Jornalismo Júnior

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Bons trabalhos, torcida e mercado: existe futebol fora de Rio de Janeiro e São Paulo

Mídias esportivas focam no lucro e se fecham para uma grande oportunidade de expansão do futebol para além de SP e RJ

Por Breno Marino (brenomarino2005@usp.br)

Nos programas esportivos atuais, de cobertura nacional, equipes de massa como Flamengo e Corinthians, com o maior número de torcedores do país e que, consequentemente, geram mais engajamento, ocupam grande parcela da grade horária estabelecida. Já os times de outras regiões, fora dessa conexão paulista-carioca, não possuem o mesmo tempo de tela e dedicação, mesmo com maior sucesso esportivo recente.

Assim, é  necessário entender os motivos de tal diferença, para compreendermos se essa desigualdade se justifica, além de valorizar bons trabalhos, para não serem “esquecidos” .

O panorama atual das mídias esportivas

Polos econômicos e populacionais, São Paulo e Rio de Janeiro são grandes mercados para a exploração comercial. O futebol — paixão de milhares de pessoas — não passa despercebido desta lógica. Os grandes conglomerados de comunicação tratam o esporte como produto cada vez mais valioso e lucrativo.  

No fim do século 19 e início dos anos 1900, a cafeicultura se destacava como a principal atividade econômica do país. O Vale do Paraíba, região localizada entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, foi a principal área de produção cafeeira e, consequentemente, de riqueza. O dinheiro da exportação do café gerou uma urbanização acelerada e descontrolada nas duas regiões. 

Em meio a esse movimento populacional, investimento de grandes empresários e iniciativas de trabalhadores urbanos, foram criados os principais clubes de futebol desse eixo. A superioridade financeira dos estados permitiu o desenvolvimento esportivo das entidades, enquanto outras localidades do país não tinham as mesmas condições. Assim, os primeiros torcedores e grandes conglomerados de adeptos ao futebol surgiram nas duas maiores metrópoles brasileiras.

Hoje, o panorama atual das mídias esportivas pode ser visto como uma consequência dessa história. Com as cinco maiores torcidas do país, o eixo Rio-São Paulo domina os assuntos discutidos na imprensa esportiva, sendo a maior fonte de espectadores dos canais jornalísticos, seja na TV ou nos meios online.

Mesmo com bons trabalhos e com grande montante de torcedores, clubes de outras regiões são praticamente ocultados nos programas de futebol de rede nacional e nas redes sociais, com sua cobertura e atenção atendida apenas por noticiários locais e jornalistas torcedores. Equipes de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, como Atlético Mineiro e Grêmio, por conta da história e resultados esportivos conquistados, ainda aparecem na escala esportiva, por mais que em menor tempo quando comparado ao Palmeiras, por exemplo, enquanto clubes dos outros estados nem possuem essa chance.   

Bons trabalhos “esquecidos”

Mesmo com performances e resultados melhores que vários clubes do futebol brasileiro, diversas equipes não recebem sua devida atenção e valorização. 

Fortaleza

Hoje administrado no modelo SAF, o clube alcançou resultados esportivos surpreendentes nos últimos anos. Depois de atingir a quarta posição no Campeonato Brasileiro de 2021 e a classificação histórica para a Libertadores de 2022, a equipe foi eliminada pelo Estudiantes da Argentina nas oitavas de final da competição. O Leão do Pici classificou-se novamente para a competição continental em 2023, porém foi eliminado ainda na pré-Libertadores.

Depois da eliminação, o clube participou da Conmebol Sul-Americana. Em campanha emblemática, eliminando o Corinthians na semifinal, a equipe do Ceará foi vice-campeã do torneio, perdendo a decisão nos pênaltis para a LDU de Quito, depois de um empate de 1 a 1 no tempo regulamentar.

O sucesso do Leão do Pici deve-se a motivos administrativos também. Em entrevista ao Arquibancada, Iara Costa, jornalista e colunista esportiva do jornal OPovo, comenta: “O sucesso do Fortaleza passa muito pela administração e planejamento. O clube segue o que foi planejado, mas está preparado e compreende as nuances que o futebol proporciona”.

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O Fortaleza Pici venceu o Boca Juniors pela Sul-Americana por 4 a 2, no último dia 25. A vitória histórica só demonstra o crescimento do clube em âmbito nacional e internacional [Reprodução/Instagram:@fortalezaec]

Cuiabá

Criado em 2001, o Cuiabá é o clube mais novo da Série A do Campeonato Brasileiro. Por mais novata que a equipe seja no cenário futebolístico nacional, o time já conquistou grandes feitos. Além de ter alcançado a elite do Brasileirão em 2021, apenas 20 anos depois de sua fundação, o clube se mantém na primeira divisão até hoje — ao lado de Flamengo e São Paulo, os únicos que nunca foram rebaixados no Campeonato Brasileiro. Além disso, o Dourado se classificou para a disputa da CONMEBOL Sul-Americana em 2022 e 2023, e na última temporada ficou na 12° posição da Série A, à frente de Corinthians, Vasco da Gama e Santos, equipes mais tradicionais.

Athletico Paranaense

Vários bons trabalhos podem ser citados, mas um dos que mais se destaca é o do Athletico Paranaense ao longo deste século. Conquistando a Copa do Brasil em 2019 e duas vezes a Sul-Americana, em 2018 e 2021, o clube do Paraná se colocou como um dos novos grandes clubes do país. 

Além de seus êxitos esportivos, o Furacão se destaca pelo seu aspecto administrativo. Com um bom investimento na base do clube e na contratação de jogadores com potencial de revenda, a equipe é conhecida no mercado de transferências por vender muito bem seus jogadores, como Vitor Roque, contratado do Cruzeiro por 4,7 milhões de euros em 2022, e vendido por 40 milhões de euros ao Barcelona em 2023.

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O Furacão foi vice-campeão da Libertadores de 2022, após perder para o Flamengo por 1 a 0, em Guayaquil. O clube eliminou equipes tradicionais no continente, como Estudiantes e Palmeiras [Reprodução/Wikimedia Commons]

Torcedores: paixão e consumidores 

Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro possuem os clubes com maior montante de torcedores do país: Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco da Gama. Contudo, adeptos fanáticos por seus clubes, além de bons consumidores do produto futebol, não se restringem a esses dois estados. 

Clássicos como o Gre-Nal (Grêmio e Internacional), tido para alguns como o maior clássico do país, Ba-Vi (Bahia e Vitória) e Re-Pa (Remo e Paysandu) movem milhares de espectadores e grande parte do país. Seja pelo jogo em si, pelas situações que ele proporciona ou pelo engajamento que ele rende, nas redes sociais e em outras mídias, os confrontos são um grande potencial a ser explorado por jornalistas e empresas de televisão. Além disso, o público que assiste a esses clássicos também impressiona. 

Pela final do Campeonato Pernambucano de 2024, 45.500  torcedores acompanharam a conquista do Sport Recife em cima de seu rival, o Náutico, marcando um novo recorde de público na Arena Pernambuco, que era da semifinal desse mesmo campeonato, entre Sport e Santa Cruz. Já na final do Cearense, 57 mil pessoas acompanharam o triunfo do Ceará sobre o Fortaleza, um dos maiores públicos do país no ano. 

torcida do ceará

O Vozão venceu o Fortaleza nos pênaltis, por 3 a 2, após placar agregado de 1 a 1.  O resultado recompensou a festa que a torcida do time alvinegro fez na Arena Castelão [Reprodução/Instagram: @cearásc]

No ano passado, o Bahia teve a quarta maior média de público do Brasileirão Série A, com 36.461 espectadores por jogo. Esse número mostra o apoio que os adeptos do tricolor baiano demonstram ao seu clube de coração, e ao constante consumo do futebol durante o ano. Além do Esquadrão de Aço, equipes como o Fortaleza (6°), Grêmio (7°), Cruzeiro (9°) e Atlético Mineiro (10°) também figuraram entre as dez maiores médias de público do Brasileirão de 2023.

Um dos bons medidores de consumo das torcidas no país, além da média de público, é o número de sócios torcedores dos clubes. Nesse quesito, três dos cinco clubes com os maiores números de sócios não são de São Paulo ou Rio de Janeiro: Internacional (2°), Grêmio (3°) e Atlético Mineiro (5°).

A regionalidade nas outras localidades do país, principalmente no Nordeste, tem grande destaque em relação aos torcedores de futebol. “O torcedor do Ceará tem muito orgulho do seu clube pela história dele, mas tem muito mais orgulho pelo fato de ser cearense. É uma ligação das pessoas com o lugar em que elas nasceram, o que cria uma conexão muito forte. Tal característica torna os torcedores consumidores extremamente fiéis ao seu clube e ao futebol. É muito difícil você ver um jogo de Ceará e Fortaleza com menos do que a média de público. E esse aspecto se reproduz nos outros estados do Nordeste e Norte também.”, afirma Iara.

Mercado subaproveitado

Os dados sobre o consumo dos torcedores, a paixão deles em relação a seus times e os bons trabalhos feitos ao redor do país demonstram o subaproveitamento por parte das mídias esportivas.

A quantidade de torcedores dos clubes de massa de São Paulo e Rio de Janeiro e o engajamento que eles trazem não são mais uma justificativa tão plausível para o pouco tempo e atenção recebida por equipes fora desse eixo. “O futebol nordestino não dá pouca audiência. A questão é que as pessoas não foram ensinadas a acompanhar. Mas, na justificativa dessa ‘falsa baixa audiência’, a Copa do Nordeste, por exemplo, um campeonato fantástico e emocionante, não recebe a devida atenção e tempo de tela pelas emissoras”, comenta a jornalista.

taça da copa do nordeste

A final da Copa do Nordeste de 2023, disputada entre Sport e Ceará, transmitida pela filial do SBT em Pernambuco, superou a audiência da TV Globo, que estava transmitindo uma partida da Libertadores [Reprodução/Wikimedia Commons]

Para Iara Costa, a exploração do mercado fora da conexão paulista-carioca, além de aumentar o lucro das emissoras, tornaria a mídia esportiva mais democrática. “Iria angariar muito mais torcedores, atendendo todos os tipos e clubes. Mostraria, por exemplo, como é realmente o futebol cearense e suas equipes. Cada time e torcida tem suas peculiaridades”, acrescenta. 

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