Felipe Maia
Partindo de um nome nem tão conhecido para um assunto freqüentemente retomado em discussões sobre a historia (vide a última, a tal da ditabranda), é assim Cidadão Boilesen. O documentário brasileiro, fruto de anos de investigação, traz o registro dos anos de chumbo, marcado por conchavos entre militares e empresariais — dentre eles, o dinamarquês Henning Albert Boilesen, chefe de uma importante empresa de gás — e pela luta armada entre direita e esquerda — da qual foi vítima o empresário.
Ao por o dedo na ferida, pois falar de ditadura no Brasil ainda o é, o diretor Chaim Litewski incomoda com muita propriedade. Litewski e seu staff de pesquisa não deram ponto sem nó, analisando documentos da infância de Boilesen e entrevistando nomes proeminentes dos anos 60, de guerrilheiros a militares. Uns justificam a luta armada e os atos terroristas; outros, os métodos e atitudes tão ou mais terroristas, embora avalizadas pelo Estado. O que fica evidente, para ambos os lados, é que o Brasil do “Ame-o ou Deixe-o” não se sustentaria pelas próprias pernas fardadas. A muleta financeira vinha de industriais, que viam na enorme e rota esquerda o caos na Terra.
Nessa elite empresarial, o emigrante que fez a vida no Brasil, Henning Boilesen. Figura tarimbada nos eventos da high-society paulistana, Boilesen carrega a história de um dos poucos estrangeiros a ser bem sucedido em terras tupiniquins: entre pobreza e um tino para os negócios, fez a vida. São Paulo foi a cidade escolhida para viver — inclusive há nela uma rua com seu nome — e também na Paulicéia Boilesen causava certo frisson: de misses a guerrilheiros. Aquelas, pelo seu porte físico de ex-pugilista; estes, pelo seu suposto prazer em acompanhar sessões de tortura.
Os fatos são inegáveis, mesmo que suavizados por ótimos videografismo e trilha, mas ainda restam algumas certezas e muitas perguntas. Resultado de um documentário em que a palavra de todos vale o quanto você quiser que valha, tamanho o entulho que ainda cobre esse período da nossa história.