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Antes de Marta, veio Sissi, a primeira camisa 10

Conheça a jogadora eleita segunda melhor do mundo pela FIFA, em 1999, com uma trajetória pioneira no futebol feminino

Sisleide do Amor Lima. Esse é um nome que muitos não conhecem, mas deveriam. Sisleide, ou melhor, Sissi, como é chamada, tornou-se uma figura importante na história do futebol feminino brasileiro. Com Amor no sobrenome, Sissi realmente desenvolveu uma grande paixão: o futebol. A paixão começou na infância, mas não foi bem aceita pela sua família. Apesar das adversidades fora e dentro do núcleo familiar, a jogadora se tornou uma das maiores artilheiras do mundo e abriu o caminho para tantas mulheres que sonham com o futebol. 

Os primeiros passes e pontapés 

Em 2 de junho de 1967, em Esplanada, na Bahia, nasceu Sissi. Numa época em que o futebol feminino era proibido no país, a presença de mulheres nos esportes e no futebol não era bem vista, inclusive, pela família de Sissi, que enxergava a modalidade como uma atividade estritamente masculina. 

O amor pelo futebol começou quando ela tinha apenas sete anos de idade. O pai de Sissi era um ex-zagueiro e jogava futebol aos finais de semana. Ela ia assistir aos jogos e passou a se interessar pelo esporte. Quando tentava jogar com o irmão e o pai, não podia assumir o controle da bola, ficava como “bobinho”. Essa atitude era uma forma de reprimir o desejo da garota de jogar bola, já que seus pais acreditavam ser apenas para meninos.

Isso não impediu a menina, que arrancou as cabeças de suas bonecas para usar como bola de futebol. Seus primeiros jogos começaram nas ruas de Esplanada, junto com outros garotos do bairro. Por ser uma cidade pequena, Sissi era a única menina que tinha interesse no esporte.

Aos 11 anos, Sissi pôde trocar as cabeças de bonecas, que impulsionaram os primeiros pontapés, por uma bola de verdade. Por causa do trabalho do pai, a família teve que se mudar para Campo Formoso, onde Sissi encontrou outras meninas que também jogavam futebol. Nesse ambiente, a futebolista participou de suas primeiras competições: jogos de futebol entre a Escola Polivalente, em que Sissi estudava, e outras instituições da região. 

Nesse mesmo período, uma porta se abriu em sua vida e trouxe uma oportunidade: a chance de jogar em um time organizado pela primeira vez, o Grêmio de Senhor do Bonfim. O convite surgiu após um amistoso entre o Grêmio e um time de mulheres da região de Campo Formoso, do qual Sissi fazia parte. 

Com 14 anos, Sissi foi convidada para entrar no Flamengo de Feira de Santana. A oportunidade surgiu após um jogo do Grêmio contra o time. Edmilson Amorim, presidente e fundador do clube, viu a jogadora em campo e enxergou seu potencial, mas a família de Sissi foi relutante em deixá-la se mudar para outra cidade. 

Com o apoio do pai, a jogadora foi para Feira de Santana, onde morou com dez garotas. Pela manhã, estudava e, à tarde, participava dos treinos. Ela ficou por três anos no time até receber uma oferta para jogar no Esporte Clube Bahia, em 1984, e se mudou para Salvador. No clube, Sissi atuava nos campos e também praticava futebol de salão.  

Vestindo a amarelinha: a realização de um sonho 

Foi no Bahia que ela entrou no mundo profissional do esporte e foi convocada para fazer parte da seleção brasileira em um torneio experimental organizado pela FIFA, em 1988, na China. Era a realização de um sonho que tinha desde criança: jogar pela seleção brasileira.

Caso a competição desse certo, a Copa do Mundo Feminina se tornaria realidade e Sissi poderia sonhar em vestir a camisa 10 novamente. Com a proposta, Sissi viajou de avião pela primeira vez e conheceu as outras jogadoras, que em sua maioria faziam parte do Radar, clube pioneiro de futebol feminino no Brasil.

Na posição de meia-atacante, Sissi marcou um gol de falta, que se tornou um de seus talentos, contra a Noruega. A seleção brasileira terminou a competição em terceiro lugar e trouxe a medalha de bronze para casa. Apesar do sucesso, a equipe feminina não recebeu muita estrutura para participar dos jogos. A FIFA sequer concedeu uniformes próprios às atletas e, por isso, elas usaram os uniformes restantes da seleção masculina. Como alguns uniformes não serviam, as jogadoras tiveram que costurar e fazer ajustes improvisados.

Mesmo com as dificuldades, o êxito do elenco brasileiro serviu para trazer esperança para o futebol feminino e inspirar jogadoras. Em 1991, ela retornaria à seleção para jogar na Copa do Mundo, mas uma lesão durante os treinamentos arruinou seus planos.

Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco 

Após o mundial, Sissi recebeu um convite para jogar no Corinthians, onde praticou o futebol de salão. Ainda que o futebol de campo fosse sua grande paixão, o futsal tinha mais estrutura e os salários eram melhores, o que fez com que a jogadora optasse pela modalidade nos clubes pelos quais passou, como a Bordon, Marvel, Associação Sabesp dos Santos e Euroexporte. Por causa dos salários baixos, ela também trabalhou com vendas de peças de carros para conseguir se sustentar. 

O auge da carreira da Imperatriz foi em 1997, quando a Federação Paulista de Futebol organizou o Campeonato Paulista feminino, também conhecido como Paulistana, após observar o sucesso e ascensão da seleção feminina nas Olimpíadas em 1996. Como Sissi fez parte do elenco, ela foi convocada para jogar no São Paulo e conquistou o título no campeonato e no Brasileiro. O futebol masculino não ia tão bem e, vendo o sucesso e a habilidade de Sissi, os torcedores passaram a acompanhá-la. O público do tricolor chegou a gritar “Ei, Muricy, coloca a Sissi!”, pedindo ao ex-técnico do São Paulo que colocasse a jogadora no time masculino.

Mesmo sendo uma das maiores jogadoras brasileiras, Sissi não era reconhecida na mídia e sofria ataques. A jogadora decidiu raspar a cabeça em homenagem a uma criança que tinha câncer e estava sofrendo bullying. Em 2001, o Campeonato Paulista proibiu a participação de mulheres de cabelo raspado ao definir o padrão de beleza como critério para selecionar as jogadoras. Com isso, Sissi não pôde participar.

Durante sua atuação no São Paulo, Sissi participou de grandes competições mundiais como a Copa do Mundo em 1995, que foi sua primeira, e as Olimpíadas de 1996, em Atlanta. No final da década de 90, Sissi começou a jogar no Palmeiras e depois foi para o Vasco, nos anos 2000. Nessa época, Marta estava nas equipes de base, no sub-17, e Sissi já enxergava o seu potencial, mas infelizmente o encontro entre a Rainha e a Imperatriz nos campos nunca aconteceu. 

O brilho da camisa 10 

Após mostrar seu talento ao mundo em 1988, Sissi embarcou novamente em águas internacionais em 1994 a caminho da Itália para jogar no Hellas Verona Football Club, mas a estadia não foi longa, durou apenas um mês. O motivo foi a convocação para participar do Campeonato Sul-Americano em 1995, em Minas Gerais. O clube italiano avisou Sissi que ela deveria escolher entre ficar na Itália ou voltar para o Brasil. Se jogasse na seleção, era melhor continuar no Brasil.

Jogadoras da seleção em campo no Campeonato Sul-Americano em 1995. Foto: [Museu do Futebol/Coleção Elane dos Santos]

E foi isso que aconteceu. Sissi partiu para o Brasil, sem dar continuidade em sua carreira na Itália. A escolha foi certeira: a seleção fez uma campanha invicta ao vencer todos os cinco jogos dos quais participou. A jogadora sagrou seu nome no exterior como uma grande artilheira após acumular 12 gols na competição. O Brasil conquistou o título com a vitória sobre a Argentina por 2 a 0 na final. Mas a carreira de Sissi não foi composta apenas de momentos vitoriosos. Naquele mesmo ano, a seleção brasileira feminina foi qualificada para a segunda Copa do Mundo, após o êxito no Sul-Americano. No Mundial, a trajetória das atletas foi complicada, o elenco foi eliminado na primeira fase e terminou em nono lugar. 

Em 1996, a seleção foi para as Olimpíadas, mas não estava entre as favoritas. Mesmo assim, quase chegaram lá, classificadas até a semifinal, quando perderam para Noruega. O desempenho garantiu o quarto lugar. Em 1998, Sissi jogou seu segundo Campeonato Sul-Americano, crucial para determinar se a seleção estaria ou não na Copa do Mundo em 1999. O Brasil encontrou novamente a Argentina na final e fez um jogo ainda mais bonito: a partida encerrou em 7 a 1 para a seleção brasileira. 

Sissi se tornou bicampeã sul-americana e foi convocada para a Copa do Mundo em 1999. A seleção teve uma trajetória bem diferente daquela vista em 1995. No entanto, próximo do Mundial, por um azar do destino, a craque fraturou seu rosto e precisaria fazer uma cirurgia, o que a impediria de vestir a camisa 10 da seleção. 

Sissi estava ciente dos riscos, mas optou por não realizar a operação e foi ao Mundial. Mesmo sem estar no seu melhor condicionamento físico, ela marcou sete gols e foi eleita a melhor jogadora da competição, terminando como artilheira ao lado da chinesa Sun Wen, com o prêmio Chuteira de Ouro. A Imperatriz também realizou um dos maiores gols de sua carreira, um gol de falta contra a Nigéria nas quartas de final, que fez o Brasil vencer a partida e se classificar para a semifinal. Os Estados Unidos venceram a partida da semifinal por 2 a 0 e as jogadoras brasileiras terminaram em terceiro lugar.

Seleção Brasileira com medalha de bronze, celebrando o terceiro lugar na Copa do Mundo, em 1999. Foto: [Museu do Futebol/Acervo Rosilane Motta]

A atuação de Sissi em campo foi majestosa e contribuiu para alavancar sua carreira. Em 2019, o gol de falta contra a Nigéria estava entre os classificados pela FIFA para eleger o maior gol já feito na história do futebol. Depois de exibir seu talento e vestir a camisa da seleção com tanto orgulho, Sissi se despediu da Amarelinha nas Olimpíadas dos anos 2000, em Sydney. 

A Imperatriz conquista terras estrangeiras 

A atleta se mudou para os Estados Unidos para participar da Women’s United  Soccer Association (WUSA), uma liga profissional de futebol feminino, pela equipe San Jose CyberRays. Ela atuou no time por três anos e venceu o campeonato duas vezes, em 2001 e 2003, mas a falta de patrocínio e suporte, problemas recorrentes no futebol feminino, impediu a realização de mais ligas. Então foi convidada para jogar pelo California Storm na liga semi profissional Women’s Premier Soccer League, que venceu em 2004. Depois foi para o Gold Pride e, em 2009, aposentou-se dos campos como jogadora.

Sissi se manteve próxima do esporte atuando como treinadora de equipes de base nos Estados Unidos. Sua trajetória na área começou quando ainda estava no California Storm, ao receber um convite para ser assistente técnica do sub-16 no Diablo Valley Soccer Club. Ela também trabalhou na mesma posição no time Las Positas Juniors College por dez anos.

Em 2017, Sissi entrou no ranking de melhores jogadoras do século 20 da Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS) em que ocupou  a quinta posição. A jogadora também foi homenageada no Hall Internacional da Fama do Museu do Futebol de Pachuca, no México. No Brasil, ela está presente no Museu do Futebol, na Sala Anjos Barrocos.

Sissi foi homenageada no Salão da Fama do Futebol em Pachuca, em 2019. Foto: [Reprodução/Instagram/@vitrineff10anos]

* Imagem de capa: Museu do Futebol/Coleção Romeu Castro

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