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Afetos cinematográficos: um mergulho em nossas memórias afetivas com a sétima arte

Quantas histórias cabem fora da grande tela? Pegue sua pipoca, acomode-se na poltrona e venha conhecê-las comigo.

Você se lembra a primeira vez que foi ao cinema? 

Eu não lembro. Mas me lembro de, pequena, assistir A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999) num cinema improvisado numa cidadezinha minúscula do interior paulista. E de passar os dias seguintes à exibição morrendo de medo de ir ao banheiro sozinha. Lembro de assistir algum episódio de Star Wars num cinema enorme na também enorme São Paulo com minha mãe, a maior fã de sci-fi que já conheci. Também foi com ela que vi, pela primeira vez, pessoas se levantarem de suas cadeiras no cinema e dançarem ao som de algum hit da Xuxa numa sala de cinema que já nem existe mais, numa travessa da Paulista. E a se emocionarem e repetirem os passinhos dos sucessos de Michael Jackson na exibição de This Is It (Michael Jackson’s This Is It, 2008), numa sala de cinema lá pela Vila Mariana.

Minha memória afetiva entrelaça-se com diversas produções cinematográficas. E com todas as salas de cinema em que já estive. Aposto que a sua também. 

Para entender um pouco sobre como essas histórias fazem parte de nós, conversei com diversas pessoas. É um tema caro para a maioria. Queria ouvir mais a respeito, e por isso publiquei num popular grupo de discussão online meu pedido para que as pessoas dividissem suas opiniões a respeito. A resposta foi avassaladora. Dezenas de pessoas compartilharam suas histórias. 

“Cinema pra mim é como se fosse um lugar mágico. Hoje faço quimioterapia e um dos únicos lugares que me sinto muito, muito bem é dentro do cinema, independente do filme. Tento ir ao menos uma vez por semana”, contou Vinícius Machado, estudante de jornalismo que escreve sobre o tema num blog há mais de 10 anos.

“Eu sou adotada”, dividiu uma moça chamada Erica Chohfi. “E um dos primeiros filmes que eu vi foi Tarzan. Minha mãe disse que quando eu vi o filme (tinha uns 7 anos) eu olhei para ela e disse ‘Mamãe, agora eu entendi minha história’. E é um filme muito importante para mim até hoje”.


Estreia hoje

A primeira ida ao cinema surgiu como um recorte comum dentre o mar de memórias afetivas que entrelaçam o mundo do cinema dentro de cada um e foram compartilhadas. “A memória mais antiga que tenho de vida é justamente a primeira vez que fui pro cinema”, disse Anna Carolina Leão. “Fui assistir Dinossauros com meus primos. Eu tinha só 4 anos, porém lembro perfeitamente de ver a sala, procurar lugar, meu primo com pipoca, lembro de trechos do filme na telona e da luz verde do cinema guiando o chão”, conta. 

Este primeiro passo no mundo da magia cinematográfica parece ter impactado a relação de muitos com os filmes que viram. São produções que sempre remeterão àquela lembrança. Karolina Rodrigues assistiu O Auto da Compadecida (2000) em sua primeira vez no cinema, com a mãe e tia. “Fiquei encantada. Pra mim, esse filme é o melhor”, contou. A estreia de Layra Coelho foi com a animação Carros (Cars, 2006). “Fui com meu pai e meu irmão. Eu era pequena e meu coração aquece toda vez que vejo esse filme e lembro da primeira vez no cinema e a euforia”. 

O Auto da Compadecida (2000) foi um grande sucesso comercial nos cinemas, à época [Fonte: Reprodução]

Nyllmara Valdevino viu a telona pessoalmente pela primeira vez com Diário de Um Banana (Diary of a Wimpy Kid, 2010), que ganhou um novo significado para ela. “Na minha cidade não tem [cinema], então tive que viajar. Chorei no filme e até hoje guardo o ingresso”, compartilhou. Por causa de sua primeira experiência, Beatriz Santos diz que sempre lembrará com carinho de Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003). “Eu não lembro de nada da sala ou do cinema, eu tinha só 3 anos. Mas eu tenho um sentimento desde criança de que aquele foi o melhor dia, o melhor filme de todos. E eu carrego esse sentimento até hoje.” 

Carregamos conosco um pouco de cada experiência na frente da grande tela. Clarissa Assis só lembrou de sua primeira experiência recentemente, quando assistiu a nova versão de Aladdin (2019). “Senti uma nostalgia muito forte. Tive uma lembrança de eu mesma vestida como Jasmine e nem sabia que isso tinha acontecido. Minha mãe disse que eu tinha dois anos de idade. Amava o Aladdin e era a Jasmine. Eu não sabia disso! Agora que sei porque  senti isso durante o filme. Ele significa muito pra mim”. O longa a reconectou com lembranças das quais, superficialmente, nem se recordava. 

Algo similar aconteceu com Nathalia Soares: “Assisti Forrest Gump uns dois anos atrás achando que nunca tinha assistido. Mas lá pelas tantas percebi que tinha assistido mil anos antes, quando eu era bem criança, com meu pai. Não tudo, mas lembrei de algumas partes. Até hoje esse filme tem valor sentimental pra mim porque isso aconteceu numa época em que meu pai trabalhava de noite e eu fingia pra minha mãe que tava dormindo pra, quando ele chegasse, eu levantar e ver TV com ele”.  

Para Julia Moutropoulos, um filme é uma viagem de volta ao passado. “Eu absolutamente amo Piupiu Dá a Volta ao Mundo em 80 Dias. Quando eu assisto, sinto o cheiro do meu travesseiro de criança, da minha naninha, da textura do pijama da minha mãe quando assistia deitada nela, do gosto do leite da minha mamadeira… Um turbilhão de nostalgia. Chorei 3 dias seguidos quando quebrei a fita e me dá vontade de chorar até hoje”, recorda-se. 

Foi no cinema que Marcos Botelho, ainda criança, encontrou a inspiração para outra paixão: os livros. “Quando eu tinha 8 anos, estreou Família Addams 2 e minha mãe me levou pra assistir uma sessão legendada, sem querer… Sentamos longe de todo mundo e ela narrou praticamente o filme todo pra mim.  Mesmo assim eu amei. Por ser a primeira experiência de um filme legendado que não era animação, me senti obrigado a aprender a ler rápido, pra poder acompanhar as legendas no cinema. Foi a partir desse episódio que tirei os livros da gaveta e comecei a ler sozinho”, compartilha. 


Entre o riso e a fantasia

Se o cinema impressiona adultos e nos leva para um mundo de fantasia durante horas, o que dizer do efeito que proporciona nos pequenos? As reações são as mais adoráveis. 

Fernanda Gibran lembra-se de se arrumar para ver a Branca de Neve (Snow White and the Seven Dwarfs, 2001). “Eu devia ter uns 4 ou 5 anos. Lembro direitinho como se fosse hoje… Minha mãe se arrumando e eu querendo ficar ‘bem linda’ pra Branca de Neve. Pedia pra minha mãe passar batom em mim… Eu achava que era igual teatro, que eles iam me ver também”. 

Bruna Barcellos tinha a mesma expectativa. “Fui assistir algum Harry Potter quando criança, e eu pensava que era como teatro. Achei que quando eu saísse do cinema ia encontrar todos atores na porta. Fiquei triste porque minha irmã riu e eu descobri que não era assim”, conta.

No mar de histórias de crianças espoletas, teve até sequestro de amiguinho. “Meu primeiro filme no cinema foi Rei Leão, primeira versão. Fui com o prézinho. Conheci um amiguinho no cinema, levei ele pro nosso ônibus. O menino foi até meu bairro e entrou em prantos porque não conhecia ninguém. Tentei convencer ele a morar lá em casa, mas não deixaram”, conta Diego Casmurro. 

Para Rodrigo Dias, assim com a maioria das crianças frente à tela grande, a diferença entre ficção e realidade não era nada óbvia. “Quando fui ver O Dia Depois de Amanhã e o cinema tava com ar muuuuito gelado, eu criança achei que tava no próprio filme!”, compartilha. 

O medo de Camila Oliveira ao assistir Harry Potter e a Ordem da Fênix   (Harry Potter and the Order of the Phoenix, 2007) foi o calor ー e por outros motivos. “Achei que o cinema ia pegar fogo, porque eu fui escondida da minha mãe evangélica que achava que Harry Potter era do demônio. Foi a melhor/pior experiência no cinema”, relembra. Ana Inez também quebrou regras com Harry Potter. “A primeira vez que eu fui ao cinema eu assisti a Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Lembro que nesse dia a censura era 12 anos e eu tinha 8. Me achei a última bolacha do pacote porque consegui entrar pra assistir”, conta Ana.

As aventuras do jovem bruxo Harry Potter levaram milhões aos cinemas do mundo inteiro nos anos 2000 [Fonte: MovieWeb]

Karoline Carvalho também aprontou ao assistir Lilo & Stitch (2002) com a turminha da escola: “Estava muito animada. Antes de irmos, corri atrás de um garoto que encheu meu saco, tropecei no meu próprio pé e quebrei o dente. A professora deu doce para todo mundo. Fui ver o filme mesmo assim. Chorei pelo filme, chorei pelos doces”, ri. 


Em cada sala de cinema, uma imensidão de histórias

A experiência de Fernanda, que se arrumou para ver a princesa da Disney e seus sete anões, foi no Cine Olido, histórica sala de cinema de São Paulo. Localizada na famosa Avenida São João e inaugurada em 1957, foi fechada em 2001 por falta de público e reaberta pela prefeitura da cidade em 2004. Hoje é um espaço de arte que prioriza produções nacionais e mantém a arquitetura clássica de cinema do século XX, com suas poltronas vermelhas e escadarias de mármore.

Anos antes dos lugares marcados em salas impessoais com suas super telas de HD ultra max plus super, ir no cinema significava ir a um lugar familiar e, muitas vezes, icônico, mesmo em grandes cidades como a capital paulistana. Ana Paula Gavioli foi no Cine Ritz, outra importante sala de cinema de São Paulo, assistir Gandhi (1983) com o pai. “Era um cinema luxuoso, lindo. O filme durava 4 horas, mas tinha um intervalo e neste intervalo a gente ia lanchar num restaurante do cinema, que era tudo chique, anos 80… Eu fiquei encantada, devia ter uns 10 anos”, relembra.

O Ritz da Avenida São João, na noite de sua inauguração, em 1943 [Fonte: Blog Salas de Cinema de São Paulo e Periódico Acrópole]

Joyce Oliveira lembra com carinho do cinema de rua onde viu  Aristogatas (The Aristocats, 1971) em sua primeira aventura numa sala do tipo. “Foi ali que me apaixonei pelo cinema e tenho ótimas memórias do cinema de rua, pipoqueiro na porta…”. Thalya Medeiros viu Lisbela e o Prisioneiro (2003). “Lembro de ir ver naqueles cinemas móveis com minha mãe. Até hoje sinto a mesma alegria daquele dia”, relembra.

“O primeiro filme que eu vi no cinema foi Tarzan, e foi no cineteatro São Luiz, um cinema tombado com uma arquitetura lindíssima aqui em Fortaleza”, conta Caroline Felix. “Fui com meu pai e um primo. Meu pai deu uma barra Nestlé Surpresa pra cada. Esse dia foi muito feliz e hoje, se eu me concentro, lembro perfeitamente o gostinho do chocolate branco com bolinhas coloridas”.

O cineteatro São Luiz, em Fortaleza, tem 61 anos e foi tombado em 1991 [Fonte: Portal do NIC]

O local que abrigou a primeira experiência de Gerson Carneiro não teve a mesma sorte do cine teatro cearense. “Fui a primeira vez ao cinema aos seis anos de idade assistir King Kong. Quarenta anos depois, retornei à cidade que fica no interior da Bahia, e o cinema hoje é uma igreja evangélica. Jesus não gosta de filme”, brinca. 


Um programa de família

Desde a primeira experiência, assistir um filme no cinema não é só sobre o que se assiste, mas também com quem. “Meu primeiro filme que vi no cinema foi o Gasparzinho. Lembro que fui com minha irmã e foi muito bom!”, contou Vinícius Bauer. “Ela morava com minha mãe e eu com a minha avó. Ficamos distantes por anos e quase nunca nos falávamos. Hoje, depois de anos, estamos mais próximos e nos relacionando super bem…Eu não esqueço deste filme”. 

Depois dos cinemas, Gasparzinho também fez muito sucesso na tv aberta brasileira [Fonte: Reprodução]

O cinema é um lugar aonde vamos com quem gostamos. Talvez seja o programa favorito das famílias brasileiras. É um lugar de muito romance e de risadas, mas também de família. 

Larissa Emanuelle assistiu Xuxa Popstar, o campeão das bilheterias brasileiras em 2001, com a mãe. “Me marcou porque foi um momento meu e da minha mãe. O cinema nem existe mais”, lamenta.  

Thamires Oliveira foi com o pai pela primeira vez ao cinema. “Vimos Jurassic Park e eu me lembro de escolher sentar bem perto da tela e assim que apareceu o dinossauro fiquei com medo. Me lembro dele segurando na minha mão e a gente mudando de lugar enquanto ele explicava bem baixinho ‘é só um bichão que não pode tocar em você’”. Ana Bordignon também foi com o pai. “Eu lembro muito de quando fui no cinema com meu pai ver As Meninas Super Poderosas: O Filme na semana que meu irmão nasceu. É uma memória que me deixa feliz involuntariamente”, comenta. 

Dinossauro (2000) foi a escolha da mãe de Amanda Cadinelli para um passeio no cinema. “O filme é infantil, mas uma das primeiras cenas é uma chuva de meteoros que mata vários animais. Eu fiquei com tanto medo que fui pro colo da minha mãe e não sai de lá até o filme acabar. É a primeira recordação que tenho de cinema. Até hoje amo esse filme”, lembra Amanda, com carinho.

“Fui ver Independence Day com minha família, mas foi a primeira e última vez que meu pai e minha vó, que já está no céu, foram. Foi legal porque meu pai era meio seco antes e não fazia muito o tipo de sair com a família para eventos. E minha vó já tinha 90 e lá vai cacetada. Não entendeu nada, mas riu bastante”, contou Alexandre Barker. 


Entre lembranças, lágrimas e saudade

Assim como nem todos filmes tem finais felizes, nem todas as lembranças relacionadas ao cinema trazem alegria. Saudade foi um tema recorrente nos relatos.  Para Tháta Hodnik, é a saudade do pai. “O Rei Leão foi o filme que assisti com meu pai quando era criança antes dele falecer. Mexe demais comigo”, compartilha. O filme de Simba, Timão e Pumba apareceu em diversos relatos. “Um filme que mexe comigo é O Rei Leão. Meu psicólogo disse que talvez seja por eu ter uma relação muito difícil com o meu pai, mas ao mesmo tempo amá-lo muito”, contou Camila Couto. 

“Na época que eu vi Click tinha uns 10 anos. Meu pai trabalhava e fazia faculdade e não tinha tempo pra sair comigo nos finais de semana. Aí vi a cena que a vida do Adam passa e ele não aproveita. Lembrei do meu pai e comecei a chorar”, compartilha Gabriel Di Iorio. 

Cleide Mendes assistiu Diário de Uma Paixão (The Notebook, 2004) quando sua mãe começou a dar sinais de Alzheimer. “Até então eu não sabia do que se tratava o filme. Chorei horrores. Logo minha mãe ficou muito doente e veio a falecer. Eu assisti depois esse filme mais umas 20 vezes. Marcou”, conta. 

Assistir Divertida Mente (Inside Out, 2015) a animação que trata de saúde mental, trouxe lembranças delicadas para Bianca Costa. “Durante toda a minha infância e adolescência, eu mudava de cidade a cada 1 ou 2 anos por causa do trabalho do meu pai. Eu chorei demais vendo o filme, lavei a alma. Quando a menininha ficou deprimida a ponto de tentar fugir de casa, lembrei das maneiras que eu usava para tentar fugir da minha realidade também”, ela conta. 

Ir ao cinema sozinho tem se tornado uma experiência cada vez mais comum. Mas nem sempre dá certo. Larissa Oliveira lembra com tristeza o dia em que foi ver Dumbo (2019) sozinha. “Eu estava subindo os degraus pra ir pra minha poltrona. Levei o maior tombo, a pipoca voou da minha mão. Mexeu com meu coração, pois eu fiquei sem pipoca e morrendo de vergonha. Sem contar que eu dei boa noite pra todo mundo, na hora do desespero e ninguém respondeu. Nunca vou esquecer”, lamenta. 

O clássico Dumbo teve uma nova versão no cinemas em 2019 [Fonte: Reprodução]

Lembranças incômodas são o que impede Aniara Campos de nos contar sua história de amor com o cinema. “Queria contar. Mas me lembra alguém que foi embora”, diz. Leandro Paim sente o mesmo quando assiste comédias românticas. “Eu tive um relacionamento bem abusivo e hoje em dia tenho um ataque de fúria se assisto. Depois do filme meu dia acaba e, se eu posso, volto pra cama e durmo até o outro dia chegar”, ele compartilha. Laura Cardoso também não consegue mais assistir nenhum clássico da Disney. “Choro e sinto uma coisa estranha”, ela conta, “porque lembro da minha infância e também da minha mãe, que amava os filmes e faleceu há quatro anos”.


Este filme é indicado para todas as audiências

Embora mágica, a experiência de ir a um cinema ainda é negada a milhares de brasileiros. Os valores altos dos ingressos, a segregação social imposta pela localização majoritária de salas de cinema em shoppings de classe média alta e os preços exorbitantes da pipoca e refrigerante impedem que muitos brasileiros vivam experiências como as narradas aqui. A homogeneização das produções exibidas, quase sempre vindas apenas de Hollywood, também é um desafio. As salas têm perdido espaço para os serviços de streaming, cuja mensalidade é frequentemente mais barata que um único ingresso para uma sessão de cinema. 

Os desafios para a democratização do acesso ao cinema no Brasil não são novidade. Embora mobilize emoções universais, ainda é um espaço de difícil acesso para muitos brasileiros. E tem sido assim há décadas.  Quando possível, no entanto, há quem dê seu jeitinho. E torne, com isso, a experiência uma aventura ainda mais inesquecível. 

Foi o que fez a mãe de Laiz Alves, ao levá-la para assistir a primeira versão de O Rei Leão, lançado no Brasil em julho de 1994. “Eu tinha uns 7, 8 anos e minha mãe catou eu, meu irmão, uns três primos, uns dois vizinhos nossos e carregou todos para o cinema. Na época, ainda era cinema de rua, no centro de Niterói. Ela fez pipoca e colocou naqueles sacos de lixo enormes, fez várias garrafas de suco de caju e maracujá, congelou e levou pra gente comer no cinema. Hoje, todos adultos, temos essa lembrança com muito carinho. Detalhe: estamos nos organizando para fazer a mesma farofada para assistir a nova versão do filme. Dessa vez, com os nossos filhos. Pois todas as crianças daquela época já são pais!”, conta animada. 

Desde a primeira versão, lançada nos cinemas em 1994, O Rei Leão ganhou os corações dos espectadores brasileiros [Fonte: Reprodução]


Sobem os créditos

Nenhuma emoção humana passa ilesa pela experiência cinematográfica. Entre histórias engraçadas e tocantes, o cinema aparece sempre como um local de afetos. De saudades, de risadas, de amor e também de cura. 

Josyane Leandro teve ajuda do filme Orações Para Bobby (Prayers for Bobby, 2009) para se assumir para os pais evangélicos. O drama é sobre a história de Bobby Griffith, um jovem gay que se suicidou em 1983.

Érica Barbosa só conseguiu conversar com a irmã sobre os abusos que sofreu do cunhado anos depois, quando juntas assistiram As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012). O longa conta a história de Charlie, adolescente depressivo que descobre ter sofrido abuso sexual na infância. “Nesse dia ela entendeu muitas reações minhas com ela e com todos. Meu sobrinho tem 14 anos e ama esse filme também. Ele disse que me admira demais. Isso basta. Obrigada, Charlie”. 

A história de Charlie em As Vantagens de Ser Invisível (2012) é baseada no bestseller homônimo de Stephen Chbosky [Fonte: Reprodução]

Talvez só quem já encontrou aconchego numa poltrona de cinema, bem longe da realidade, entenda como ir assistir a um filme pode mobilizar sentimentos e viabilizar sobrevivências. Foi o caso de Letícia Ota. “Quando eu era pequena meus pais foram para o Japão e me deixaram com a minha avó paterna. Era bem tenso morar com ela. Me deixava passar fome e me obrigava a ir para a igreja. Mas uma vez no mês meu tio me levava no cinema, quando ele recebia. Eu lembro disso com tanta alegria porque ele me tirava daquele mundo horrível que eu vivi por 2 anos”. 

Amanda Santos passou por algo similar com sua tia, com quem morava na cidade em que fazia universidade. “Passei por uma cirurgia e tive que ficar internada 2 meses”, ela relata. Depois da alta, sentia-se muito triste. “Eu só vivia triste, chorando pela casa, e minha tia tirou um final de semana pra fazer programas comigo. Passamos a sexta, sábado e domingo passeando, comendo fora, fazendo compras e um desses programas foi ir ao cinema. E eu lembro de tudo dessa tarde porque foi no cinema que eu me toquei que tudo aquilo que ela estava fazendo era pra eu ficar melhor psicologicamente. O filme era Guerra é Guerra! Até hoje eu assisto esse filme, amo demais. E sempre que assisto lembro desse final de semana”. 

Pâmela Martins também foi no cinema buscar um sopro de vida. “Cruzei a cidade a pé e fui ao shopping sozinha assistir ao Hotel Transilvânia 3. Foi marcante porque depois de ficar uma semana na merda e sozinha eu tomei coragem de fazer alguma coisa sozinha que me fez muito bem”, ela compartilha. 

O que existe em filmes que pode promover cura ou superação? A identificação – um dos mais importantes e primitivos sentimentos humanos. É a habilidade de ser ver no outro e, assim, talvez sentir-se mais inteiro em si. Nesse jogo, o filme em si nem sempre importa tanto. “Vão achar mega piegas, mas eu sofri um abandono (na quarta estávamos procurando apartamento pra alugar, no sábado ele sumiu; apareceu 3 meses depois casado) e o Lua Nova, da saga Crepúsculo, passa exatamente o que senti quando ele foi embora”, conta Nathalia Rosa. 

Nessa trajetória entre histórias sobre cinema, um relato me marcou pela delicadeza e força. Meu Pé de Laranja (2013) é um filme brasileiro de 1970 e de 2013 baseado no livro de José Mauro Vasconcelos, publicado em 1968. Conta a história de Zezé, menino humilde que, a despeito da pobreza e falta de afeto, conta histórias como ninguém. A que compartilho agora é a de Izabelly Alves, ao assistir a história de Zezé: 

“Eu tinha acabado de sair de casa, meu pai era um alcoólatra abusador. Meu namoradinho havia me largado. Estava numa fase de solidão, entregue aos livros e ao trabalho. Lembro que procurei um lugar no cinema bem solitário porque sabia que aquela história falava muito ao meu coração. Chorei que solucei. Saí de olhos inchados e vermelhos. Aliviada. Livre. Tomei um sorvete e fiz planos. O mundo era um lugar com esperança novamente.”

Da próxima vez que for ao cinema e se acomodar com sua pipoca para uma nova aventura cinematográfica, te convido a reservar alguns segundos para observar ao seu redor. Existem muitas outras histórias ali, além daquela que você estará prestes a assistir na tela grande. 

1 comentário em “Afetos cinematográficos: um mergulho em nossas memórias afetivas com a sétima arte”

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