A história brasileira ficou para sempre marcada pela crueldade do Regime Militar de 1964. Com um retrato vivo e sensível da repressão, a jornalista Luiza Villaméa escreveu A Torre: o cotidiano de mulheres encarceradas pela ditadura (Companhia das Letras, 2023). A escritora deu voz às mulheres que reagiram às injustiças e tentaram ser caladas e isoladas na Torre — construção no Presídio Tiradentes destinado às presas políticas. Apesar do tema difícil, a leitura é envolvente e indispensável para entender o passado deste país.
A CONSTRUÇÃO DA OBRA
Publicado em maio de 2023 pela Companhia das Letras, a obra é um verdadeiro documento histórico. O livro é dividido em cinco capítulos grandes e fluídos que contam a história do Presídio Tiradentes. Localizado no centro de São Paulo, ele foi utilizado para encarcerar, principalmente, presos políticos durante o Estado Novo de Getúlio Vargas e, posteriormente, no golpe militar de 64.
A história da penitenciária, antes usada para interesses escravocratas, é contada com detalhes até a sua destruição em 1972. Entretanto, o foco da obra não é a arquitetura do local, mas, sim, o cotidiano das mulheres que ali viveram. Para isso, a jornalista realizou cem entrevistas, além de dez anos de extensas pesquisas nos documentos do período para conseguir escrever com a sensibilidade necessária sobre o que essas mulheres passaram dentro e fora da Torre.
No final do livro, a autora separou uma coletânea de anotações, índices e informações extras. Além dos documentos adicionais, há também fotos das mulheres que foram presas na Torre e que contribuíram com entrevistas. A divulgação desses dados na obra, em conjunto com a escrita fluída de Luiza, enriqueceu ainda mais o processo de leitura.
A SENSIBILIDADE POR TRÁS DAS GRADES
“Para as mulheres capturadas pela repressão, cruzar o portal do Presídio Tiradentes representava a diferença entre a vida e a morte”, página 17. A brutal perseguição resultou na prisão dessas mulheres, que antes de chegarem ao Tiradentes, passavam também pelo DOI-CODI e DOPS. Os relatos mostram que as que sairam vivas dos centros de tortura, tiveram para sempre suas vidas marcadas.
De todo o complexo, só sobrou o portal de pedra que dava acesso à prisão, na avenida Tiradentes, número 451, na capital paulista. A Torre foi demolida, mas perdura em lembranças, traumas e afetos.
Trecho do prólogo, página 12
O livro conta desde a primeira presa por ações armadas, Dulce Maia, até as últimas a deixarem o complexo. A quantidade de detalhes e relatos durante a leitura construíram o cotidiano e a convivência delas na Torre. A abundância de parceria, de carinho e de um senso de comunidade fez com que os dias isoladas do mundo se tornassem mais leves.
Ler A Torre é primordial para entender a história e as consequências dos anos de chumbo na vida daquelas que lutaram pela liberdade. O livro mostra como elas desenvolveram uma comunicação dentro do presídio: o que estudavam, como se organizavam, e, principalmente, como se relacionavam, envolvendo, inclusive, a ala masculina. Além disso, ele também relaciona a discrepância entre o meio machista e brutal que elas estavam inseridas.
A amizade desenvolvida por elas na construção mais alta e imponente do complexo comprova a descrição do livro feita pela editora: “Uma lição de resistência, solidariedade e amor à vida”. A delicadeza da autora em tratar tantas singularidades, e dar vozes à elas — que muitas vezes eram obrigadas a entrar na clandestinidade para se proteger — traz reflexões necessárias ao leitor. Embora décadas tenham se passado, ler e falar sobre ditadura é essencial, pois estudar a história é uma forma de evitar que seus erros se repitam.
[Imagem de capa: Acervo Pessoal/ Lívia Uchoa]