por Carolina Ingizza
carol.ingizza@gmail.com
“Ela tinha o dom completo, gostaria de ter tido a chance de dizer para ela que a vida te ensina a viver, se você viver o suficiente” – Tony Bennett
Amy (Amy, 2015) é um documentário que retrata a carreira e a vida de Amy Winehouse, uma das maiores cantoras de sua geração. Sem utilizar o formato tradicional de entrevistas com quem conviveu com a artista, o filme opta porintercalar vídeos caseiros com apresentações na televisão e filmagens feitas por paparazis. Assim, de forma cronológica, o longa busca desmistificar Amy e apresentar a relação entre sua história e suas composições.
O diretor Asif Kapadia (Senna, 2010) levou mais de dois anos para reunir todo o material em vídeo e conseguir extrair informações dos leais amigos da cantora. Ao perceber a estreita relação da biografia dela com as letras das músicas, ele escolheu escrevê-las na tela. O que permite uma apreciação maior da poesia de cada composição e torna a mensagem de cada uma mais clara.
Um dos melhores pontos do filme é a descoberta de passagens biográficas que inspiraram histórias cantadas em músicas conhecidas do público. Rehab, Stronger Than Me e Back To Black são traduções poéticas de episódios e emoções vividas por ela. E o filme busca colocá-las em cena logo depois de contar o que as inspirou, o que agrada muito aos fãs.
O documentário começa com filmagens caseiras do aniversário de uma amiga, passando por viagens de carro e vídeos de show. A história é conduzida por meio do áudio sobreposto das entrevistas que Winehouse deu para rádios e de narrações feitas por colegas, namorados e outros artistas.
Não há uma tentativa de minimizar os problemas que a cantora teve. Desde o começo somos informados que Amy usava maconha e ficava bêbada com frequência. Também é mostrada a sua relação difícil com os pais, evidenciando que o divórcio deles foi uma das causas de sua rebeldia na juventude.
Mostrando a ascensão de sua carreira, o documentário deixa claro que todos que a ouviam sabiam que ela era uma artista única, descrita como pertencente a outro tempo. Segundo uma professora dela, Annabel Williams, “ela era uma força da natureza, uma presença. Apesar de ainda ser aquela menina tímida e judia do norte de Londres.”
Assim que ela começou a chamar a atenção da mídia, com o lançamento do álbum Frank, Amy dava entrevistas comentando o fato de ser uma cantora de jazz e que não desejava a fama. Em uma declaração para o jornal britânico The Observer, ela afirma que não acredita que ficaria famosa. E diz que não saberia lidar com isso.
Não poderia estar mais enganada, com o lançamento de Back To Black (2006), ela atinge fama internacional e passa a ser vigiada pelo mundo. Rehab torna-se um hit enorme e ela é agraciada com cinco Grammys. No início, ela foi amada pela imprensa. Sua irreverência e espontaneidade destoavam do que se costumava ver no mundo pop. O filme evidencia essas características mostrando, por exemplo, uma entrevista em que ela é comparada a Dido e mostra todo seu desprezo através do olhar. Em outro ponto, ela zomba do nome de um álbum de Justin Timberlake.
Ao longo da obra percebemos como a fama foi perturbadora para ela. Não sabia lidar com os paparazzis, tinha vícios e problemas de relacionamentos que pediam privacidade, mas que eram escancarados pela mídia.
Ainda que aborde suas conquistas de prêmios, as dezenas de capas de revistas e suas turnês, o filme não endeusa a cantora. Embora o filme busque justificar seus erros e achar explicações para cada questão enfrentada por Amy.
A relação dela com seu marido, Blake Fielder-Civil é problematizada. Ele é quase vilanizado, já que é responsabilizado por apresentar crack e heroína para ela, além de atrapalhar sua ida para a reabilitação. Os dois viviam um relacionamento auto-destrutivo e muito intenso, que a impedia de melhorar. Em determinado ponto, a sua relação com o marido se torna tão caótica que eles se agridem fisicamente enquanto estão drogados.
Seus pais são criticados também (dentre todas os problemas, eles confessam que ignoraram a bulemia dela durante a adolescência). A própria Winehouse afirmava que não se recuperou da separação dos pais, e que a mãe sempre fora muito leve com ela nos castigos e broncas. Vários entrevistados afirmam que uma estrutura rígida poderia ter sido a chave para que ela se recuperasse de seus vícios.
A morte dela, em 23 de julho de 2011, é retratada de uma maneira digna, sem melodramas e manipulação de sentimentos do público. Quem assiste fica triste por saber que ela tinha potencial enorme e que precisava desesperadamente de ajuda, mas o filme não exagera.
No final, seu guarda-costas, Andrew Morris, diz que ela falou dias antes de morrer que devolveria seu dom se pudesse voltar a andar na rua sem tumultos. Estava cansada da fama. E ela sempre soube que se cansaria.
Confiram o trailer: