Doméstica is back in! Esse papel dedicado anteriormente à segundo escalão de novela das seis já ocupa lugar de destaque entre a teledramaturgia brasileira. Com duas novelas em horário nobre centralizando o trabalho doméstico sob os holofotes, é marcado o retorno dessa personagem tipicamente brasileira às produções nacionais.
A empregada doméstica está presente em quase todos os momentos do nosso dia-a-dia. Com entrada da mulher no mercado de trabalho e a facilidade na exploração da mão-de-obra destas trabalhadoras, o aumento do serviço doméstico tornou-se expressivo. Mais de 5 milhões de brasileiras prestam serviços domésticos, ainda que para muitos, pareça que elas não estejam por alí.
Com declarada frequência em nossas vidas, é inadmissível que não houvesse até pouco tempo representatividade destas no imaginário popular. A presença da doméstica está recorrentemente associada àquela personagem planificada, rasa e escrachada.
Em diversas obras teatrais, a empregada foi representada desta maneira, mesmo quando evidenciada sob as luzes dos holofotes. E O Santo e a Porca de Ariano Suassuna, Caroba é atrapalhada e cheia de trambiques para fazer com que suas vontades sejam realizadas. A peça Trair e Coçar… de Marcos Caruso não esconde suas referências ao construir uma Olímpia atrapalhada e ingênua que exagera em trejeitos e sotaques para conquistar a plateia.
A peça de Renata Melo, busca em oposição aos clássicos, colorir a vida das Domésticas – que batizam a peça e posteriormente o filme Domésticas, O Filme (Idem. 2001) do na época estreante Fernando Meirelles. Uma das exigências originais da diretora era a construção das personagens de maneira profunda e real, mas fugindo dos tabus que envolvem as vidas dessas meninas. A violência e a prostituição foram intencionalmente deixadas de lado, para manter a construção de uma peça leve e agradável que conquiste o público, quase como um ode às domésticas.
Com prorrogação da temporada e aclamada pela crítica, a peça surgiu na cena paulistana. Numa dessas sessões, o jovem cineasta Fernando Meirelles que já planejava seu aclamado Cidade de Deus (Idem, 2002) se apaixonou pela simplicidade da história destas que passam despercebidas em nosso dia-a-dia e resolveu, como uma preparação para sua grande investida cinematográfica, levar aos cinemas esse projeto. Menor, em tamanho, mas não em importância.
A película é construída com uma linguagem muito próxima à do teatro. O diretor extrapola a simples narrativa cênica das protagonistas e busca dimensionar as personagens. Claudia Missura, genial atriz rio-pardense que acompanhou a transição da peça ao cinema pode ser vista em sua estreia nas telonas como a doméstica Raimunda, uma moça jovem, humilde e dedicada ao trabalho como tantas outras que conhecemos.
O filme, opta por uma construção mais crítica do roteiro. Devemos ressaltar aqui o trabalho da atriz Graziella Moretto. Roxane é cheia de sonhos. Diz que “não é doméstica, está doméstica”. O diretor se distancia do roteiro da peça homônima e decide por apresentar este tabu que não fora intencionalmente apresentado pela autora. Roxane, em sua busca pela fama, acaba sendo levada à prostituição. Entre todos os quiproquós, sua ingenuidade a acompanha à este momento.
Olívia Araújo, no papel da jovem Quitéria nos diverte com sua ingenuidade e seu jeito desastrado. Somos todos assim, ainda que a vejamos com lentes de aumento, a atriz nos traz a humanidade da personagem. No fundo, nos apaixonamos pela doméstica.
Como é de se esperar daquele que dirigiu posteriormente Cidade de Deus; conflitos envolvendo a violência urbana e a má distribuição da renda são exaltados, mas nunca deixando de lado o humor – peça chave do sucesso deste texto, como na incrível cena do assalto ao ônibus protagonizada pelos inexperientes ladrões Jailto e Gilvan.
Com uma linguagem bastante acessível e leve, o filme é um retrato fiel das nossas parceiras! É impossível não se identificar com uma das oito personagens apresentadas. A trilha sonora recheada de Lindomar Castilho, Jane e Herondy e Arnaldo Batista nos remete instantaneamente àquele radinho de pilhas inseparável das faxinas.
Não são raros os momentos em que nos projetamos na tela e tomamos o lugar das personagens. O passeio de ônibus de todos os dias, a vida doméstica, o chefe chato. Somos convidados a todo momento a rir e repensar como vemos essas protagonistas tão reais.
Por muitas vezes nos recusamos a aceitar a humanidade da doméstica. As transformamos em máquinas-vivas e isso é questionado na película. Será que nos lembramos das empregadas apenas quando há algo desaparecido em casa? É sempre da empregada a culpada pelos copos e vasos quebrados?
Uma grande homenagem àquelas que fazem nosso dia-a-dia funcionar perfeitamente. Domésticas – O Filme deve estar nas prateleiras de qualquer amante de cinema nacional.
Por Fábio Manzano
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