Por Regina Lemmi (regina_lemmi@usp.br)
Na última segunda-feira (14), o presidente Lula sancionou a lei que restringe o uso de celulares nas escolas. O texto proíbe a utilização dos aparelhos durante aulas e intervalos em todas as etapas da educação básica.
Antes da aprovação da legislação nacional, alguns estados já tinham adotado a medida. No dia 05 de dezembro de 2024, o governador paulista Tarcísio de Freitas sancionou um projeto semelhante, que já havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em novembro.
Você pode conferir a legislação oficial, atualizada e completa aqui.
O projeto tem como base o Relatório Global de Monitoramento da Educação de 2023, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Um tema que está presente no documento é o uso indiscriminado dos smartphones por crianças.
De acordo com a publicação, a tecnologia pode impactar negativamente a aprendizagem se for utilizada de maneira inadequada ou excessiva. A organização indica que sejam utilizados aparelhos eletrônicos apenas para auxiliar no desempenho escolar dos alunos, na presença de um professor qualificado.

O que diz a Unesco
Em entrevista à J.Press, Maria Rehder, oficial de projeto do setor de Educação da Unesco no Brasil, afirma que a exposição em tempo prolongado às telas pode afetar de forma negativa o autocontrole e a estabilidade emocional dos estudantes, o que aumenta quadros de ansiedade e depressão.
“Estudos mostraram que alunos podem levar até 20 minutos para se concentrarem novamente no que estavam aprendendo, uma vez distraídos.”
Maria Rehder
Rehder também analisa a importância da publicação do relatório para incentivar a implementação de legislações que contém o vício do celular pelos menores de idade. “Quando o relatório foi publicado, em 2023, cerca de 24% dos países já tinham implementado a proibição do uso de aparelhos eletrônicos na sala de aula por meio de políticas. Mais de um ano depois, sabemos que são mais de 60 países, o que equivale a 31% das nações.”
Outros países que adotaram o banimento dos celulares nas escolas através de políticas públicas foram Finlândia, Canadá, Suíça, Portugal, Itália, Países Baixos, Dinamarca, México, Grécia, Espanha e Austrália. Alguns outros Estados possuem projetos em andamento, ainda não aprovados, como a Coreia do Sul.
Na Austrália, por exemplo, o banimento do uso das redes sociais para crianças e adolescentes é para menores de 16 anos. As plataformas que descumprirem a lei podem ser multadas em até 200 milhões de reais. Entretanto, o relatório da Unesco não descreve apenas desvantagens do uso de celulares por crianças. Ele também destaca a importância das tecnologias na acessibilidade.
Para estudantes com deficiência, o uso de televisão, telefones e rádio é uma alternativa de aprendizagem para populações que vivem em regiões de difícil acesso. Além disso, “cerca de 87% dos adultos com deficiência visual apontaram que aparelhos de tecnologia acessível estavam substituindo ferramentas assistivas tradicionais”, diz Rehder.
A proibição do uso de celulares nas escolas não é unânime entre estudiosos. A professora da London School of Economics and Political Science e pesquisadora em “Children’s Rights in the Digital Age”, Sonia Livingstone, junto à Miriam Rahali e Beeban Kidron, argumentam em artigo a favor do contato de crianças com a tecnologia.
Para elas, “falar de ‘proibições’ encerra as conversas mais profundas que a sociedade precisa ter sobre os melhores interesses das crianças na era digital e deixa o setor tecnológico sedento de lucros fora de perigo”. Elas afirmam que, ao invés de apoiarmos a proibição de celulares, deve-se criar, a partir do diálogo, um ambiente acolhedor com as crianças nas plataformas e beneficiá-las no mundo digital.
“Em vez de restringir as atividades das crianças, deveríamos exigir uma ação mais firme por parte do governo e dos reguladores, para que as crianças possam beneficiar com segurança do mundo digital.”
Sonia Livingstone, Miriam Rahali e Beeban Kidron
No último capítulo do livro A Geração Ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais (2024), o psicólogo Jonathan Haidt recomenda políticas públicas distintas para contornar o problema. O autor cita que o governo deve deixar de incentivar medidas que prejudiquem a saúde mental dos adolescentes e criar mecanismos para protegê-los no meio digital.

O núcleo familiar e a tecnologia
Segundo dados contidos no relatório da Unesco, o tempo de exposição das crianças de 3 a 8 anos em frente à tela aumentou 50 minutos durante a pandemia. Diante do convívio do confinamento, Maria Rehder não deixa de evidenciar a participação da família no ramo da educação de seus filhos.
“É preciso assegurar que as famílias façam a mediação adequada do uso não só de celulares, mas das tecnologias em geral.”
Maria Rehder
A J.Press conversou com duas mães para saber como elas lidam com o uso de eletrônicos pelas crianças.
Tânia Bacci, mãe de uma estudante de 13 anos, conta que é importante na educação de um menor de idade uma conversa clara com relação aos malefícios do uso excessivo do celular. Entre eles, ela destaca que “os adolescentes são influenciados por um padrão de vida e consumo que nem sempre reflete a educação dada em casa”, mas é disseminado pelas redes sociais. Incentivar a prática de esportes e outros conteúdos que cultivem a criatividade dos menores de idade auxilia para amenizar o vício.
Vivian Modesto dos Santos, mãe de dois filhos de 9 e 10 anos, comenta que é contra esta nova legislação, pois os estudantes continuarão a esconder os eletrônicos e manter a distração em sala de aula. Segundo ela, cabe à família manter a rigorosidade do tempo de tela e também os conteúdos consumidos pela criança para reduzir o vício.
“Os filhos querem atenção, então cabe aos pais darem mais ela, conversarem e terem diálogo com as crianças para impedir que fiquem só nos celulares”, comenta Vivian. A mãe enxerga que isso é uma maneira de diminuir o tempo de tela consumido.

Como escolas têm agido
Adilson Garcia, diretor pedagógico da escola particular Vértice, em entrevista à Jornalismo Júnior, ressalta que o período de tempo nas plataformas digitais atrapalha a dedicação para as atividades escolares. A falta de interação social entre as crianças é o maior problema que ele observa nas gerações a partir dos anos 2000.
O diretor também conta que a escola providenciou a iniciativa de colocar mesas de pebolim, pingue-pongue e jogos na quadra durante os intervalos, para que os estudantes não sintam a necessidade de recorrer ao telefone celular, agora proibidos. “Você vai colocando coisas que ocupem o tempo deles e os levem a conversarem mais”, explica.
Adilson afirma que o colégio Vértice já possuía o costume de proibir o uso de celulares no período das salas de aula. De acordo com ele, muitos pais sentiam-se aliviados por essa política incisiva na escola, pois isso influenciava a convivência em casa, em que o tempo de tela também reduzia. “Quando você cria uma cultura dentro de uma instituição escolar, os braços dela acabam indo para dentro das famílias também.”
