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Ainda há como frear as mudanças climáticas?

Diversas medidas são necessárias para mudanças significativas, mas cenário indica que eventos climáticos extremos serão cada vez mais comuns
Por Jean Silva (jeansilva@usp.br)

Tragédias recentes causadas por eventos climáticos extremos, como as chuvas do Rio Grande do Sul, São Sebastião, Petrópolis, sul da Bahia, entre outros, chamam atenção para os efeitos e consequências das mudanças climáticas. “São várias marcas nos ecossistemas devido a chuvas como a que ocorreu no Rio Grande do Sul (RS), completamente incomuns pela extensão territorial, duração e volume precipitado”, afirma Eduardo Mario Mendiondo, engenheiro de recursos hídricos e professor doutor do Departamento de Hidráulica da Universidade de São Paulo (USP). 

“As marcas físicas dessas inundações são muito claras e permanecem na memória da população que as presenciou, assim como na economia, afetando toda a cadeia produtiva” 

Eduardo Mario Mendiondo

Homem carregando criança nas costas pare retirá-la de uma enchente, evento influenciado para mudanças climáticas
Os mais afetados pelos eventos climáticos extremos são as populações mais carentes
[Imagem:Reprodução/Wiki Commons]

Nesse cenário, fake news de que regiões do Brasil ficariam inabitáveis em poucas décadas ganharam força. Com essas perspectivas, paira a dúvida: ainda há como mitigar os efeitos das mudanças climáticas?

Adaptar é preciso

É preciso encarar com seriedade: as mudanças climáticas já são reais, e é perceptível que ondas de calor e chuvas intensas estão cada vez mais comuns. ”As marcas mais significativas (no Brasil) são devido a grande desigualdade social que influencia a ocupação de áreas inadequadas”, diz o professor. “Comunidades mais carentes, com menor IDH, na maioria das vezes tem poucas possibilidades de reconstruir as suas vidas em outros lugares”, continua.

Parque arborizado em uma cidade grande
Parques são mais comuns em regiões elitizadas e longe da periferia das cidades
[Imagem: Reprodução / Wiki Commons]

O engenheiro explica que uma das adaptações necessárias está no conceito de “cidade esponja, que envolve a criação de áreas verdes para absorção de água, mas deve ser implementado de forma descentralizada para ser eficaz. A falta de áreas verdes e de infraestrutura urbana de tratamento de esgoto contribui para os problemas enfrentados durante as chuvas. 

A gestão das áreas de impermeabilidade deve ser integrada ao planejamento urbano para mitigar os impactos nas cidades, conforme Mediondo. A recuperação de rios, a manutenção e ampliação de esgotamento sanitário também merecem atenção, já que a expansão do espaço urbano contamina os lençóis freáticos que, por sua vez apodrecem raízes de árvores que caem. Menos árvores significa menor capacidade de permeabilidade do solo, agravando o problema.

 O professor ainda aponta que “temos obrigatoriamente que integrar o sistema de drenagem e esgotamento e cuidar para que um não avance em cima do outro”, e exemplifica que, no caso do RS, a falta de manutenção do sistema de drenagem foi um dos principais problemas. 

“Nós podemos nos adaptarmos melhor se fizermos um saneamento mais justo e, sobretudo, para as pessoas mais necessitadas”

Eduardo Mario Mendiondo

Não só adaptar, mas inovar

Além de ser urgente adaptar, faz-se ainda mais necessária a transição energética. O maior vilão da atualidade é o uso de combustíveis fósseis, tanto para fins energéticos como para manufaturar plástico. No primeiro caso, aumenta-se a concentração de dióxido de carbono na atmosfera e, consequentemente, ocorre a acidificação dos oceanos, a intensificação do efeito estufa, e o aumento da temperatura média da terra. No segundo, agrava-se a poluição dos oceanos e rios, que abrigam organismos essenciais para captura de carbono. 

Garrafa de plástico na beira de um corpo d'água, ilustrando a poluição, grande influenciador das mudanças climáticas
Toneladas de plástico se encontram nos oceanos, o que desequilibra ecossistemas
[Imagem: Reprodução / Wiki Commons]

”As microalgas absorvem CO2, constroem paredes celulares e em determinado momento afundam, o que forma as reservas de petróleo e fixa ‘permanentemente’ esse carbono”,  conta Mariana Cabral de Oliveira, professora livre-docente do departamento de botânica do Instituto de Biologia (IB) da USP. Ela aponta que apesar dos combustíveis fósseis — produzidos por milhares de anos a partir da deposição desses seres — serem um problema, as algas podem ser uma solução.

“Embora, tenhamos poucos genomas de algas sequenciadas, temos muito interesse em entender como essas algas podem ser utilizadas”

Mariana Cabral

  “Tanto do ponto de vista aplicado, como produção de um composto de interesse, quanto produzir uma linhagem que tem um rendimento maior para produção de biocombustíveis são possíveis”, exemplifica a bióloga. Muitas pesquisas também são feitas para adaptar esses microrganismos essenciais para o equilíbrio ecossistêmico do planeta às mudanças climáticas.

Parque de energia eólica próximo a cidade litorânea no Nordeste
Energia eólica no nordeste brasileiro abre discussão sobre problemas socioambientais de dispositivos, o que reforça a necessidade de outras alternativas
[Imagem: Reprodução / Wiki Commons]

Além dessas inovações, há propostas de investimento em energia solar, hidráulica e eólica em escala global. Off-shores — breve explocação do que são off-shores — para produção de hidrogênio verde e combustível renovável que libera água em sua combustão também estão em discussão no legislativo.

Não só inovação, mas reparação e proteção 

Quando se fala em mudanças climáticas em um país como o Brasil é importante ter em mente o impacto da monocultura com desmatamento, grilagem de terra e criação pecuária, que representam a maior parte das emissões de gases do efeito estufa no país. No documentário Cowspiracy – The Sustainability Secret (2014) é abordado o quanto a criação de gado impacta e agrava problemas ambientais no mundo, com enfoque maior nos Estados Unidos. 

“Precisamos, de qualquer forma, continuar a produzir comida. Para isso é preciso recuperar áreas, e isso pode vir acompanhado de uma agricultura mais sustentável, como agroflorestal”, explica Michael Hrncir, professor do departamento de Fisiologia do IB-USP. Ele também destaca que o trabalho de desmatar é feito com a mão de obra de pessoas carentes por pagamentos pouco generosos, mas que a necessidade vem antes das preocupações ambientais.

“Paixão pelo meio ambiente não faz diferença, porque o humano é movido pelas suas necessidades que é comer, sobreviver”

Michael Hrncir

Queimada em floresta, responsável por emissões que contribuem para mudanças climáticas
Queimadas representam majoritariamente as emissões de gases do efeito estufa do Brasil [Imagem:  Reprodução / Wiki Commons]

Falar de formas mais sustentáveis de agricultura remete a pequenos produtores e comunidades tradicionais, mais especificamente os povos das florestas e movimentos da reforma agrária que vivem numa relação diferente com o ambiente. Nos incentivos a essas e a outras ações de políticas públicas de proteção ambiental ou adaptação climática falta participação integral do governo e da população. Mas Hrncir chama atenção para que “se os governantes não apoiam isso de alguma forma, as empresas não apoiam e os seres humanos não vão mudar”.

Com a COP30 se aproximando, o debate ambiental ganha grande visibilidade nacional. Apesar disso, políticos e ativistas ambientais como Greta Thunberg reclamam de “greenwashing” nesses eventos, já que as últimas COPs ocorreram em lugares de grande produção de petróleo, combustível fóssil principal do último século, e planos do Acordo de Paris não têm previsão de concretude.

Greta Thunberg, ativista reconhecida por sua luta contra as mudanças climáticas
Greta Thunberg é uma das ativistas ambientais mais famosas do mundo e é utilizada pela direita para banalizar o movimento ambiental
[Imagem: Reprodução / Wiki Commons]

Hrncir alerta: “há projeções de que, até o final do século, a temperatura global aumente bem mais do que 1,5 graus, podendo chegar a 7 graus de elevação. Esse número é alarmante se considerarmos o impacto que ele terá sobre ecossistemas inteiros”. 

Ele pesquisa sobre abelhas tropicais, e exemplifica que, no caso das abelhas, acostumadas a operar entre 35 e 40 graus, uma mudança de 5 graus pode causar um impacto significativo em sua viabilidade reprodutiva. “O mesmo vale para animais e plantas, que, ao sair da sua faixa de temperatura habitual, sofrerão consequências drásticas”, aponta

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Exeter, no Reino Unido, constatou que dos 26 pontos de não-retorno — pontos de inflexão para reversão do quadro climático atual — o planeta está perto de 5. Ainda que a fake news de que regiões do Brasil ficariam inabitáveis em 50 anos tenham sido desmentidas, esses pontos de inflexão também são alarmantes e precisam ser levados a sério pela população civil e pela comunidade internacional.

Além de reparar, mudar de perspectiva 

“Vamos ver cada vez mais eventos extremos. Não tem como negar o que já está dado pelo sistema biofísico geoquímico”

Pedro Roberto Jacob, professor no Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da USP

“A substituição de combustíveis fósseis tem sido muito mais lenta que o estimado, portanto impacta muito em atingir as metas do Acordo de Paris”, explica Jacob. Esse fracasso é evidenciado com as medições de temperatura de 2024 que registraram um aumento de 1,6°C da sociedade pré-industrial para os atuais dias, apesar desse aumento poder ter distorções devido o El Niño, fenômeno climático global que surge de variações nos ventos e nas temperaturas da superfície do mar sobre o Oceano Pacífico tropical.

Além disso, ele diz que as altas taxas de consumo, uso de plástico e criação massiva de gado são problemas complexos, porque “não é fácil transformar uma sociedade carnívora em uma que não seja carnívora”. Ele complementa que é um processo lento, que depende de interesses econômicos e de mudanças em hábitos individuais por opção das pessoas.

Outra problema que o professor faz questão de mencionar é a obsolescência programada, “que mostra que você pode ter um produto cada vez melhor, e o seu equipamento dura um ano ou dois anos e não serve mais”. Essa lógica acaba exigindo minérios escassos com maior frequência e, como o próprio diz, “a grande maioria das pessoas não está sintonizada com a necessidade de  mudar o padrão de consumo”.

Peças de lixo eletrônico em chão de asfalto
O Brasil produz 2,4 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano.
[Imagem: Reprodução / Wiki Commons]

Ele ainda alerta que existe uma enorme desigualdade nos padrões de consumo: uma parte da população quase não consome . Para enfrentar todos esses desafios, ele afirma ser essencial a educação, principalmente a ambiental. “A legislação de educação ambiental, que já discutimos desde 1999, ainda é absolutamente marginal dentro do sistema educativo brasileiro”, detalha. ‘Depende de professores, diretores de escola, e um pouco de secretarias de educação mais sensíveis para ser aplicada”.

Em geral, o fomento a ações locais e globais é importante para mitigar os efeitos de eventos extremos e não criar-se um colapso climático. “Se a sociedade humana não se organizar cada vez mais e as novas gerações não ficarem mais atentas, os impactos serão maiores e sobre os mais vulneráveis”, conclui.


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