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Como mudar a Solidão da América Latina na Indústria Jornalística: Livro lançado em agosto traz propostas e debate inédito

No dia 31, Alexandre Barbosa lançou seu livro “por uma teoria latino-americana e decolonial do jornalismo”, e, ao lado de especialistas, promoveu debate sobre o assunto

“O bem-estar de nossas classes dominantes – dominantes para dentro, dominados para fora – é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga”

Eduardo Galeano, Veias abertas da América Latina

Na última quinta-feira, dia 31 de agosto, aconteceu o lançamento do livro Por uma teoria latino-americana e decolonial do Jornalismo – Propostas para a América Latina não ser solitária na indústria jornalística do escritor, pesquisador e professor Alexandre Barbosa no Auditório do CRP.

Autor e sua obra

Alexandre é professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Comunicação e Cultura, também do instituto. O livro, publicado pela Editora Frutificando, trata sobre as relações de colonialidade da mídia hegemônica para com o jornalismo latino americano e busca propor alternativas decoloniais para a produção e divulgação de notícias. 

Fruto dos estudos do pesquisador no seu mestrado e doutorado na USP e pós-doutorado na UNESP, a obra tem como proposta, de acordo com a descrição encontrada no site da Editora, “atualizar os estudos sobre os critérios de noticiabilidade, um dos pontos centrais da Teoria do Jornalismo, a partir do olhar latino-americano e da análise decolonial”.

O livro lançado pela Editora Frutificando esteve disponível para compra no dia do evento. [Imagem: Reprodução/ Jornalismo Júnior]

O debate

A Jornalismo Júnior, em parceria com o escritor, organizou o evento para debater a  temática abordada no livro com a presença de Karla Burgoa, Aldrey Olegario e Claudia Alexandre na mesa. Karla é uma jornalista andina e potiguar, produtora do podcast “Quipus” e correspondente Brasil-Bolívia, cujo trabalho é focado em imigrações andinas e na cobertura midiática da América Latina. Já Aldrey, estudante de jornalismo, foi a ilustradora responsável pela  capa da obra e participa do projeto “Foca nas Mídias” da ECA-USP, enquanto Claudia é jornalista, radialista, pesquisadora de tradições e cultura afro-brasileira e uma das fundadoras da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo (Cojira).

Da esquerda para a direita: Karla Burgoa, Alexandre Barbosa, Claudia Alexandre e Aldrey Olegario. [Imagem: Reprodução/ Jornalismo Júnior]

A ilustradora iniciou o debate discorrendo sobre a construção da capa. Segundo ela, as mãos que seguram ferramentas de trabalho jornalísticas têm tons de pele variados para representar a diversidade racial tida como necessária no jornalismo decolonial. Ela também destaca a América do Sul, já que o continente representa a maioria dos países latinos americanos, e a bússola, que corresponde a um equipamento metafórico da teoria abordada: o jornalismo decolonial deve ser o Norte das produções latino-americanas.

Decolonialidade

Os países latino-americanos, colonizados pelos povos ibéricos durante o século XVI, carregam um histórico marcado por explorações  como  ocupação das terras indígenas, opressão das minorias e regime escravocrata. Entre meados do século XIX e XX, as Américas Central e do Sul  enfrentaram processo semelhante chamado neocolonialismo, em que nações do hemisfério norte impuseram, novamente, sua cultura e instituíram um mercado exploratório tal qual no colonialismo.

Tendo isso em vista, o conceito de decolonialidade consiste em retratar povos historicamente oprimidos a partir de seu próprio ponto de vista, representando uma forma de resistência contra as imposições dos países dominantes. Para Alexandre, as nações latino-americanas são aquelas que passaram pelo colonialismo e refletem as feridas deixadas por ele, a exemplo do uso da violência como mecanismo de resolução de conflitos, machismo, clientelismo e racismo, além da dominação e subalternidade perante os países europeus e os Estados Unidos. 

O passado colonial também trouxe impactos no posicionamento dessas nações no mundo capitalista, dado que, hoje, possuem baixo grau de industrialização e exportam mão de obra, commodities e produtos de baixo valor agregado enquanto importam manufaturados. Dessa forma, mesmo que sua independência territorial tenha sido conquistada, sua subordinação econômica continua latente. 

Por uma teoria latino-americana e decolonial do Jornalismo – Propostas para a América Latina não ser solitária na indústria jornalística é um guia para estudar os meios de comunicação da América Latina, termo que é questionado pelo autor. Segundo ele, o vocábulo não representa o conjunto de características que são comuns a todos os países que a compõem pois se trata de um posicionamento histórico, e não só um grupo de nações que compartilham da mesma língua falada e fronteiras. 

Outro conceito abordado é o de valor-notícia no jornalismo decolonial. De acordo com o livro Iniciação aos estudos de jornalismo, do professor Dennis de Oliveira, eles são “os critérios utilizados comumente no jornalismo para definir qual fato será notícia ou não” e “ referências construídas a partir da experiência acumulada na prática jornalística e sistematizada por alguns estudiosos” (p. 69). Tanto Dennis quanto Alexandre utilizaram, como referência acadêmica, o autor português Nelson Traquina, que baseou sua linha de raciocínio nos valores notícia de seleção e de construção.

“Valores notícia de seleção = referentes a escolha dos assuntos que serão pauta e valores notícia de construção = referentes às informações que serão privilegiadas na construção da notícia (produção do texto)”

Iniciação aos estudos do jornalismo, Dennis de Oliveira

Para Alexandre, é necessário adotar novos valores-notícia na cobertura jornalística da América Latina que não perpetuem o preconceito e subalternidade hoje presentes na indústria. Propôs, então, três alternativas para a construção de um trabalho decolonial. O primeiro é retratar a América Latina como interseccional em sua história de colonização, já que esse grupo é constituído por países com sofrimentos similares.

Já o segundo valor notícia consiste em não apagar ou criminalizar as fontes da América Latina e rever as fontes que serão ouvidas, dado que o jornalismo é criador e perpetuador de preconceitos e cria uma visão, em sua maioria errônea, desses países para o resto do mundo. Por fim, o terceiro valor notícia consiste em ter como referência a cultura popular da América Latina, valorizando-a e utilizando dela para escolha de temas para pauta, procura de fontes e escolha do vocabulário.

Karla Burgoa contribuiu com a sua visão de trabalho acerca das imigrações andinas e latino-americanas. Se referindo aos estereótipos criados pela mídia hegemônica, explicou que mudou para a cidade de Natal (RN) aos sete anos, após migrar da Bolívia, e que todas as visões de uma população que não tem contato com a cultura de outros países são construídas a partir desta mídia, que focaliza na marginalização dos povos e no tráfico de drogas. A jornalista ressaltou que as nações não se restringem a isso e, como qualquer outra, têm cultura popular, comércio, gastronomia e conhecimento. “Há uma urgência em desconstruir os padrões eurocêntricos, trazidos até mesmo pelos livros que lemos”, afirma. 

Burgoa também apontou para as diferentes construções sociais  que as migrações possuem. No Brasil, por exemplo, a migração andina não é vista como as europeias sendo que os primeiros são alvo de xenofobia, enquanto imigrantes da Europa são admirados por sua ocupação de território. Esta narrativa presente no imaginário brasileiro é, de acordo com ela, colonial e preconceituosa.“O jornalismo decolonial é uma ferramenta para questionar as narrativas presentes”.

Claudia Alexandre, jornalista formada nos anos 1980 e única mulher negra em sua turma de graduação, relatou que tinha muita dificuldade de se ver no mercado de trabalho da época, tanto entre seus pares quanto seus sucessores, e que uma imagem de semelhança e inspiração era Glória Maria, da TV Globo. “Mesmo assim, não acreditava que conseguiria chegar até lá”, diz ela. 

A pesquisadora destacou que o livro traz soluções e questionou as respostas que a sociedade tem dado aos preconceitos e às violências. “Não dá para falar de decolonialidade sem falar de racismo e machismo”, reafirma o dito por Alexandre, acrescentando que seu trabalho é voltado à luta e resistência e que é preciso estar atento e ter vontade de transformar a realidade.

“A mídia retroalimenta a sociedade racista”, Claudia Alexandre.

[Imagem: Reprodução/ Jornalismo Júnior]

Com a visão de que os discursos de ódio ampliam as desigualdades e, consequentemente, geram violência no Brasil, Claudia fundou, em 2001, junto a colegas de profissão, a Cojira SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo). Com o objetivo inicial de ser uma instituição de combate ao racismo no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (SJSP), atualmente a comissão promove cursos e palestras sobre a questão racial e o jornalismo, além de debater o problema do racismo estrutural “no mercado de trabalho e na produção cotidiana dos jornalistas”, como definido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Entre seus projetos, a Cojira já realizou a digitalização dos jornais da Imprensa Negra e seminários de equidade racial nas empresas jornalísticas. [Imagem: Reprodução/ Fenaj]

A pesquisadora salientou, por fim, que a imprensa sempre esteve no alvo da luta e resistência do povo preto no Brasil, que ressignificou e teve voz através dela, transformando-a em ferramenta de resistência. O jornal carioca “O mulato” , por exemplo, foi criado antes da abolição da escravatura, o que, de acordo com Claudia, ”mostra que os pretos já estavam ativos na mídia e sempre estiveram lá”.

Sobre a diversidade midiática, ela direciona o olhar para quem cuida das pautas quando surgem e quais narrativas são construídas a partir delas, usando como exemplo a demonização das religiões de matriz africana pela mídia hegemônica. “Falta um mediador conhecedor e compreensão do papel da religião na sociedade”. 

Quando chegou a sessão de perguntas ao escritor e às convidadas, eles foram indagados sobre a escassez de correspondentes internacionais na América Latina quando comparada aos “lugares relevantes geopoliticamente”. A resposta foi unânime: a quantidade maior de correspondentes na Europa e nos EUA é fruto de heranças coloniais que os estabeleceram como líderes na geopolítica mundial, enquanto há uma falta de interesse das empresas jornalísticas em relação a uma cobertura fidedigna e diversa da América Latina. A crise no modelo de negócio do jornalismo, que impede o custeamento de uma grande quantidade de correspondentes internacionais e prefere situá-los em localidades europeias e estadunidenses, também foi abordado.
Para adquirir o livro Por uma teoria latino-americana e decolonial do Jornalismo – Propostas para a América Latina não ser solitária na indústria jornalística, basta acessar o site da Editora Frutificando: https://www.editorafrutificando.com.br/por-uma-teoria-latino-americana-e-decolonial-do-jornalismo.

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