentosos, filas enormes e desorganizadas, pequena quantidade de banheiros químicos para milhares de participantes e outras queixas foram relatadas. Posteriormente, durante as apresentações ao vivo, problemas técnicos de som eram frequentes.
O The X Factor brasileiro foi cancelado após uma única temporada, e o britânico passa por uma pausa indeterminada. A falta de planejamento e de boas decisões estratégicas parece ser a maior barreira que o formato enfrenta nos dois países. Para Ricardo Lourenço, “o hiato atual deve ter sido só para Simon ter uma última chance, resta saber como e quando [o programa retornará]”.
Apesar de terem conquistado o interesse de tantos fãs e influenciado os rumos que a indústria da música tomou na última década, os reality shows musicais sofrem pressões adversas de interesses corporativos que priorizam o lucro em detrimento da qualidade de entretenimento. Além disso, as falhas dos produtores em reinventar os programas agravaram ainda mais o declínio deles. Permanece, assim, a dúvida sobre se essas competições musicais terão capacidade de recuperar o impacto cultural que já tiveram.