Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Brasil não investe em contracepção e falha miseravelmente

Baixa oferta de contraceptivos a longo prazo tem efeitos negativos na saúde brasileira.   Por Letícia Camargo (camargoleticia@usp.br) “Tomo anticoncepcional há mais de três anos. Meu primeiro e maior medo é engravidar, não quero ser mãe. O segundo é a trombose, tenho muito medo de desenvolver essa doença.” É o que conta Nathália Ohana que, …

Brasil não investe em contracepção e falha miseravelmente Leia mais »

Baixa oferta de contraceptivos a longo prazo tem efeitos negativos na saúde brasileira.

 

Por Letícia Camargo (camargoleticia@usp.br)

“Tomo anticoncepcional há mais de três anos. Meu primeiro e maior medo é engravidar, não quero ser mãe. O segundo é a trombose, tenho muito medo de desenvolver essa doença.” É o que conta Nathália Ohana que, em 2017, decidiu que queria colocar o DIU (dispositivo intrauterino).

No início deste ano, 2018, ela procurou a Unidade de Atendimento Integrado à Saúde de Uberlândia-MG para marcar uma consulta com uma ginecologista. Tanto essa consulta como as outras sempre demoravam mais de um mês para dar certo. “Passei por três consultas com uma ginecologista que não realizava a inserção do DIU, mas fez todo o processo de orientação e me pediu os exames necessários.”

Depois da ginecologista analisar todos os exames, Nathália foi encaminhada para outra médica que apenas iria inserir o DIU. “Foi então que a decepção começou: quando fui marcar o procedimento, secretárias me informaram que a outra ginecologista não colocaria o DIU se eu não me consultasse com ela, apenas uma consulta. Mesmo alegando que eu já havia sido orientada e já estava com todos os exames prontos, não adiantou.”

Depois de quase dois meses de espera, a paciente foi atendida, porém  a médica disse não poder inserir o DIU por estar deixando a Unidade. “Passei por todo esse processo longo e estressante para no fim receber um “não” sem grandes fundamentos. Não existir comunicação entre duas médicas que trabalham praticamente na mesma sala foi o que mais me decepcionou.”

Vencida pelo cansaço, Nathália desistiu de inserir o DIU. “O SUS (Sistema Único de Saúde) tem grandes falhas, e essa ausência de comunicação entre as médicas dificultou muito mais para mim.”

Assim como Nathália Ohana, de Uberlândia-MG, a maioria das mulheres que buscam por métodos de contracepção de longa duração reversível, os Larcs, encontram dificuldades e obstáculos que as fazem desistir logo no início. Esses métodos começaram a ganhar notoriedade entre o público feminino pela não-liberação de hormônios, inibindo efeitos colaterais desagradáveis e por não dependerem da “memória”, ou seja, agirem sozinhos. Porém, embora haja grande demanda e inúmeros benefícios, o problema está em consegui-los e encontrar quem os implante.

Afinal, o que são Larcs?

Os Larcs (long-acting reversible contraception) são métodos contraceptivos com longa duração que podem ser revertidos, podem ser interrompidos a qualquer momento para que a mulher retome sua fertilidade. São escolhidos principalmente pela sua praticidade e eficácia, não dependem da intervenção diária da mulher e estão livres de possíveis falhas humanas, como esquecer de tomá-los, já que ficam alocados dentro do organismo.

Os métodos a longo prazo disponíveis hoje são DIU de cobre, DIU hormonal e implante subcutâneo. O método de longo prazo mais procurado e mais utilizado entre as mulheres é o DIU, um dispositivo intrauterino feito de plástico em forma de “T” que é alocado no útero da mulher, podendo ser hormonal ou não. O DIU hormonal libera pequenas quantidades de levonorgestrel diariamente no organismo e assim previne a gravidez, a longo prazo.

Fonte: Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia)

Já o DIU de cobre é um “T” de plástico revestido em cobre ou cobre e prata. A composição dessas substâncias é tóxica para espermatozóides, o que garante que a fecundação não seja possível. Em ambos os DIU há é um leve processo inflamatório sem danos ao organismo que tornam a região hostil e reduzem as chances de gravidez para aproximadamente 0,7%. Muito inferior aos 9% do anticoncepcional, passível de erro apenas se houver deslocamentos do dispositivo no útero. Quando utilizados corretamente, os DIU podem ter duração de 5 à 10 anos.

O implante subcutâneo, conhecido também como “chip da beleza”, pelos benefícios que traz à pele, consiste em um pequeno bastão com cerca de 4 cm que é implantado na parte interna do braço não dominante da mulher. Mais especificamente no tecido abaixo da pele, chamado subcutâneo. Ele libera pequenas quantidades do hormônio etonogestrel gradualmente durante 3 anos de vida, semelhante ao DIU hormonal, para inibir a ovulação. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) este é o método mais eficaz de todos, incluindo a laqueadura – cirurgia para ligadura das trompas, com 0,08% de chance de gravidez.

Fonte: Mind Meister

Segundo o Dr. Silvio Franceschini, ginecologista e obstetra na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o implante subcutâneo também é o mais procurado entre as adolescentes, enquanto as mulheres com mais idade preferem os DIUs, tanto de cobre como hormonal.

Ao contrário do que se pensa, os métodos contraceptivos de longa duração não causam efeitos colaterais ou desenvolvimento de doenças a longo prazo, como câncer. Justamente por esse motivo, têm sido procurados pelas mulheres que não querem tomar anticoncepcionais devido ao desenvolvimento de trombose, e também são indicados para àquelas que não podem utilizar hormônios por problemas de saúde, como afirma o Dr. Silvio Franceschini.

Além disso, podem ser facilmente aplicados no próprio consultório do ginecologista sem a necessidade de anestesias, o procedimento costuma durar em média de 15 a 30 minutos. A aplicação é indolor durante e após o procedimento, podendo causar apenas cólicas menstruais.

Entretanto, segundo o Ministério da Saúde apenas 1,9% das mulheres fazem uso do DIU ou implante no Brasil. A impopularidade dos métodos contraceptivos de longa duração se dá principalmente por apenas um deles, o DIU de cobre, ser oferecido pelo SUS. O dispositivo intrauterino hormonal e o implante subcutâneo não estão entre os métodos oferecidos pela rede pública de saúde, apenas em consultórios particulares. O preço dos dispositivos, somados ao procedimento realizado por um ginecologista, podem chegar a R$ 2 mil, de acordo com matéria da revista Época. Por isso, muitas mulheres que desejam utilizar os métodos não conseguem bancar esses custos e acabam recorrendo a métodos mais baratos e de curto prazo. Como as pílulas anticoncepcionais, não tão eficazes e com os maiores riscos de falhas: 9% de chance de gravidez indesejada.

Quando o assunto são Larcs, difícil é consegui-los

Apesar de serem notórios os inúmeros benefícios de métodos contraceptivos de longa duração, difícil é ter acesso a eles.Porém, além da barreira do DIU de cobre ser o único oferecido pelo SUS, ainda são estabelecidas uma série de restrições para que mulheres possam consegui-los.

A maior das barreiras é estabelecida pelos próprios ginecologistas, que são relutantes em receitar métodos de longa duração para mulheres uníparas, ou seja, aquelas que ainda não tiveram filhos. Esse também é um dos maiores mitos que rodeiam o tema, uma vez que não há contraindicação para utilização desses métodos e somente a mulher pode decidir por seu uso ou não, afinal, mesmo métodos de longa duração podem ser revertidos e possíveis de retomar a fertilidade.

Adolescentes e mulheres sem filhos que buscam os procedimentos são geralmente frustradas por receberem resposta negativa e serem induzidas a métodos de curto prazo. Muitos ginecologistas possuem parceria com a indústria farmacêutica, por isso fornecem pílulas anticoncepcionais às suas pacientes. Essa indústria é mais lucrativa com métodos longos, pois a cada mês as pacientes precisam retornar ao ginecologista para obter mais uma cartela.

Thaís Angeloni, de Botucatu-SP, decidiu colocar o DIU lendo relatos no grupo do Facebook “DIU de cobre”. Porém, ao pedir informação de locais que fizessem a inserção do dispositivo, se deparou com enfermeiras da Unidade Básica de Saúde (UBS) tentando induzi-la às pílulas anticoncepcionais. “Eu perguntei para a enfermeira da UBS onde poderia fazer a inserção e ela achou muito louca a minha vontade de colocar DIU. Tentou me induzir à pílula, injeção, embora eu tivesse explicado que não queria métodos hormonais por causa de seus efeitos colaterais.”

Além das restrições estabelecidas, os profissionais habilitados para os procedimentos na saúde pública são escassos e muitas vezes incapacitados. Algumas mulheres até conseguem ter acesso à aplicação dos contraceptivos, mas depois de alguns meses se deparam com complicações e precisam retirá-los. Laiane Ferreira, de São Bernardo do Campo-SP, colocou DIU de cobre logo após seu parto pelo SUS. Porém, alguns meses depois, foi ao seu ginecologista e ele verificou que o DIU havia saído do lugar: “Realizei uma ultrassom e realmente meu DIU estava fora do lugar. Tentei colocar novamente pelo SUS, porém a consulta demorou muito e decidi colocar pelo convênio.” Ela conta que o SUS fez o procedimento errado e demoraria para conseguir novamente. “Meu DIU estava tão fora do lugar que meu ginecologista conseguiu tirar apenas com as mãos, sem auxílio de nenhum instrumento”.

Quanto os Larcs custam ao governo brasileiro

A política pública brasileira foca no investimento de métodos contraceptivos de curta duração, que claramente não é o caminho mais viável. O método aparentemente mais barato, as pílulas anticoncepcionais, pode sair mais caro do que o esperado. Apesar de uma cartela de anticoncepcionais ser mais barata do que a aplicação de um DIU ou implante subcutâneo, os benefícios a longo prazo superam os custos.

A pílula anticoncepcional tem eficácia de 91%, isso porque depende que as usuárias se lembrem de tomá-las, o que reduz bastante o seu efeito. Já os DIU e implantes subcutâneos possuem cerca de 99,3% de eficácia. Ou seja, os gastos são abatidos pela eficácia dos métodos, que conseguem prevenir com muito mais eficiência a gravidez não desejada, a qual gera custo de R$ 2.293 ao país a cada gestação, de acordo com Carolina Sales Vieira, médica pela USP.

Mortes de mães e crianças em abortos clandestinos, abandono escolar quando mãe adolescente, empobrecimento de famílias e outras consequências sociais graves que perpetuam a pobreza, o número de crianças abandonadas e a mortalidade infantil. Há muito envolvido em uma falha anticoncepcional, não somente para o governo, mas principalmente para a mulher.

Como afirma o Dr. Silvio Franceschini, o governo britânico já mostrou desde 2005 que a utilização de Larcs tem melhor custo benefício do que qualquer método de curta duração. Por isso, desde então ele incentiva o uso dos mesmos, com bons resultados. Enquanto no Brasil a taxa de gravidez não planejada é de 55%, na Inglaterra é de 16%.

O governo brasileiro carece de uma visão a longo prazo de acordo com Dr. Franceschini. Apenas disponibilizar o DIU de cobre ainda não é suficiente, visto que cada mulher tem um perfil diferente para contracepção, nem todas se adaptam com o uso de um mesmo método. A disponibilização de outros Larcs aumentaria a procura, quanto maior for o incentivo, melhores serão os resultados a longo prazo.

A religiosidade por trás dos métodos contraceptivos

Uma das razões para que métodos contraceptivos de longa duração ainda não sejam tão conhecidos e utilizados pelas mulheres no Brasil envolve a forte religiosidade por parte de clínicas e ginecologistas, que impedem mulheres de decidirem não serem mães.

O pensamento de que mulheres precisam passar por pelo menos uma gestação para enfim decidir não querer mais engravidar é movido por questões religiosas ainda hoje. Mulheres que buscam por métodos duradouros visando maior prevenção contra gravidez indesejada são forçadas a continuar com pílulas anticoncepcionais por decisão de ginecologistas e não por vontade própria. Pensando apenas nos motivos religiosos, muitas clínicas se recusam em realizar os procedimentos, como por exemplo a laqueadura, e não permitem que a mulher decida por não querer gerar um filho.

Fernanda Oliveira, de São Paulo, conta que até conseguir interromper as pílulas e passar a utilizar o diafragma, – um pequeno copo inserido na vagina momentos antes do ato sexual – enfrentou dificuldades para encontrar ginecologistas que fizessem a medição. Disse ainda que, ao entrar no grupo do Facebook “Diafragma”, leu relatos de muitas meninas e afirmou ser visível o quanto tentam empurrar pílulas nos consultórios: “é remar contra a maré escolher outros métodos contraceptivos.” Nesse contexto, o Dr. Silvio Franceschini insiste que os mitos sobre o DIU precisam ser desfeitos, como a restrição para mulheres uníparas e as falsas acusações sobre serem abortivos ou cancerígenos, o que muitos trabalhos já provaram não ser procedentes.

Taxas de gravidez indesejada aumentam

Embora as pílulas anticoncepcionais tenham surgido com o intuito de auxiliar a mulher, ainda não conseguiram efetivar o maior desejo de todas nós: escolher o momento ideal para a gravidez. O método mais utilizado infelizmente não é o mais eficiente para garantir que as mulheres não engravidem.

Em decorrência disso, hoje se presencia um dos maiores números de gestações indesejadas no Brasil. Cerca de 55% das brasileiras que tiveram filhos não haviam planejado a gravidez, de acordo com uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, que ouviu 24 mil mulheres entre 2011 e 2012.

O Brasil está passando por uma alarmante crise de gravidez na adolescência, que já superou a média dos países da América do Sul. Em um grupo de mil meninas com idade entre 15 e 19 anos, 68 engravidam no Brasil, segundo um relatório conjunto lançado este ano pela Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Isso se deve aos métodos contraceptivos falhos que são oferecidos pela rede pública de saúde. A pílula anticoncepcional, como dito anteriormente, depende que a mulher se lembre periodicamente de tomá-la todos os dias em horários sincronizados. Além da pílula, ainda se pode contar com a camisinha, que infelizmente também depende integralmente de que os usuários façam uso correto.

O Dr. Silvio Franceschini afirma que para além das mulheres em geral, o grupo de adolescentes seria um dos que mais se beneficiariam do uso dos Larcs, por sua eficiência na prevenção da gravidez indesejada. Todos os anos mais de 500 mil abortos são realizados por mulheres como resultado de gestações indesejadas, além de consequências como abandono escolar, falta de qualificação profissional e falta de perspectivas futuras, como afirma o doutor.

Os Larcs já são utilizados como meio de prevenir a gravidez indesejada em outros países e mostraram resultados muito positivos. No Reino Unido, cerca de 31% das mulheres fazem uso de contraceptivos de longa duração, em consequência, a taxa de gravidez indesejada é de 16%, de acordo com reportagem da BBC Brasil. Por este motivo, a saúde pública deve buscar ampliar métodos de longa duração que visem a longo prazo a saúde e a qualidade de vida da mulher.

A importância da educação sexual e contraceptiva

Nas escolas brasileiras, a educação sexual e contraceptiva é inexistente, isso se deve ao intenso conservadorismo relacionado à religião que o Brasil enfrenta ainda hoje. Assim, torna-se incabível falar sobre sexualidade, métodos contraceptivos, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e outros assuntos que se conhecidos, poderiam contribuir muito para a conscientização da população como um todo. Um estudo feito pela Federação Internacional de Planejamento Familiar mostrou que, comparado com outros países da América Latina, o Brasil fica muito atrás com a introdução do tema no currículo educacional.

Uma das causas apontadas pela alta taxa de gravidez indesejada no Brasil é o baixo nível de conhecimento da população sobre sexo e métodos de contracepção. O Dr. Silvio Franceschini garante que a educação nas escolas é primordial: “Precisamos acabar com esse preconceito religioso de que a escola não pode ser local onde se aprende sobre sexo. O trabalho na Inglaterra começou primeiro nas escolas.”

Embora necessária, a educação sexual nas escolas ainda é mal vista também pelos pais, que justificam não ser adequado por incentivar a atividade sexual precoce. Entretanto, quando os pais não conseguem tratar do assunto com seus filhos, o que se vê é a desinformação entre adolescentes, que mais tarde trará complicações à toda família. Aliado a disponibilização de métodos contraceptivos de longa duração, o conhecimento sobre os métodos e a informação devem ser disseminados e ensinados. A educação sexual, além do que se pensa, não tem apenas haver com o funcionamento biológico do corpo, mas com questões como cidadania, saúde e qualidade de vida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima