Saulo Yassuda
Foi em uma quarta-feira fria e em uma sala cheia que assisti ao premiado “O segredo do grão”. E o filme me deu fome, não sei bem o porquê. Talvez pelo fato de a fita ser longa (151 min.), talvez pelo horário que fui assisti-lo (22h), talvez pelas apetitosas imagens de pessoas comendo (cuscuz, legumes, peixe).
Mas a explicação mais plausível para minha fome talvez seja o realismo do diretor Abdel Kechiche, ainda pouco conhecido no Brasil. Ele conta a história de um homem de 60 anos que, sentindo-se inútil por não poder mais trabalhar, sonha em abrir um restaurante. Para poder concretizar esse desejo, o velho conta com a ajuda da família – a ex-esposa, que cozinha como ninguém, e os filhos e agregados – e também com a ajuda da namorada e da filha dela, feita pela impecável Hafsia Herzi (premiada no César e no Festival de Veneza), que rouba a cena no filme.
O realismo de Kechiche se arrasta desde o primeiro segundo de filme. Uma câmera nervosa percorre os atores, chega perto em grandes closes e permanece em cenas longas, com os diálogos do dia-a-dia, beirando a banalidade. Em um grande almoço familiar, todos falam ao mesmo tempo, fazem piadas, discutem, comem cuscuz, e os grãos de sêmola nas mãos e dentro da boca das personagens são mostrados com detalhes – nada é escondido ou maquiado.
“O segredo do grão” não é um filme redundante. Tudo acontece sem muita explicação, nada é muito didático, mas tudo é muito claro. Os 151 minutos preferem falar “do nada” e lentamente do que falar “para onde o filme vai”. E este é o mérito de “O segredo”: ele consegue fazer o recorte na vida dos personagens de forma profunda – e sem tentar impedir a fome do espectador.
Ficha Técnica: La Graine Et Lê Mulet (França, 2007)
Direção: Abdel Kechiche
Elenco: Habib Boufares, Hafsia Herzi, Faridah Benkhetache, Abdelhamid Aktouche, Bouraouia Marzouk
Duração: 151 min
Onde Ver: Espaço Unibanco Augusta, IG Cine, Reserva Cultural