Nelson Falcão Rodrigues foi um importante jornalista e escritor brasileiro. Tido como o mais influente dramaturgo do Brasil, engana-se quem limita sua obra apenas à dramaturgia. Seu legado para a cultura brasileira não se encontra só nos palcos de teatro, suas obras possuem os mais diversos formatos além das peças teatrais, como as crônicas, os contos, os romances, as telenovelas e, inclusive, o cinema.
Pernambucano de berço, Nelson mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro com a família. Quando criança, o escritor era leitor compulsivo de livros românticos e foi nesta fase que apaixonou-se pelo futebol e pelo Fluminense, paixão essa que marcou sua vida e seu estilo literário no futuro. Segundo o próprio, a grande inspiração para suas crônicas e peças teatrais veio da infância vivida na Zona Norte da cidade, onde as situações provocadas pelo moralismo na classe média forneceram a bagagem necessária para que pudesse escrever a respeito da sociedade.
Durante sua vida, Nelson passou pela redação de diversos jornais. Na década de 1920, Mário Rodrigues, pai de Nelson, fundou o jornal A Manhã e foi nele que o menino, com apenas treze anos, iniciou sua carreira jornalística na seção de polícia. Por questões legais, Mário deixou de ser dono do A Manhã, fundando em seguida A Crítica. O novo periódico tornou-se um sucesso de vendas, devido à cobertura política apaixonada e aos relatos sensacionalistas de crimes, feitos por Nelson. Mas A Crítica teve vida breve. Em 1929, a primeira página do jornal provocou uma tragédia. Sylvia, uma esposa desquitada cujo nome fora exposto da manchete, invadiu a redação e atirou em Roberto, irmão de Nelson, com uma arma. Nelson testemunhou o crime e Roberto faleceu dias depois.
Deprimido com a perda do filho, Mário Rodrigues faleceu poucos meses depois. Durante a Revolução de 30, a gráfica e a redação de A Crítica deixaram de existir. Sem seu chefe e sem fonte de sustento, a família Rodrigues mergulhou em decadência financeira.
Ajudado por seu irmão, Mário Filho, Nelson passou a trabalhar no jornal O Globo. Pouco tempo depois, Nelson descobriu-se tuberculoso e passou longas temporadas em um sanatório em Campos do Jordão para o tratamento. Recuperado, Nelson voltou ao Rio e passou a fazer crítica de ópera para a seção cultural de O Globo.
Em 1940 casou-se com Elza Bretanha, sua colega de redação. A partir desta década, Nelson dividiu-se entre o emprego em O Globo e a elaboração de peças teatrais. Em 1941 escreveu A mulher sem pecado, que estreou sem sucesso. Pouco tempo depois assinou a revolucionária Vestido de noiva que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com ovações em pé. A peça é considerada até hoje como o marco inicial do moderno teatro brasileiro e continua sendo encenada repetidamente por diversos grupos teatrais.
Após sair do Globo, começou a escrever seu primeiro folhetim: Meu destino é pecar, assinado pelo pseudônimo “Susana Flag” em O Jornal. O sucesso do folhetim alavancou as vendas e estimulou Nelson a escrever sua terceira peça, Álbum de família. Em 1946, o texto da peça foi submetido à Censura Federal e proibido, só sendo liberado em 1965. Em 1948 estreou Anjo negro e em 1949, Doroteia.
Em 1950 passou a trabalhar no jornal de Samuel Wainer, a Última Hora. Nele, começou a escrever as crônicas de A vida como ela é, seu maior sucesso jornalístico, que foi adaptado para a televisão. Na década seguinte, Nelson passou a trabalhar na TV Globo, participando da bancada da Grande Resenha Esportiva Facit, a primeira “mesa-redonda” sobre futebol da televisão brasileira e, em 1967, passou a publicar suas Memórias no Correio da Manhã , mesmo jornal onde seu pai trabalhara cinquenta anos antes.
Nos anos 70, já consagrado, Nelson começa a ter sua saúde prejudicada por problemas gastroenteorológicos e cardíacos. O período coincide com a ditadura militar, que Nelson sempre apoiou. Entretanto, seu filho, Nelsinho, tornou-se guerrilheiro e passou para a clandestinidade. Nesse período também acaba seu casamento com Elza e logo Nelson inicia um novo relacionamento com Lúcia Cruz Lima, com quem teria uma filha com problemas mentais, Daniela. Depois do rompimento com Lúcia, Nelson ainda teve um rápido casamento com sua secretária Helena Maria, antes de reatar seu casamento com Elza.
Nelson faleceu numa manhã de domingo, em 1980, aos 68 anos de idade, de complicações cardíacas e respiratórias. Ainda em vida, Elza atendeu ao pedido do marido de gravar o seu nome ao lado do dele na lápide de seu túmulo, sob a inscrição: “Unidos para além da vida e da morte. E é só”.
A obra de Nelson
O teatro entrou na vida de Nelson Rodrigues por acaso, como uma possibilidade de sair da situação financeira complicada. Assim, escreveu A mulher sem pecado, sua primeira peça. Nelson foi considerado um novo Eça devido à sua tendência realista. De fato, tal como os realistas do século XIX, ele criticou a sociedade e suas instituições, sobretudo o casamento.
O autor transpôs a tragédia grega para o sociedade carioca do início do século XX, dando origem à “tragédia carioca”, com as mesmas regras mas com um tom contemporâneo. O erotismo presente em sua obra lhe garante o título de realista. Nelson não hesitou em denunciar a sordidez da sociedade tal como Eça de Queirós em suas obras. Esse erotismo realista de Nelson teve sua gênese em obras como “O Primo Basílio” e se desenvolveu em toda obra do autor pernambucano.
Nelson Rodrigues é autor de peças teatrais, romances, contos e crônicas. Porém, suas obras vão além do papel ou do palco de teatro, muitos de seus textos serviram de base para a produção de telenovelas e de filmes.
Na televisão, obras como A morta sem espelho, Sonho de amor, O desconhecido, O homem proibido, Meu destino é pecar, Engraçadinha.. Seus amores e Seus pecados e A Vida como ela é preencheram horários nobres na telinha e algumas dela foram sucesso de audiência. A Vida como ela é, por exemplo, foi apresentada originalmente em 1996, reapresentada em 1997, 2001 e 2012 e virou até DVD em 2004.
Seu legado no cinema iniciou-se em 1950 com Somos Dois. No total, cerca de 24 de suas obras foram adaptadas para o cinema, umas com mais sucesso que outras. Dentre as mais importantes, encontra-se Boca de Ouro (1962), que depois ganharia um remake em 1990, e foi considerada uma das melhores adaptações da obra do autor para o cinema. Em 1965, A Falecida, com Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo, foi participante hors concours do Festival de Veneza do mesmo ano. E ainda a adaptação Toda Nudez Será Castigada (1973), dirigida por Arnaldo Jabor, ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1973.
A última obra de Nelson adaptada para as telonas é o remake de Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara Rezende (2009), que já fora filmada anteriormente em 1963 e 1981. Com filmagens entre 2007 e 2008, o longa, estrelado por Leandra Leal, João Miguel e Letícia Colin, deveria ser lançado em 2008, mas por uma série de problemas foi adiado e lançado apenas em 2013.
A maioria das avaliações recebidas por Bonitinha, mas Ordinária foram negativas. No geral, os críticos apontaram problemas em relação à edição e ao modo da adaptação, que tornou a história clássica em uma experiência fria e artificial para o espectador.
Apesar desta última adaptação encontrar-se aquém das expectativas, não restam dúvidas da importância da obra, tanto escrita quanto encenada, de Nelson Rodrigues. O autor não teve pudores ou receios ao tratar da sociedade hipócrita do Rio de Janeiro no início do século XX, consagrando-se um grande escritor, dramaturgo e cronista, devidamente imortalizado na literatura brasileira.
“Daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este final de século de ‘a mais cínica das épocas’. O cinismo escorre por toda parte, como a água das paredes infiltradas”.
por Mirella S. Kamimura
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