Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

ANCINE: há duas décadas movendo o cinema nacional

A Agência Nacional do Cinema atua, com turbulências, há mais de vinte anos pelo incentivo ao cinema e ao audiovisual no Brasil
Por: Maria Luiza Negrão (marialuizacnegrao@usp.br)

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) foi criada em 2001 para fomentar, fiscalizar e regulamentar a produção cinematográfica e audiovisual nacional. Desde então, ela exerce um papel importante para o incentivo, a valorização e o desenvolvimento do cinema brasileiro. Filmes premiados como Bingo: O Rei das Manhãs (2017) e Que Horas Ela Volta? (2015), por exemplo, receberam recursos financeiros da Ancine para serem produzidos. Apesar disso, a agência passou também por ameaças e críticas ao longo de seus 23 anos de história.

A criação da Ancine e suas funções

A Agência Nacional do Cinema surgiu no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 6 de setembro de 2001. A Agência foi criada por meio da Medida Provisória (MP) de número 2.228-1 e foi posteriormente regulamentada pela Lei de número 10.454, de 13 de maio de 2002. Atualmente, a Agência é uma autarquia, isto é, uma instituição autônoma da administração pública, cujas atividades são atreladas ao Ministério da Cultura (MinC).

Anos antes do surgimento da Ancine, o papel de incentivar a indústria cinematográfica nacional era desempenhado pela Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), que esteve em atividade entre 1969 e 1990. A Embrafilme foi uma empresa de economia mista estatizada criada, ainda durante a ditadura militar brasileira, por meio do Decreto-Lei de número 862. De acordo com o artigo 2 deste decreto, a organização tinha como objetivo “a distribuição de filmes no exterior, sua promoção, realização de mostras e apresentações em festivais, visando à difusão do filme brasileiro em seus aspectos culturais artísticos e científicos, como órgão de cooperação com o INC [Instituto Nacional de Cinema], podendo exercer atividades comerciais ou industriais relacionadas com o objeto principal de sua atividade”.

Em meio à censura nos tempos da ditadura militar brasileira, a Embrafilme pôde produzir, ou co-produzir, filmes politizados como Eles Não Usam Black-tie (1981) [Imagem: Reprodução/Cinemateca Brasileira]

O fim da Embrafilme ocorreu em 1990, quando o governo Collor instituiu o Programa Nacional de Desestatização (PND), que visava reduzir a atuação do Estado na economia e dar mais espaço à iniciativa privada. Ao longo dos anos que se passaram até a criação da Ancine, o fomento à indústria cinematográfica nacional ocorreu por meio da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, mas a produtividade anual caiu muito.

Para esclarecer tópicos relativos ao modo de funcionamento da Ancine, Roberto Franco Moreira, professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da USP, foi entrevistado pela Jornalismo Júnior. O professor tem experiência na produção, direção e roteiro de filmes e séries, como nos longas Um Céu de Estrelas (1996) e Contra Todos (2004). 

Na MP 2228-1, a Ancine era prevista para ser atrelada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior — o que Roberto acredita ser o lugar ideal da autarquia: “Os ministros da Cultura não têm visão econômica, então o cinema brasileiro fica uma coisa pobrinha, pequena. As grandes cinematografias do mundo têm pujança econômica”. 

Democratização do acesso à cultura e financiamento

Para o financiamento das produções, a Ancine é a Secretaria Executiva do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) —  criado no ano de 2006 e fomentado por recursos, principalmente, da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL). 

Por meio de Chamadas Públicas, o fundo tem por objetivo o incentivo financeiro às produções audiovisuais brasileiras e binacionais de diversas linhas — filmes, séries, projetos e, até mesmo, videogames — e em diversas partes da cadeia produtiva, como a produção, comercialização e exibição dos filmes.

Sobre esses processos, Roberto não nega que a Ancine tem um papel crucial no fomento ao audiovisual brasileiro, afirmando que os editais de financiamento são benéficos ao desenvolvimento do cinema nacional. O professor, entretanto, nutre críticas ao modo de seleção. Roberto opina que o modelo de seleção por meio de pareceristas, que escolhem os filmes que receberão o apoio financeiro da Ancine, não é o ideal: “A escolha deles é muito protegida e acaba representando um gosto que é de uma classe dominante intelectual da inteligência carioca e paulista brasileira”. 

Além das produções audiovisuais, o Fundo Setorial do Audiovisual também financia projetos como o Programa Cinema Perto de Você (PCPV), instituído em 2012 pela Lei de número 12.599. A gestão do PCPV ocorria por meio de uma parceria entre a Ancine e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o programa tinha por finalidade a ampliação do acesso da população ao cinema. Por isso, visava o oferecimento de linhas de crédito para a criação de novas salas e modernização de salas já existentes, principalmente, em cidades do interior do Brasil. 

O Cinema Perto de Você abrigava, também, o Projeto Cinema da Cidade, que objetivava especificamente a implantação de salas de cinema em cidades de pequeno e médio porte que não tinham cinema algum — beneficiando a população, pelo acesso à cultura, e a economia regional, por estimular a criação de empregos e comércios adjacentes.

O Menino e o Mundo (2015), indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2016, recebeu R$404.400,00 em investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual por meio da Chamada de 2009 [Imagem: Divulgação / GKIDS / Filme de Papel]

A Ancine também busca a projeção internacional das produções brasileiras, com o apoio à ida para festivais, workshops e laboratórios estrangeiros e a  distribuição dos filmes em outros países, além dos editais para produções binacionais. 

Além de ter recebido recursos do FSA para ser produzido, o longa Bingo: O Rei das Manhãs (2017) foi escolhido pela Ancine para representar o Brasil no Prêmio Goya 2017, na Espanha [Imagem: Reprodução/Warner Bros. Pictures Brasil]

Censura, dificuldades e críticas

Em 2019, no governo de Jair Bolsonaro, foi extinto o Ministério da Cultura e, com isso, a Ancine passou a ter sua atuação vinculada ao Ministério da Cidadania. 

Além disso, o então presidente ameaçou repetidas vezes a atuação da Agência. Em 18 de julho, Bolsonaro criticou que a produção de filmes como Bruna Surfistinha (2011), que apresenta assuntos como a prostituição e drogas, receba incentivos financeiros com dinheiro público — “não podemos permitir em respeito às famílias”, afirmou. Bolsonaro disse, também, em 19 de julho do mesmo ano que se “não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine”, fala repudiada por diversas figuras da cinematografia brasileira pela potencial censura institucionalizada. No dia 25 de julho, ainda em 2019, o ex-presidente reiterou seus anseios pelo fim da Ancine em uma transmissão ao vivo, quando tornou a criticar Bruna Surfistinha: “Vamos buscar a extinção da Ancine. Não tem nada que o poder público tenha que se meter em fazer filme. Que tenha uma empresa privada, sem problema nenhum, mas o Estado vai deixar de patrocinar isso aí”.

Neste ano de 2024, o governo Lula retomou a Lei de Cotas de Tela para salas de cinema e televisão paga, que vence em 2033 e prevê uma reserva mínima para a exibição de filmes brasileiros. A medida surgiu pela primeira vez em conjunto à Ancine, em 2001 e, sob sua fiscalização, tem como finalidade o apoio às produções nacionais. O prazo da medida original acabou em 2021, mas o governo Bolsonaro não revalidou e nem criou uma medida substitutiva.

A sanção da lei de retomada das Cotas de Tela em janeiro de 2024 causou a fúria de muitos nas redes sociais: na postagem da página oficial do governo brasileiro anunciando a medida, a seção de comentários do X foi preenchida de falas que menosprezam a capacidade de público e a qualidade do cinema nacional. Apesar da sanção da medida em janeiro, ela só passou a valer no dia 19 de junho deste ano, quando foi publicada no Decreto 12.607.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima