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‘Babygirl’ explora os desejos sexuais da protagonista sob o olhar feminino

O suspense erótico busca subverter o formato tradicional do gênero historicamente dominado por homens com abordagem ousada e simbólica
Por Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br)

O filme Babygirl (2024), que concedeu o prêmio de melhor atriz à Nicole Kidman no 81º Festival de Cinema de Veneza, estreia nesta quinta-feira (9) nos cinemas brasileiros. Dirigido por Halina Reijn, diretora holandesa conhecida pelo seu último longa do subgênero terrir Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies, 2022), o filme foi recebido internacionalmente por críticas mistas: enquanto uma parte do público o aplaudiu por sua ousadia, outra parte o considerou sensacionalista devido ao fetichismo da trama.

A obra é protagonizada por Romy (Nicole Kidman), a CEO de uma empresa de robótica que, apesar de seu inegável sucesso profissional e familiar, possui uma vida sexual insatisfatória com seu marido. Com um casamento saudável, duas filhas adolescentes e uma companhia bem sucedida, a personagem de Kidman põe tudo em risco quando o novo estagiário Samuel (Harris Dickinson) é contratado para fazer parte de sua equipe.

Durante os 19 anos casada com Jacob (Antonio Banderas), um diretor de teatro renomado, Romy nunca conseguiu ter um orgasmo com seu parceiro, embora os dois façam sexo diariamente, mas sem nenhum tipo de fetiche envolvido. A partir do momento em que ela conhece Samuel, suas fantasias eróticas afloram de pouco a pouco e o desejo de concretizá-las engrandece. O estagiário, por sua vez, é observador e logo entende o desejo da chefe de ser dominada sexualmente, o que o faz investir na conexão entre os dois.

Ao entender e se atrair por Romy, Samuel a escolhe como sua orientadora no processo de adaptação no estágio, o que dá início à relação do par [Imagem: Divulgação/Diamond Films Brasil]

A qualidade mais importante do filme é a perspectiva feminina sobre todos os aspectos. Os reprimidos desejos sexuais de mulheres são retratados no audiovisual há décadas, como em A Professora de Piano (La Pianiste, 2001) de Michael Haneke ou em Secretária (Secretary, 2002) de Steven Shainberg. Entretanto, por serem narrativas construídas através de olhares masculinos, o erotismo pode tender mais à sexualização do que à identificação.

Em Babygirl, as visões entrelaçadas de Halina Reijn e Nicole Kidman permitem que a obra se desenrole sem tons de julgamento ou tabu perante às vontades da personagem principal. A sua jornada, além de um auto descobrimento, explora a coexistência de diferentes personas em cada mulher e como é possível aceitá-las por inteiro, sem nenhuma vergonha.

“De um jeito estranho, Halina e eu nos tornamos uma só, algo que eu nunca tinha passado com nenhum diretor antes”, contou Kidman à imprensa internacional [Imagem: Divulgação/Diamond Films Brasil]

Também roteirizado por Halina Reijn, o longa não se resume apenas ao sexo, ao contrário do que muitos espectadores opinam ao considerá-lo sensacionalista. O fetiche da protagonista por dominação e humilhação é apenas um impulso para a exploração de temas como dinâmicas de poder, autoaceitação, quebra do estereótipo de um relacionamento perfeito e a libertação de si mesmo.

As cenas sexuais em si não dominam a trama e são minimamente explícitas. Na verdade, o que caracteriza o erotismo da obra é a tensão entre as personagens de Kidman e Dickinson, construída por meio de jogos e alegorias de poder entre os dois. A inversão de papéis é um ponto instigante: Romy é a superioridade máxima da empresa em que trabalham, porém, por detrás das cortinas, quem exerce a posição de dominador é Samuel , enquanto a CEO se delicia com a submissão.

Diferentemente do tom cômico no suspense de Morte Morte Morte, a diretora explora o tom de suspense no erotismo de Babygirl. O que um caso entre a chefe e o estagiário poderia colocar em risco? A resposta é simples: tudo de mais importante para ela, incluindo seu casamento, sua família e sua posição de liderança na própria companhia. A aflição causada pela possibilidade do desastre na vida da protagonista permeia toda a narrativa, característica que capta a atenção do público.

Os protagonistas passam a marcar encontros fora do escritório para explorar suas sexualidades [Imagem: Divulgação/Diamond Films Brasil]

Embora a cinematografia tenha sido conduzida por um homem, Jasper Wolf, os ângulos de câmera e a fotografia não sexualizam o corpo feminino. Ele e Reijn são parceiros de trabalho desde o início da carreira da diretora, com Wolf também marcando presença em seus dois longas anteriores, Morte Morte Morte e Instinto (Instinct, 2019).

A música original do filme é composta pela cantora Sky Ferreira, dona do sucesso Everything Is Embarrassing, de 2012. Após ser impedida de lançar novas músicas durante dez anos em sua antiga gravadora, a artista retorna independentemente em 2024 com o single Leash, destinado às telonas. Em entrevista à revista Vogue, Ferreira afirma que compartilhou muitas de suas ideias da diretora de Babygirl para criar uma trilha sonora com a mensagem libertadora da trama.

Sessão de fotos de Sky Ferreira para a divulgação de Leash e Babygirl [Imagem: Reprodução/Instagram/@skyferreira]

Contudo, o desenrolar do roteiro também importa — e muito — para construir uma boa história. Um ponto a ser criticado é a forma extremamente rápida com que Romy e Samuel dão início a sua relação sexual. Desde as primeiras conversas que o estagiário tem com a CEO, ele demonstra uma atitude irreverente perante à superior.

Do momento em que os dois são apresentados até o primeiro jogo erótico de poder não há um indício, por parte de Romy, de que ela esteja intreresada em começar uma relação dominador-dominada com seu estagiário. O público, é claro, acompanha os desejos que passam pela mente da protagonista, mas eles não são demonstrados diretamente para Samuel. 

Por causa disso, o erotismo à primeira vista tem uma construção à la fanfic, gênero literário comumente conhecido por criar aproximações forçadas ou irreais entre seus protagonistas, o que enfraquece a sensualidade da obra e dá mais enfoque à sexualidade. Diferentemente de lançamentos contemporâneos como Rivais (Challengers, 2024) de Luca Guadagnino, grande parte das cenas sensuais entre as personagens principais são pequenos cortes sem a profundidade que poderia ter sido atingida.

Em vez de conversas sobre dominação e sexualidade ou a dedicação de mais tempo de tela para dissecar ainda mais as profundas fantasias libidinosas de Romy, o filme opta por manter a relação entre o par supérflua. Por isso, o espectador não deve ir ao cinema esperando a construção de uma relação sentimental — o pilar principal é puramente o desejo.

Com o impulso de Samuel, Romy aprende a se libertar de diversas formas: sexualmente até pessoalmente [Imagem: Divulgação/Diamond Films Brasil]

Mesmo com pequenos deslizes e com o pouco aprofundamento da relação íntima dos protagonistas, Babygirl é poderoso ao colocar a sexualidade feminina nos holofotes por meio da direção de mulheres. Sem nenhum tipo de preconceito, a abordagem do desejo por erotismo e dominação é um ato de libertação não só para as mulheres, mas para qualquer pessoa que possui fantasias reprimidas por uma sociedade culturalmente conservadora.

O filme está disponível nos cinemas. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Diamond Films Brasil

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