Por Luana Sales Riva (luanariva06@usp.br)
Dados do relatório “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, feito pelos Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostraram que 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens básicos de higiene menstrual nas escolas. Essa realidade caracteriza a pobreza menstrual, um fenômeno resultado de múltiplos fatores, em que pessoas que menstruam sofrem com falta de acesso a itens de higiene, infraestrutura e informação sobre a menstruação.
Um dos contextos mais afetados na vida dos indivíduos expostos à esta realidade é a educação. O maior impacto se dá na ausência escolar, no entanto, não é o único. A desinformação nas escolas acerca da saúde menstrual também contribui para a perpetuação do estigma sobre o tema e, consequentemente, para a vulnerabilidade das pessoas que menstruam, cujo desenvolvimento escolar têm relação direta com as consequências do fenômeno.
Impactos no ambiente escolar
Para Mônica Maria de Jesus, professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública (EERP-USP), o indivíduo que menstrua e que não tem condições de gerenciar o seu ciclo menstrual não frequentará espaços sociais e escolares.
“O debate é uma peça fundamental para mudar a realidade da pobreza menstrual e promover uma saúde menstrual digna para todos – mulheres cisgêneros, homens transgêneros, pessoas não binárias que têm útero.”
Mônica Maria de Jesus, professora doutora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP)
No Brasil, existem cerca de 15 milhões de pessoas que menstruam, e, segundo a professora, uma em cada quatro já faltou na escola devido a ausência do produto adequado. “Se formos calcular os 12 ciclos menstruais no ano, teremos em torno de 60 faltas na escola. É um impacto muito grande, pois o ano letivo tem 200 dias. Então, 60 faltas são mais de 25%”, concluiu Mônica.
Em enquete realizada pela Unicef, 62% das pessoas que menstruam afirmaram que já terem deixado de ir à escola por causa da menstruação, enquanto 73% já sentiram constrangimento na escola ou em outro lugar público. Bruna Borlina, enfermeira e mestre em Saúde da Mulher pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP), contou à Jornalismo Júnior que, durante o processo de revisão de literatura do mestrado, se deparou com diferentes motivos que levam à falta: “além da ausência de absorvente, do medo de bullying [com o sangue menstrual], também tinham as dores e a falta de banheiros em condições de uso”.
“Há o aumento das faltas e isso, a longo prazo, leva a um prejuízo na vida escolar e no desenvolvimento do potencial dessa pessoa que menstrua.”
Bruna Borlina, enfermeira e mestre em Saúde da Mulher

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Denise Quaresma, psicóloga e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou que, nas escolas, não existe um diálogo que desmistifique o que é a menstruação, enquanto uma realidade na vida de uma mulher, para meninos e meninas para que deixe de ser um tabu. Como resultado dessa falta de informação, quando as meninas estão menstruadas, “faltam nas aulas, não participam da aula de educação física com medo de que ocorra um vazamento, porque elas não estão adequadamente protegidas”, reiterou Denise.
“Se a gente fala sobre piolho na escola, sobre alimentação na escola e sobre todos os temas da vida humana, por que não vamos falar de menstruação?”
Denise Quaresma, psicóloga e doutora em Educação
De acordo com Bruna Borlina, “a baixa escolaridade dos pais também influencia a pobreza menstrual”, fenômeno que prevalece com maior intensidade entre as pessoas que são vulneráveis socialmente. Os responsáveis são as principais fontes de conhecimento na maioria dos núcleos familiares e, por isso, ao terem baixa escolaridade, acabam por perpetuar nos mais novos a desinformação sobre o que é menstruação e como menstruar de forma saudável, dando continuidade a um ciclo vicioso.
A enfermeira explicou que no contexto histórico, o sangue menstrual sempre foi visto como algo sujo e “impuro”. Como consequência desse pensamento, a menstruação tornou-se um estigma na sociedade, visto que tudo o que não é debatido, acaba por virar um tabu, segundo a especialista. Em diferentes culturas, como em comunidades rurais da Índia e nos povos tradicionais brasileiros Guaranis e Karipuna, durante o período menstrual, a pessoa que menstrua é afastada de atividades sociais, cultos religiosos e tarefas cotidianas. Para Bruna, “aqui no Brasil, [a exclusão] é um pouco mais perigosa porque é mais silenciosa”. A escola, ao ser um espaço de convívio social, é afetada, o que gera restrição do espaço social e do convívio com os colegas.
Consequências a curto e a longo prazo
As ausências escolares, a longo prazo, comprometem a qualidade da educação básica oferecida à essas pessoas. Denise Quaresma explicou que esses jovens se formam de uma maneira menos eficiente, com menos informações do ensino básico, devido a quantidade de faltas.
A formação ineficiente faz com que as pessoas que sofrem com vulnerabilidade menstrual não consigam ter acesso a outros níveis de educação com a mesma aptidão que os outros. De acordo com Denise, essa realidade “acaba fazendo com que elas, como pessoas que tiveram a educação impactada, reforcem o entorno da pobreza das cidades, o círculo de pobreza que existe”.
Os danos sociais vão desde a escola até o trabalho. Por viverem sem condições mínimas de higiene menstrual, as pessoas impactadas faltam ao trabalho, do mesmo modo que os estudantes afetados faltam às aulas. Os estudos de estatísticas de gêneros do Brasil, feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprovam que o maior índice de pobreza é entre as mulheres, em especial entre as mulheres negras e pardas.
“Não se pode perder de vista que a pobreza é feminina.”
Denise Quaresma, psicóloga e doutora em Educação
Segundo Mônica, as pessoas que utilizam esses produtos inadequados estão sujeitas a desenvolver doenças ginecológicas graves, as quais podem levar a uma infecção chamada Síndrome do Choque Tóxico, que resulta na proliferação de bactérias e, a depender do caso, pode ser fatal. As consequências também afetam a saúde mental desse grupo.
Denise Quaresma disse que a Psicologia compreende a pobreza menstrual “de uma forma muito danosa”. Quando se trata de um fenômeno multifatorial, existe um debate sobre desinformação, estigma e falta de compreensão de algo que é comum na natureza humana. “Tudo o que é mistificado dessa forma, que não é compreendido, vira fantasia. E quando é fantasia, cada um vai para aquilo que é possível pelo seu mundo interno levar”, explicou Denise, ao salientar que 99% das fantasias são negativas.
Ela ainda completou que as consequências na saúde mental impedem as pessoas impactadas pela vulnerabilidade menstrual de terem uma vida plena e participativa na sociedade e nas escolas. Para a psicóloga, “isso acaba fazendo com que elas possam limitar a qualidade de vida”.
Importância de se debater no Brasil e no mundo
No Brasil, as políticas públicas e os debates sobre o tema são atuais. O programa Dignidade Menstrual, lançado em 2023 pelo Governo Federal, garante a distribuição gratuita de absorventes para pessoas de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública ou em situação de vulnerabilidade.
Bruna Borlina falou sobre a medida governamental e afirmou que “é importante a distribuição gratuita, mas não é o ponto principal”. Para ela, a abordagem do programa ficou ampla, no que se refere à promoção da educação menstrual. “Não tem estratégia de atuação sobre esse ponto. É interessante que estão dando absorventes de graça para uma parte da população, mas precisa de pesquisas para mostrar que não é só isso que é necessário”, concluiu.
O projeto de extensão universitária MenstruAÇÃO é um exemplo. Mônica Maria de Jesus também é coordenadora do projeto. A professora disse que a ideia é “avançar os muros da universidade e difundir o conhecimento entre as pessoas que estão fora desse espaço”. A proposta baseia-se no princípio de que “um dos pilares para o enfrentamento da vulnerabilidade menstrual se dá a partir da informação em saúde, sobre o ciclo e higiene menstrual”, explicou a coordenadora.

Em diversos países, como Quênia, Canadá, Líbano, Colômbia, a redução ou eliminação de impostos sobre os produtos de cuidados menstruais é uma realidade. A Escócia foi o primeiro país a disponibilizar esses produtos gratuitamente em instituições de ensino.
A temática da pobreza menstrual engloba os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Denise Quaresma explicou que o fenômeno distancia a sociedade do alcance de tais metas, visto que têm-se pessoas que não estão adequadamente protegidas, não têm garantia à educação de qualidade e estão submetidas à vulnerabilidade.
Segundo a psicóloga, falar sobre vulnerabilidade menstrual nas escolas propõe um debate sobre o acesso da igualdade de gênero para as pessoas que menstruam, discussão que dialoga com os objetivos 3, 4 e 5, respectivamente Saúde e Bem-Estar, Educação de qualidade e Igualdade de gênero, da proposta da ONU.

