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Carolina Bori, mulher pioneira no movimento a favor da Psicologia como Ciência no Brasil

Professora participou ativamente da criação do curso especializado de psicologia e foi responsável por introduzir a área experimental
Carolina Bori Capa
Por Isabella Gargano (bellagargano@usp.br)

Psicologia é uma profissão que vem recebendo em destaque com a discussão sobre saúde mental em alta. Esta, até hoje, é muitas vezes negligenciada por pessoas que a invalidam como desnecessária ou acientífica. Há mais de 60 anos, em agosto de 1962, a área foi reconhecida como Ciência e profissão no Brasil, permitindo uma melhor formação acadêmica e credibilidade aos psicólogos.

Uma das grandes apoiadoras da iniciativa de firmar a Psicologia como Ciência no Brasil foi Carolina Martuscelli Bori,  paulista nascida em janeiro de 1924. Foi uma figura marcante não só na Psicologia, como também na política científica e na defesa da sociedade. É descrita como “cientista ímpar com desejo de difundir ao máximo as ciências no Brasil, principalmente entre jovens” pela colega de pesquisa Maria Isaura de Queiroz em relato à revista de Psicologia da USP de 1998. 

Graduou-se em 1947 em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e no ano seguinte já ocupava o cargo de professora assistente de Psicologia da mesma universidade. A partir de então, engajada no meio acadêmico, desenvolveu pesquisas e participou ativamente do movimento de profissionalização da Psicologia, de forma a não limitá-la como sendo apenas um complemento dos cursos de Pedagogia e Filosofia. 

Apesar da falta de regulamentação, em 1953 surgiu o primeiro curso de Psicologia do Brasil na Pontifícia Universidade Católica (PUC), e no mesmo ano na Universidade de São Paulo (USP), não mais como disciplina complementar e sim como bacharelado. Carolina ocupou a cadeira de Psicologia Educacional e, ainda no campo de docência, foi responsável como chefe do departamento de Psicologia Experimental e presidente da comissão da primeira pós-graduação em Psicologia do país.

O curso disponibilizado pela USP era de nível superior. No entanto, pela falta de legislação, conferia apenas um diploma de bacharelado, o que não necessariamente permitia o exercício profissional da carreira. Paralelo a este dilema, um grupo de médicos tentava aprovar uma lei que restringia o psicólogo a um profissional auxiliar do médico. O grupo era liderado por Newton Campos, médico psiquiatra e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Neste contexto, Carolina agiu à frente da Sociedade de Psicologia de São Paulo e posteriormente da Associação Brasileira de Psicólogos. Suas ações garantiram a regulamentação do estatuto utilizado até os dias de hoje, que determina um currículo mínimo para formação.

Bori se fazia presente nos debates quanto aos modelos de educação e experiências de outros países que revelavam as necessidades específicas da psicologia brasileira. Ela organizava grupos de estudantes e profissionais para irem a campo obter assinaturas de apoio da comunidade ao estatuto, chegou a visitar políticos com estes grupos para conseguir a aprovação da lei de regulamentação.

Carolina Bori discursando na SBPC
Carolina Bori discursando na abertura da 38ª Reunião Anual da SBPC [Imagem: Reprodução/Acervo SBPC]

Psicologia experimental 

Carolina tinha grande interesse pela vertente experimental da Psicologia, sendo responsável pelo incentivo à pesquisa científica psicológica no Brasil. Ela fez doutorado nos Estados Unidos e voltou impressionada com algumas ideias do professor Fred Keller, cientista divulgador da psicologia experimental, e interessada em laboratórios de análise experimental do comportamento. 

Fabio Leyser Gonçalves, professor assistente doutor no Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Unesp, atualmente ministra justamente essa disciplina e entrou para a área tendo contato com a própria Bori. Ele afirma: “o interessante da Psicologia Experimental é que não é só humana, e sim de todos os seres vivos, e o que a caracteriza é justamente o processo ativo de controles dos fatores que podem influenciar um fenômeno”. 

Nos experimentos da Psicologia, o objeto de estudo são seres vivos, sejam animais, como no famoso experimento da caixa de Skinner, ou humanos. No último caso, a experiência tem algumas variáveis as quais não podem ser controladas, como relações pessoais e vivências exteriores ao estudo. Os pesquisadores se contentam em analisar comportamentos dentro de ambientes controlados. 

As espécies possuem suas diversas características, e o humano principalmente é muito subjetivo devido a sua bagagem cultural e de socialização. No entanto, apesar das particularidades, o modo e os processos que levam a estas diferenças são universais e compartilhados entre as espécies que surgem através do desenvolvimento e evolução. 

Precisamente por tratarem-se de experimentos com seres vivos, tomam-se alguns cuidados. Atualmente, existem comitês de ética responsáveis pela regulamentação e aprovação desses experimentos. “Os limites éticos são dados pela sociedade e se atualizam à medida que os avanços da ciência e as mudanças de pensamento acontecem”, diz o professor Gonçalves, que faz parte da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA). “Tudo é analisado de acordo com suas peculiaridades, e o maior interessado no bem estar do animal sou eu, cientista, porque se os meus animais não estiverem bem, eu também não vou conseguir dados de qualidade generalizáveis. A própria saúde do animal é uma variável a ser considerada na pesquisa”.

Legado na Ciência

Carolina foi um grande exemplo da força da mulher no campo da Ciência. Anos após seu falecimento, teve seu nome homenageado com a criação do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher em 2019.

O prêmio é organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) — a qual Bori foi a primeira mulher presidente — e conta com quatro edições que selecionaram mulheres envolvidas com projetos científicos, reconhecendo cientistas de cada uma das três Grandes áreas do conhecimento: Humanidades, Biológicas e Exatas. 

A cerimônia ocorre anualmente. A quarta edição ocorreu em fevereiro de 2023 e premiou nove vencedoras na categoria “Meninas na Ciência” cujas pesquisas de iniciação científica demonstraram criatividade e potencial de contribuição com a ciência no futuro. 

Carolina Bori na mesa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Carolina Bori foi a primeira presidente mulher da SBPC [Imagem: Reprodução/Acervo SBPC]

Dentre as premiadas, Denise Barrozo de Paula, graduada em Psicologia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, conta que ficou surpreendida quando descobriu ter sido selecionada dentre as inúmeras pesquisas inscritas. Para ela o prêmio em si já significou muito academicamente, mas além disso ficou muito feliz pelo reconhecimento de sua trajetória enquanto pesquisadora.

Denise descreveu a importância de prêmios como este que validam a jornada feminina na Ciência. “Eu fiquei maravilhada com tantas iniciativas de projetos maravilhosos que existem e não têm esse destaque no dia a dia, imagina o tanto de outras pesquisas que não conseguem ter o reconhecimento pelo fato de serem comandadas por mulheres… a trajetória de uma pesquisa é difícil, às vezes uma dupla jornada”. 

A jovem é psicóloga psicanalista e coordenadora de um coletivo de psicologia anti-racista. Ela relata que por ser uma mulher negra, o prêmio passa a ter uma importância maior ainda: “eu penso que me projeto para outras mulheres e meninas negras, mostro a possibilidade de uma carreira acadêmica”. 

Carolina Bori também dá nome a Agência Bori, serviço brasileiro que faz a ponte entre a imprensa e pesquisadores por uma plataforma onde jornalistas podem encontrar pautas atuais relacionadas a pesquisas inéditas de instituições brasileiras em diversas áreas como saúde, meio ambiente e economia. 

A agência procura consolidar a ciência nacional por meio da disseminação de pesquisas por profissionais da imprensa, garantindo assim acesso a informação de qualidade para o estímulo à Ciência e qualificação do debate público baseado em evidências científicas. No site da instituição, é explicada a escolha do nome em homenagem a Bori como uma cientista-chave para a consolidação da ciência brasileira, e que suas ações servem como inspiração.

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