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‘A Substância’: sobre a agonia de envelhecer na indústria

Com atuação reverenciável de Demi Moore e efeitos especiais agonizantes, o filme desenha com primor a violência da indústria de entretenimento
Por Jean Silva (jeansilva@usp.br)

Bizarramente cirúrgico. A decadência da protagonista de A Substância (The Substance, 2024) e a intervenção cuidadosa e sigilosa acompanhada de uma reviravolta agonizante do início ao fim demonstra o quanto as imagens de artistas são produtos e a inquietação da procura por novas versões. O prazo de validade de uma indústria que preza pela novidade e a busca pela permanência leva a questionar a essencialidade de renovação e adequação às normas implícitas de um ambiente que vê cultura como mercadoria e juventude como beleza.

Dirigido por Coralie Fargeat e com Demi Moore, Margaret Qualley e Dennis Quaid no elenco, o filme foi premiado como melhor roteiro em Cannes. É explícito o mérito desse prêmio devido a subjetividade do roteiro com a precisão da crítica que torna a experiência de assisti-lo muito além do que uma representação concreta. A Substância se torna uma sensação complexa de sentimentos controversos torturantes, mas que geram empatia no espectador.

A Substância é uma mescla de terror com drama cativante e agonizante [Imagem: Arquivo Pessoal/Jean Silva]

Do estrelato a decadência

Uma carreira de sucesso no cinema com direito a uma estrela na calçada da fama pode parecer um futuro promissor em Hollywood. Ao menos, deve ser o sentimento que Elisabeth Sparkle (Demi Moore) teve em sua estreia na cidade dos grandes filmes americanos. Apesar disso, seu futuro não foi o que imaginou. Aos 50 anos, a protagonista é apresentadora de um programa de televisão Fitness, e deixou de lado sua carreira como atriz. Mesmo assim, havia estabilidade.

Tudo muda quando o chefe de produção Harvey (Dennis Quaid) se cansa do rosto dela e a considera velha demais para estar no programa. “As pessoas sempre pede por algo novo”, ele fala. Só que este não pode ser o final para Elisabeth. É então que surge um convite para participar de um experimento medicinal de uma droga clandestina que cria outra versão sua por replicação celular.

“Já sonhou com uma versão melhor de si mesmo? Mais jovem. Mais bonita. Mais perfeita. Uma única injeção desbloqueia seu DNA e liberará outra versão de si mesmo. Esta é A Substância.

Narrador do trailer de A Substância

Mas ninguém contava que essa nova versão chamada Sue, além de a fazer sofrer, a substituir e alcançar a glória que um dia foi dela, também a destruiria e a tornaria em um monstro.

Ao sair do corpo matriz (o de Elisabeth), a nova versão (Sue) deixa marcas profundas em suas costas[Imagem: Reprodução / IMDB]

Mesmo com enredo e arco simples e rápidos, o desenvolvimento da história, o sofrimento da artista e as cenas agonizantes durante todo o filme tornam a experiência empática e perturbadora ao mesmo tempo. O horror que é assisti-lo representa apenas uma pequena parte do sentimento que corpos femininos e afeminados enfrentam com o fardo e a violência que o envelhecimento simboliza em seus contextos de desvalorização.

Terror e drama

Seria um erro escrever sobre A Substância e não citar o esplendor com que foi feito em termos de filmagem e atuação para que houvesse uma mescla estrutural entre certo drama pessoal e terror. As cenas durante todo procedimento de criar uma nova versão com luzes brancas azuladas, que dão a sensação de suspense e medo, são essenciais para que haja imersão na agonia da artista ao realizá-lo. O modo como Demi Moore interpreta essa artista em decadência também é fundamental para criar os sentimentos controversos que as cenas causam.

O roteiro por um todo é cativante pela metalinguagem que possui. A crítica à desvalorização do envelhecimento é tão forte quanto as cenas que são apresentadas.  Cenas essas que devem ser parabenizadas pela direção de arte, a fotografia e a trilha sonora causarem coesão entre o ambiente científico, do entretenimento e de sofrimento íntimo.

Já a atuação de Demi Moore é marcada pela busca por humanidade em seus atos, ao mesmo tempo em que sua transformação nos afasta desse ser humano, o que permite tecer toda a obra. O ambiente degradante e escuro no final representa bem a repugnância que seu corpo transformado transmite, o que deixa claro que não há caminho de volta para Elisabeth. 

Mas também, como falar de humanidade e não citar também os questionamentos que Sue, a nova versão, traz quanto à sua própria existência. O filme peca nesse desenvolvimento de Sue e suas próprias questões, a construindo simploriamente nesse papel de sobrevivência. Mas o desfecho leva o espectador a questionar: vale a pena destruir o que se é para construir uma nova versão que nunca valorizará completamente aquilo que se foi apenas para atender às pressões estéticas de um contexto social?

O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer

*Imagem de capa: Reprodução / IMDB

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