Por Gabriela César (gabriela.oliveiracesar@usp.br)
Na tarde deste sábado (6), o 9° Festival Piauí de Jornalismo recebeu, na Cinemateca Brasileira, o jornalista e escritor russo Mikhail Zygar. Sob intermediação das jornalistas Patrícia Campos Mello (Folha de S.Paulo) e Consuelo Dieguez (Revista piauí), a segunda mesa do evento debateu as produções jornalísticas do convidado, especialmente aquelas sobre o governo russo de Vladimir Putin.
Zygar iniciou sua carreira como correspondente de guerra no Iraque. Ele brinca ao explicar que, na época, com 21 anos, sua maior motivação para o jornalismo no front de guerra era o desejo de provar que não era homossexual e, assim, reafirmar sua masculinidade dentro de padrões heteronormativos. “Eu desejava provar que era mais corajoso que todos”.
O jornalista passou dez anos nessa função e compartilhou uma de suas experiências mais marcantes: foi acordado às seis da manhã por homens armados em um hotel no Uzbequistão. “O primeiro homem a entrar no meu quarto disse que eu seria deportado da cidade porque havia um grande risco à minha segurança. Terroristas me matariam”, contou.
Zygar foi o primeiro editor-chefe do canal televisivo Dozhd, o único russo independente. Na época, ele acreditava que não era necessário obter autorização do Kremlin para operar o canal e seguiu produzindo reportagens inovadoras — até que ele e sua equipe passaram a ser seguidos por carros pretos. Essa tática de intimidação do governo foi o início de uma trajetória marcada por repressão e perseguição.
Ele aponta que só percebeu de fato as dificuldades em ser um jornalista independente na Rússia durante o governo de Vladimir Putin, quando começou a sofrer censura. A perseguição à Zygar resultou no seu autoexílio em Nova Iorque, após uma postagem em seu Instagram em que acusava o exército russo de praticar crimes de guerra contra civis ucranianos. Esse fato o fez ser processado por disseminação de fake news e, por isso, foi condenado à oito anos e meio de prisão.
O jornalista ainda destaca o drama de não poder retornar a sua casa sem ser preso. Pontuou a violência prisional ao citar seu amigo Alexei Navalny, que foi morto durante a detenção. “Nem todos precisam ser mártires”, salienta Mikhail Zygar e reforça os motivos de sua cautela para não ser encarcerado.
Apesar do exílio, o jornalista permanece em contato com as suas fontes e a imprensa independente da Rússia. Ele explica que tornou-se mais reconhecido pela publicação de seu livro All the Kremlin’s Men: Inside the Court of Vladimir Putin (PublicAffairs, 2016), em que destrincha a ascensão ao poder presidencial por Vladimir Putin. A obra foi um sucesso de vendas em 2016 e voltou ao topo das listas em 2022, com o início da guerra na Ucrânia, e por isso manteve sua agenda de fontes na Rússia.

Atualmente, o jornalista mantém um blog independente no Substack, chamado The Last Pioneer (em português, “O Último Pioneiro”), mas também colabora com veículos como o The New York Times, o que contribui para a visibilidade internacional dos acontecimentos internos da Rússia.
Ao final da mesa, Zygar respondeu às perguntas da plateia. Os espectadores queriam saber sobre a sua vivência como um homem homossexual na Rússia e em redações jornalísticas, tanto no país de origem quanto nos Estados Unidos.
Ele revelou que as pessoas em sua convivência nas redações sabiam da sua orientação sexual, mas que nunca foi uma questão, pois não eram núcleos conservadores, em nenhum dos países.
Assumiu publicamente sua homossexualidade apenas em 2022, quando casou-se com seu marido, Jean-Michel Scherbak. Zygar compartilha que ficou apreensivo quando fez uma publicação com o cônjuge nas redes sociais. Mas, para sua surpresa, recebeu diversos comentários positivos em relação ao casamento, inclusive de figuras públicas russas.
[Imagem de capa: Clara Hanek/Jornalismo Júnior]
