Por Pedro Lukas Costa (pedrolcosta@usp.br)
A partir da primeira metade do século 20, o mundo latino-americano viu surgir em suas cidades, que cresciam cada vez mais, um novo estilo de construções. Entre pilotis, rampas, brises, paredes de concreto aparente e linhas retas misturadas a curvas, os arquitetos da América Latina, em seus diferentes países, buscaram romper com os modelos clássicos europeus que predominavam nas paisagens urbanas. Como referência, tinham os trabalhos dos modernistas europeus, como os de Le Corbusier — mas com uma importante diferença: aqui, a ideia não era se limitar a criar algo apenas novo, mas se inspirar nas origens pré-coloniais, anteriores à vinda do homem branco europeu.
No Brasil, o modernismo teve como marco inicial a Semana de Arte Moderna, em 1922. Inspirados pelas vanguardas europeias — correntes artísticas que buscavam renovar conceitos estéticos —, artistas financiados pela elite cafeeira do estado de São Paulo realizaram, por cinco dias, um evento no Theatro Municipal de São Paulo. Com apresentações musicais, exposições artísticas e discursos que chocaram o público elitizado — pouco acostumado com uma arte que não se encaixasse aos rigores formais clássicos —, eles defenderam um estilo genuinamente brasileiro e livre de regras.
Em outros países da América Latina, o modernismo seguiu caminhos parecidos. O passado colonial, compartilhado por todos eles, foi marcado pela exploração e pela dominação cultural, que impunha regras morais e artísticas europeias. Essas, por sua vez, motivaram o desejo pela ruptura e pela renovação estética, criando uma arte que representasse a realidade nacional desses locais, ao mesmo tempo que elementos das vanguardas europeias eram incorporados.
No México, por exemplo, segundo o professor de História Social da Arte da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) Francisco Alambert, o movimento modernista ganhou força após a Revolução Mexicana, que ocorreu entre 1910 e 1920. Após o conflito, que derrubou a ditadura de Porfirio Díaz e buscou ampliar a justiça social no país, o governo promoveu uma arte que refletisse a cultura nacional, com referências populares e pré-colombianas.
“Está-se procurando e se pensando o que somos nós, jovens nações independentes”
Francisco Alambert
O movimento em favor de um resgate cultural do passado e da realidade popular foi o que diferenciou o modernismo europeu do latino-americano. Segundo o professor, na Europa buscou-se contrariar o passado, por meio de formas inovadoras de arte. Além disso, a intenção era criar expressões universalizadas: “O modernismo europeu não está preocupado de forma alguma com a questão nacional. Eles querem criar formas que possam ser usadas no mundo inteiro, em qualquer lugar”, ressalta Francisco.

Cidades latino-americanas foram erguidas sob preceitos europeus
A arquitetura não escapou da dominação cultural europeia no Novo Mundo. Se havia uma assimetria de poderes entre colonizadores e colonizados, a construção civil também seria pautada a partir de técnicas e estilos da Espanha e de Portugal e até mesmo da França, os quais priorizavam o uso de ornamentos e elementos decorativos.
Em entrevista ao Sala33, Anna Beatriz Ayroza Galvão, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), explicou que, no Brasil, a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro foi um marco para a chegada da arquitetura clássica europeia. “Dom João VI trouxe a missão francesa para cá para fazer uma ‘boa arquitetura’, que estivesse à altura da família real morando aqui, e criou a Academia Imperial de Belas Artes, ou seja, vem toda uma tradição das belas-artes, que têm seu ponto central em Paris”, lembra ela.
A Argentina também foi palco importante no processo de europeização arquitetônica da América Latina. Além da política de branqueamento, ocorrida no século 19, em que o governo argentino promoveu a imigração de europeus, a miscigenação e o genocídio indígena no país, houve uma tentativa de mimetizar o padrão urbano da Europa. É nesse contexto que ganha popularidade o apelido “Paris da América do Sul” para a capital Buenos Aires: sob uma perspectiva eurocêntrica, o apelido passa a ser considerado elogio.
“Era o mundo colonial que queria ser uma imitação da Europa, mas não conseguia porque era colônia, afinal de contas, ele estava aqui para ser explorado, não para criar uma nova nação”, pontua Francisco Alambert sobre as tentativas latinas de aproximação do mundo europeu.

Do neocolonialismo ao modernismo
A primeira tentativa brasileira de se fazer uma arquitetura nacional foi o neocolonialismo. Em um contexto de ampliação das influências francesas nas paisagens urbanas brasileiras, esse movimento, que se destacou no início do século 20, tomou como referência o estilo colonial ibérico, trazido ao Brasil pelos portugueses. Anna Beatriz destaca a inspiração dos artistas do período por Minas Gerais, onde o ciclo do ouro levou à popularização da arquitetura colonial. “Eles iam pesquisar na arquitetura do período colonial brasileiro, principalmente de Minas, para tirar elementos para fazer os seus projetos arquitetônicos”, explica a professora.

[Imagem: Reprodução/Domínio público]
Na arquitetura latino-americana, o modernismo chegou com atraso quando comparado a outras artes, como as visuais, a música e a literatura. No Brasil, foi a partir da década de 1930 que o movimento, impulsionado por Lúcio Costa, ganhou força. A especialista conta que a formação do arquiteto veio das belas-artes e, inicialmente, ele esteve ligado ao neocolonialismo: “Assim como ele, outros personagens da história da arquitetura brasileira também estavam procurando arquitetura neocolonial como sendo a resposta de uma identidade brasileira”.
Segundo Anna Beatriz Ayroza Galvão, as mudanças não ocorreram somente a partir de ideais individuais, mas também das condições impostas: os arquitetos europeus que chegavam ao Brasil como imigrantes influenciavam o que e como se construía — naquele contexto, segundo referências modernas. Além disso, naquele período, devido ao governo nacionalista de Getúlio Vargas, a identidade nacional na arte foi incentivada: “Ele comprou a ideia de defender a arquitetura modernista brasileira como sendo uma arquitetura que dava identidade a esse novo país”, comenta a doutora.
Ela explica que Lúcio Costa, após romper com os preceitos clássicos, “quis montar uma equipe que estivesse alinhada à proposta da arquitetura purista e modernista”. Essa visão promoveu uma lógica mais racional e funcionalista nas construções, com menos ornamentos. Surgia, assim, a Escola Carioca, liderada por ele e seguida por outros arquitetos alinhados a suas ideias. Com a consultoria do franco-suíço Le Corbusier, Lúcio Costa e seus discípulos projetaram o edifício do Ministério da Educação e Saúde, o Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, então capital federal. O prédio se tornou uma importante referência internacional de modernismo.

[Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
A dinâmica do clima latino-americano, tropical, também foi fator determinante para a forma que a arquitetura modernista adquiriu por aqui. O uso do brise-soleil e dos cobogós (tijolos aparentes vazados) ajudaram a valorizar e conduzir a luz solar, abundante na região, conta a professora. Outros elementos que distinguiram o estilo moderno no Brasil foram as rampas e as curvas nas estruturas, uma vez que, tradicionalmente, os projetos seguiam padrões geométricos muito mais retos e definidos.
A inclusão de obras de arte na parte externa das construções também foi fator de diferenciação. Segundo Anna Beatriz, havia um “uso estético da construção”, ao contrário da vertente europeia do movimento, que acreditava que “a arquitetura moderna seria só aquela que responde ao funcionalismo”, explica ela.
Em São Paulo, a Escola Paulista foi a principal expressão moderna na arquitetura. Liderada por Vilanova Artigas, engenheiro e arquiteto pela USP, e com a participação de nomes como Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Ruy Ohtake e Rino Levi, ela trouxe muitos elementos do brutalismo. Entre eles, se destacaram o concreto armado aparente, as linhas retas e as construções de grande porte. Obras famosas da Escola foram o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da USP (FAU-USP), projetado por Artigas, o do Sesc Pompeia e o do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), ambos de Lina Bo Bardi.

O caso de Brasília
A cidade de Brasília talvez seja a primeira coisa que vem à mente da maioria das pessoas quando se fala em arquitetura moderna brasileira. Com seu projeto urbanístico feito por Lúcio Costa e seus edifícios planejados por Oscar Niemeyer, a atual capital do Brasil foi pensada para aproximar o governo federal do interior, antes no litoral.
As principais características de suas construções foram a mesclagem de curvas a retas e, nos casos dos prédios públicos, sua monumentalidade. Sobre o segundo aspecto, a especialista em arquitetura e urbanismo explica que não foi o porte dos edifícios que os deu um caráter de monumento, mas a discrepância em relação à paisagem bucólica do entorno: “Aquele contraste entre o construído e o não construído, entre o cheio e o vazio, que dariam essa visão”.
“A capital de um país de dimensão continental, o Brasil, teria que representar todo a nação; ela teria que ter uma dimensão de monumentalidade.”
Anna Beatriz Ayroza Galvão

E no restante da América Latina?
Além do Brasil, diversos países da região foram palco das transformações modernistas na arquitetura. No México, o trabalho de Luis Barragán teve grande relevância para a corrente: a famosa casa-estúdio que projetou conquistou o título de Patrimônio Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em português). O projeto valoriza o uso de cores e de formas geométricas.
Na Venezuela, Carlos Raúl Villanueva projetou a cidade universitária da Universidade Central da Venezuela, localizada em Caracas, também Patrimônio Mundial da UNESCO por sua importância para a arquitetura e o urbanismo mundiais.

O espanhol Antoni Bonet foi responsável por projetar importantes obras modernistas no Uruguai e na Argentina. No Peru, o italiano Mario Bianco, que projetou a sede da Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Engenharia de Lima, foi um dos nomes de maior expressão.

