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‘A Semente do Fruto Sagrado’: narrativa familiar reacende anseios de liberdade no Irã

Intenso e angustiante, é esperado que o filme gravado clandestinamente seja indicado para as categorias internacionais nas principais premiações de 2025
Por Maria Luiza Negrão (marialuizacnegrao@usp.br)

A Semente do Fruto Sagrado (Dāne-ye anjīr-e ma’ābed, 2024) finalmente chega às telas brasileiras após uma temporada de aclamação nos mais diversos festivais internacionais. O filme mostra como o bem-estar de uma família iraniana se degrada progressivamente após a promoção do pai e marido Iman (Missagh Zareh) ao cargo de juiz de instrução. Em vez da esperada ascensão profissional, o que ocorre é uma sequência de eventos, tanto no âmbito doméstico quanto no nacional, que deteriora a sanidade de todo o eixo familiar.

Na nova função de Iman, a aprovação de sentenças de morte todos os dias o deixa propício a retaliações contra si e sua família. Mas a preocupação da esposa Najmeh (Soheila Golestani) leva-a a uma dureza insensata como mãe. Ela aplica restrições severas que impactam a vida das filhas Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki), que não podem se expor demais em redes sociais nem entrar em confusões, a fim de proteger a carreira do pai.

A narrativa ocorre ao mesmo tempo em que protestos pela liberdade feminina tomam conta das ruas iranianas. Em setembro de 2022, a morte de Jina Mahsa Amini provocou uma onda de indignação contra o governo. A jovem foi presa pela polícia da moralidade do país por um suposto uso incorreto do hijab, e veio a óbito ainda sob pouco tempo de custódia. As autoridades culparam condições médicas pré-existentes, mas foram encontradas evidências de violência física aplicada pelas forças policiais. Nas ruas, a população clamava pelas máximas: “mulheres, vida, liberdade”.

A atuação apreensiva de Soheila Golestani (ao centro) entrega emoção do início ao fim da trama; Mahsa Rostami (esquerda) e Setareh Maleki (direita) concedem às personagens duas versões diferentes de um mesmo ideal de liberdade [Imagem: Divulgação/Mares Filmes]

A tensão presente no Irã é sentida no trabalho de Iman na medida que o volume de sentenças cresce todos os dias. Isso desgasta o estado mental do personagem e impacta o relacionamento do mesmo com a própria família. Nesse sentido, o título do longa, A Semente do Fruto Sagrado, faz referência à Ficus religiosa, espécie de figueira cujas sementes se espalham pelo ar e germinam sobre outras árvores, estrangulando e tomando o lugar delas. Analogamente, a violência institucionalizada pelo governo iraniano toma o lugar da ordem social no país. No meio familiar que protagoniza o longa, as mentiras e segredos que pairam a vida doméstica também parasita o bem-estar de seus membros.

Toda a produção do filme, do roteiro às edições, foi feita sob sigilo para impedir a censura e retaliação do governo iraniano. O diretor Mohammad Rasoulof, inclusive, foi preso por motivos semelhantes e teve que se exilar na Europa após a finalização do longa. Talvez essas limitações expliquem certas pontas soltas: nem todas as motivações dos personagens são esclarecidas e nem todas as consequências são mostradas. Além disso, a última parte do filme abarca um suspense que, apesar de bem construído ao longo das quase três horas de trama, apresentou problemas sérios de execução.

Apesar dos problemas técnicos e narrativos, o filme se mantém importante enquanto material de denúncia contra a violência teocrática do Estado iraniano. O tom crítico, corroborado por imagens reais dos protestos de 2022, conecta o espectador com as questões sociais do país e revive o clamor ainda latente por “mulheres, vida, liberdade”. Não se pode negar que A Semente do Fruto Sagrado é um longa digno de todas as aclamações colecionadas até aqui.

O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Reprodução/YouTube

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