Por: Fernanda Teles (fernanda.teles@usp.br) e Maria Clara Rossini (mariaclararossini@usp.br)
Poucos se perguntam quais são os recursos que estão por trás dos aplicativos de relacionamento que fazem parte da vida de tantos solteiros. Já sabemos muito bem como usar e qual é o impacto deles na nossa vida, mas já parou pra pensar quais mudanças esses aplicativos proporcionaram ao universo de relacionamentos e mesmo à comunidade?
Para que essa mudança estivesse presente no nosso dia a dia, foi preciso que os softwares nascessem de alguma forma. O que proporciona a criação e manutenção desses aplicativos são os algoritmos, bancos de dados, relações entre diferentes redes sociais e muitos outros aspectos da programação.
Algoritmos
O termo algoritmo é utilizado para designar uma sequência de lógicas utilizadas para atingir certo objetivo. Essa lógica pode envolver ações, números ou mesmo curtidas no Tinder.
Um dos fundadores e CEO do aplicativo Poppin, Guilherme Ebisui, explica como funciona a sequência lógica que resulta na combinação entre duas pessoas. O cadastro é feito conectando-se ao Facebook, usando os dados e informações dessa rede social, em conjunto com as preferências de sexo e idade escolhidas pelo próprio usuário. Ao concluir o cadastro, os eventos do Facebook nos quais o usuário marcou presença serão utilizados para encontrar pessoas que também pretendem comparecer e, seguindo os filtros de preferências, assim é escolhido quem aparecerá na tela do usuário, cabendo a ele se interessar ou não pela pessoa.
Outro filtro aplicado – e talvez o que mais revolucionou a indústria de chats, sites e aplicativos de relacionamento – é a ideia de interesse mútuo trazida pelo “matchmaking”. Duas pessoas só serão conectadas entre si caso ambas demonstrem interesse por meio do simples deslizar de dedos sobre a tela do smartphone. Assim, os interessados economizam tempo e o esforço de mandar mensagens e investir em uma relação que talvez não seja recíproca.
Essa pode parecer uma lógica simples e de fácil desenvolvimento por aqueles que já estão acostumados com tais aplicativos, mas que envolve processos complexos quando se trata de um volume tão grande de pessoas utilizando o software. O Tinder, aplicativo que popularizou o conceito de “matchmaking”, levou dois anos para elaborar e concluir seu algoritmo.
Bancos de dados
Garantir que suas informações não sejam perdidas é o papel do banco de dados. O professor e doutor em inteligência artificial Reginaldo Gotardo explica que eles são usados para fazer a “persistência da informação”. A persistência é a capacidade de salvar ou guardar as informações registradas em um sistema de informação mesmo quando falta algo a ele, como energia. Um exemplo corriqueiro desse uso são as informações que permanecem salvas em seu celular ou computador mesmo quando estão desligados, graças ao banco de dados.
Em aplicativos, essa tecnologia atua de forma similar. Dessa vez, há duas persistências: uma por parte do aplicativo no celular e outra por parte do servidor ou “nuvem”. Para que certa informação – como um email, uma publicação no Facebook ou uma curtida em um aplicativo de relacionamento – seja acessada por outros usuários, é preciso que ela esteja na nuvem. Para isso, é necessário que haja uma sincronização entre as informações salvas apenas no celular e o servidor. Se um post em uma rede social não conseguiu ser enviado ao servidor, por falta de sinal de internet por exemplo, a garantia de que ele não será perdido está no banco de dados do celular.
Para estabelecer relações entre os informações de usuários, o banco de dados implementa o conceito de modelagem de dados. Atualmente existem duas grandes abordagens para transferir os dados de um lugar a outro: abordagem relacional e abordagem não relacional.
O primeiro tipo envolve dados que não podem ou devem ser replicados por mais de um servidor, como é o exemplo de uma mensagem trocada através do Tinder. A mensagem atravessa de um ponto A ao ponto B, e não pode correr o risco de ser perdida.
Uma postagem no Twitter, por exemplo, já está de acordo com o segundo tipo de abordagem. Nesse caso, o dado deve ser copiado e replicado em diversos servidores, para que todos tenham acesso ao post. Essa abordagem privilegia a disseminação em grande escala.
Conexão entre as redes sociais
É muito comum que uma rede social utilize dados de outras para agregar ainda mais personalidade do usuário ao aplicativo. Assim como o Poppin trabalha com a conexão ao Facebook, o Tinder também trabalha com o Facebook e o Spotify. Esses são apenas alguns exemplos de uma prática que vem se intensificando cada vez mais no mundo digital.
Essas conexões só são possíveis devido ao uso do API, uma interface que permite que outros aplicativos tenham acesso e façam consumo das informações disponibilizadas. Segundo Reginaldo, a API é apenas a tecnologia mais difundida dentre tantas outras que possibilitam diferentes níveis de acesso aos dados. Outros exemplos permitem compartilhamento a nível de bancos de dados inteiros entre os aplicativos.
A AP do Facebook é aberta e não necessita de autorização para ser utilizada. Os fundadores do Poppin explicam que, para o Facebook, é interessante apoiar novos aplicativos que estão surgindo e criar maior dependência à rede social. Atualmente, 80% dos aplicativos já fazem uso do Facebook, número que tende a subir mais, tornando-o ainda mais poderoso e influente.
Segurança
Nunca houve tantos dados e informações pessoais circulando na internet e armazenados em dispositivos como hoje. Frente a isso, a segurança dos bancos de dados possui camadas de proteção das mais simples às mais complexas, protegendo os dados não só quando estão armazenados, mas também quando estão em trânsito pela rede.
Quem escolhe quais informações vai disponibilizar na rede, porém, é o próprio usuário. Tanto em aplicativos de relacionamento quanto em outros, o que define até onde o software pode usar suas informações são os termos de uso, aquele texto que sempre aceitamos sem ler.
Com a alta exposição pessoal na internet atualmente, às vezes esquecemos de zelar pela segurança de nossas informações. O professor Gotardo recomenda que se faça ao menos uma leitura dinâmica dos termos de uso: “Não existe anúncio grátis, se você está usando um aplicativo de graça, no mínimo é porque você está oferecendo seus dados para eles, que depois eles usam de alguma outra forma.”
Os apps e nova forma de se relacionar
Indo um pouco além da parte técnica por trás dos aplicativos de relacionamento, também chama a atenção de todos como esses novos programas podem afetar – seja de forma positiva ou de forma negativa – o modo como as pessoas se relacionam ou então, começam a se relacionar.
Muito antes dos aplicativos de relacionamento surgirem e dominarem os celulares de jovens e adultos, outras gerações de plataformas para encontrar um parceiro existiram. Tudo começou com as salas de bate-papo e depois vieram os sites, ambos bem diferentes do que é oferecido pelos novos apps. Neles as pessoas iam com a intenção de encontrar o seu “par ideal” e comumente marcavam encontro com apenas um desconhecido com a esperança de achá-lo. No entanto, as chances disso dar certo eram pequenas e um número bem grande de pessoas que procuravam por essas plataformas não tinham sucesso no que queriam. Assim, com o intuito de mudar o formato e a lógica de funcionamento, os aplicativos de relacionamento para celulares surgiram, buscando juntar mais pessoas e tentar proporcionar mais encontros.
Uma das grandes diferenças que vieram com a criação desse tipo de app, combinando justamente com a tendência da contemporaneidade, foi o fato da imagem vir na dianteira das outras informações pessoais dos cadastrados no aplicativo. Antes, respondia-se mil questionários e o “casal perfeito” era montado a partir de suas compatibilidades. Agora, as novas plataformas apelam muito mais para o visual do que para a personalidade, e é a atração física quem manda. Além disso, outras mudanças claras foram a possibilidade do “match”, em que duas pessoas só conversam se mutuamente se atraírem, a agilidade para marcarem encontros e conversarem, e também o uso da geolocalização (encontrar um amor na próxima esquina é um pouco mais cômodo do que encontrar um do outro lado do planeta, não é mesmo?).
Segundo a psicóloga Ligia Baruch de Figueiredo, que pesquisou sobre o uso desses aplicativos e escritora do livro Tinderellas, “a própria vida urbana impõe uma necessidade de agilidade. O aplicativo entra no cenário de uma vida corrida, repleta de solicitações e estímulos. Onde o deslocamento, a confiança e a segurança são fatores complicados. Ele chega e encontra um espaço muito fértil”. Deste modo, a junção de todas essas mudanças trouxe então o sucesso e a febre dos aplicativos de relacionamento, conquistando cada vez mais adeptos – e de todas as idades.
Desde 18 até os 70 (ou mais): o aplicativo é para todos e todas
Antes, os sites e até mesmo as salas de bate-papo eram muito frequentadas por adultos, todos a procura de um “par ideal”. Os jovens e os idosos eram uma parcela bem menor dos que usavam esse serviço. Já atualmente, com a nova forma de procurar por um parceiro (ou só alguém para passar a noite) todos que tiverem um celular ou um tablet podem acessá-lo e começar a sua busca. Assim, pessoas das mais variadas faixas etárias estão no aplicativo.
No entanto, o modo de uso dos jovens e das pessoas mais velhas são bem diferentes. Segundo a psicóloga, os mais novos usam pelo sucesso do aplicativo e também por conta da curiosidade. “Acho que o jovem e a jovem usam muito mais para ver se está sendo curtido, se vai ter likes, do que de fato porque precisam da ferramenta. Existem várias baladas, tem os colegas, ali é só mais uma possibilidade. Eles entram meio que para zoar um pouquinho e é divertido”, comenta.
Já os adultos e idosos tem outro intuito e comumente levam o aplicativo mais a sério. Eles sabem o que querem e quando querem. “Já acompanhei senhores e senhoras de 70 anos e eles não estão ali para gandaia. Eles não tem festa para ir, trabalham, não vão se arriscar a ir para uma balada e ficar tomando uma a noite toda porque aquilo não tem mais a ver com o estilo de vida deles. Essa maturidade é como se fosse assim: se você vai no supermercado e tem duzentos produtos, e você sabe aquele que você quer, tudo bem ter duzentos, você não entra em paralisia. Os jovens vão para o supermercado, tem duzentos produtos e não sabem bem o que querem”.
Trazendo mais liberdade para as mulheres e para os LGBTs
Os aplicativos de relacionamento também são inovadores em outro aspecto: agora ficou muito mais fácil procurar por um parceiro ou parceira apenas para passar a noite. Como a lógica das salas de bate-papo e principalmente dos sites de relacionamento era a de encontrar o seu “par perfeito”, não eram muitas as pessoas ali que estavam apenas procurando alguém para um encontro casual – ninguém gostaria de preencher mil formulários só para isso. Atualmente, com os aplicativos, devido a sua agilidade e ao seu conceito de “matchmaking”, ficou muito mais fácil para homens e mulheres encontrarem um outro alguém que também tenha só esse intuito.
Assim, mulheres aderiram ao aplicativo de relacionamento, muitas delas buscando parceiros ou parceiras para ficarem por só uma noite. Isso vem, portanto, como uma forma de trazer mais empoderamento para elas, corroborando para a liberdade sexual feminina. “Nesse momento de experimentação, experiências femininas e masculinas estão se aproximando mais porque mais mulheres podem ter mais experiências sexuais, amorosas, antes de se casarem, por exemplo. E o app é perfeito para isso. Ele possibilita que a mulher saia com quem ela quiser, sem depender do entorno social. Ela pode namorar com quem ela quiser, quando ela quiser, do jeito que ela quiser”, diz Ligia.
O mesmo acontece com o público LGBT que encontra plataformas, às vezes até exclusivas, para procurar seus parceiros. Com a possibilidade dentro dos aplicativos de escolher por “homens” ou “mulheres”, ou os dois, todos conseguem encontrar alguém que também esteja interessado.
Xô, preconceito
Apesar de toda a inovação e as mudanças trazidas pelos novos aplicativos, às vezes os relacionamentos que surgem por conta dessa nova ferramenta sofrem discriminação. “Eu acho que a diferença é o preconceito social e muitas vezes da própria pessoa, no sentido de achar que porque foi pela internet significa que ela é incompetente para encontrar parceiros de formas tradicionais. Ou achar que será um relacionamento mais líquido e efêmero porque começou via um mecanismo tecnológico e não algo romântico, na pracinha, na escola”, comenta a psicóloga.
No entanto, sabemos que não importa a forma que um relacionamento começa, o que importa é o quão saudável ele é, proporcionamento a felicidade do casal. Então que tal deixar isso pra lá? Menos preconceito, mais match.