Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Comunicação, clima e saúde: união é essencial

O primeiro webinar ‘SustenCOM’ discutiu as reflexões sobre as políticas integradas entre a emergência climática e sanitária
Por Mariana Pontes [mariana.kpontes@usp.br

O primeiro Webinar SustenCOM, com o tema Comunicação, Clima e Saúde, ocorreu no dia  4 de junho, através de uma transmissão no YouTube. O seminário teve como  objetivo discutir sobre as políticas integradas, prevenção e soluções regenerativas ligadas ao tema.

O Observatório de Comunicação, Responsabilidade Social e Sustentabilidade (SustenCOM) da Escola de Comunicações e Artes da USP, em parceria com o Centro de Pesquisa em Comunicação e Relações Públicas (CECORP), visa edificar o papel da comunicação na promoção da sustentabilidade.

O webinar foi promovido pelo SustenCOM, em parceria com o CECORP, o Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da ECA-USP (CRP), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) Combate à Fome e a Rede de Saúde Planetária do Instituto de Estudos Avançados da USP. O evento  abordou diversos pontos de vista sobre as políticas e práticas de clima e saúde no Brasil, com foco na importância da comunicação e educação em tempos de emergência climática e do bem-estar na cidade de São Paulo.

O debate foi conduzido por Eraldo Carneiro, mestrando da ECA-USP e pesquisador do SustenCOM. Margarida Conche, pesquisadora e coordenadora do SustenCOM, iniciou sua fala ao expressar a alegria de participar do debate e destacou que,   naquele momento, seu papel era de agradecimento [aos debatedores, participantes, e toda equipe que participou da coordenação]. Ela acrescentou ainda que esse cenário não pode permanecer somente em debates, mas deve ultrapassar a barreira para iniciativas que envolvem atores sociais. 

“Falava-se muito de possíveis mudanças climáticas, e hoje já estamos vivenciando-as” 

– Margarida Conche

O nascer, crescer e morrer de uma cidade

Para Paulo Saldiva, professor titular de patologia da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador sobre os efeitos da poluição do ar na saúde, a cidade é um ecossistema complexo: “ela nasce com a criatividade do nosso cérebro — nós saímos de caçadores e coletores e passamos a dominar processos de agricultura. Com a agricultura você produz excesso de comida, começa a ter comércio e junta muita gente. Troca conhecimento e desenvolve a civilização, e também troca germes”.

Em sua fala, ainda mencionou que os humanos continuaram sendo caçadores e coletores por muito tempo, mesmo com a existência das cidades: “coletávamos indígenas e pedras preciosas”. Então, nas comunidades pequenas, os recursos eram abundantes e a mobilidade para o interior para sua exploração era viável. Até que, com o tempo, as cidades pegavam e selecionavam os rios que não consideravam tão úteis e os asfaltaram — ou seja, cortaram os recursos naturais que eram abundantes.

“Quando você tem uma estrutura muito grande, você precisa de organização. E organização gera hierarquia, porque alguns trabalham, outros mandam, outros vendem… e gera cobiça. Então a desigualdade também faz parte da cidade”, afirma Saldiva.

De acordo com o professor, as cidades nascem de gametas (pequenas estruturas) e se tornam estruturas mais complexas na medida em que se desenvolvem, como os embriões. Ao atingirem a maturidade, iniciam interações com outras cidades próximas, crescem, adoecem e morrem.

“Eu sou nascido em São Paulo e eu considero a cidade como

um senhora de 471 anos que cresceu mais do que podia”

– Paulo Saldiva

palestrantes debatendo saúde
O fundo de tela de Saldiva retrata uma cidade em miniatura como se fosse  uma mesa de autópsia, com cientistas ao seu redor [Reprodução/Youtube ECA-USP]

O professor destacou que as adaptações nos seres humanos não ocorrem somente no útero, como no caso da epigenética, uma adequação na expressão dos genes, mas acompanham os indivíduos pelo resto da vida — em maior ou menor velocidade. No caso das cidades, é possível consertar o que for preciso na fase inicial de seu desenvolvimento, mas essa adaptabilidade se reduz significativamente ao passar pela “puberdade”.

Os danos são irreversíveis?

Paulo Saldiva introduziu o pensamento de que, durante a Revolução Industrial, era predominante a mentalidade de que o mundo tinha energia suficiente para manter o excesso de consumo e produção, o que, segundo ele, fez com que o planeta entrasse em burnout

“É mais ou menos como se estivesse em uma estrada e pegasse uma rotatória indo para o caminho errado. Quanto mais você prosseguir nisso, mais longe você fica do caminho certo. Então às vezes é mais prudente voltar para trás. Nessa caminhada sem volta os neurônios dirigentes ignoram as experiências dos gestores anteriores e, com isso, a gestão de um sistema a longo prazo é ainda mais dificultada”, complementa o professor.

Um dos fatos  sobre as estruturas estabelecidas com o crescimento urbano comentados por Saldiva ocorre pela grande dependência brasileira nos meios rodoviários. De acordo com ele, o cálculo de quilômetros rodados por passageiros transportados é equivalente a levar, de carro, toda a população do Uruguai para a Argentina de manhã e trazer para Montevidéu de tarde: “não tem como isso funcionar”, conclui o professor.

Além disso, os rios que ainda existem estão debaixo da terra e contaminados por esgoto, características que intensificam a emergência hídrica. 

“Os rios enchem, você constrói a cidade abaixo

do plano da cota do rio e depois chama de Jardim Pantanal

e permite que as pessoas morem aí” 

– Paulo Saldiva

Embora as agências ambientais tenham se esforçado para reduzir os níveis de poluição dos veículos, o problema da lentificação do tráfego e o aumento na quantidade de automóveis fazem com que as pessoas inalem mais poluição. O professor também relaciona o viés social a essa situação, pois as pessoas que moram longe e não tem escolha dos meios de transporte são as mais afetadas.

O professor disse que, quando o mundo ficou pequeno demais para a população, não se pode mais olhar a natureza de fora e adotar uma postura naturalista, é preciso incluir os seres humanos nessa equação. “Quem está consumindo energia demais somos nós. Nós somos o tumor que está drenando energia do restante do organismo”..

Por fim, o professor ressalta que esse cenário crítico, aliado à ciência atual, aumenta a escala da indiferença em relação ao sofrimento humano. O diálogo entre as humanidades e as ciências precisa recuperar alguns valores, pois em tempos de inteligência artificial, o afeto — a base da civilização, de acordo com o professor — precisa ser natural.

Clima e saúde: políticas em conjunto

A professora Patricia Zimermann, doutora e mestra em ciências da comunicação pela ECA-USP, com especialização de comunicação empresarial pela Universidade do Vale de Itajaí de Santa Catarina, apresentou uma síntese dos resultados de uma recente pesquisa feita pela Saúde Planetária. O estudo buscou titular o avanço e integração das políticas de clima e saúde no Brasil, com enfoque nas percepções de stakeholders — indivíduos, grupos ou instituições interessados em uma organização ou projeto que têm influência direta ou indireta sobre ela, ou que são afetadas por suas ações e decisões — brasileiros.

A pesquisa foi liderada pelo Center for Climate Change Communication, um estudo multinacional, que incluiu países como Alemanha, Brasil, Caribe (Antigua, Bahamas, Barbados, Dominica, Guyana, Jamaica, Trinidad), Estados Unidos, Quênia e Reino Unido. 

palestra sobre avanço das políticas de clima e saúde
A pergunta central trabalhada foi: “as políticas climáticas e de saúde devem ser integradas? Se sim, de que forma e como?” [Reprodução/Youtube ECA-USP]

Ao longo do processo, os pesquisadores brasileiros Daniela Vianna, Patricia Zimmermann e António Saraiva e outros colaboradores basearam-se em 33 entrevistas com representantes do governo federal, agências federais, representantes de advocacy, legisladores federais, think tanks, acadêmicos e governo subnacional. 

Patricia Zimermann explicou que o objetivo do estudo era averiguar até que ponto, de que forma e como as políticas de clima e saúde devem ser combinadas na elaboração de políticas nacionais. Para isso, foi levado em consideração o status atual da integração dessas políticas e novas ideias para uma conexão mais eficiente entre elas no contexto brasileiro.

  A professora citou alguns exemplos de efeitos das mudanças climáticas na saúde, principalmente no aumento e agravamento de doenças infecciosas e na expansão da transmissão de arboviroses, além dos efeitos da poluição e do estresse térmico causado pelo aquecimento global que intensificam problemas de saúde.

Zimermann destaca outro aspecto também já abordado pelo professor Paulo Saldiva: a desigualdade social. De acordo com a pesquisadora, grupos com comorbidades físicas e mentais, questões de gênero e de maiores faixas etárias estão mais expostos às consequências das mudanças climáticas — como comunidades de baixa renda, crianças, idosos, mulheres e pessoas pretas, pardas e indígenas.

Um dado apresentado evidencia que 80% das emissões de mercúrio da América do Sul estão concentradas na Amazônia, prejudicando significativamente as comunidades locais: “quando elas são afetadas, a gente está perdendo conhecimentos e saberes tradicionais que são muito raros para nós, para que a gente possa sair da situação que estamos hoje”, declara Patricia Zimermann.

Eventos climáticos extremos causam danos não só ambientais, mas também econômicos e sociais. No caso da tragédia do Rio Grande do Sul, em 2024, os gastos ultrapassaram mais de 100 milhões de reais, além dos impactos sociais, na saúde física e mental e no saneamento. Em vista desse viés econômico, observa-se necessário a priorização de uma adaptação energética, com uma transição para energias renováveis.

“A falta de percepção e de compreensão dos riscos, o descrédito da ciência em alguns setores, vem contribuindo muito para a vulnerabilidade das comunidades tanto urbanas quanto periféricas. Então essa lacuna exacerba os impactos dos eventos que a gente viu, incluindo a seca histórica da Amazônia — um processo extremamente perigoso para o planeta —, as queimadas, e também a tragédia no Rio Grande do Sul”, ela acrescenta.

Em relação às descobertas da pesquisa, o estudo evidencia que as políticas públicas atuais são insuficientes para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Assim, há necessidade de maior integração entre as áreas de saúde e clima, já que os entrevistados apontaram dificuldades relacionadas  à falta de planejamento estratégico e de dados, à polarização política e à falta de recursos.

Zimermann aponta que as principais barreiras para essa integração são os desafios políticos (formulação de políticas baseadas baseadas em princípios e escassez de recursos), a defesa de interesses individuais e não públicos por determinados setores e a falta de um planejamento integrado.

“Algumas oportunidades para avançar nessa integração foram elencadas pelos nossos stakeholders, os participantes das pesquisas Alguns exemplos são os períodos eleitorais, que buscam   uma representatividade política maior para ampliar esse debate através de uma pressão popular, a realização  da COP30 no Brasil para aumentar as interconexões entre clima, saúde e outras áreas, e o SUS como ferramenta essencial nesse tema”, continuou a professora.

estratégias de comunicação
A comunicação, a produção de dados e pesquisas e a integração de povos originários destacam-se como estratégias para superar tais dificuldades [Reprodução/Youtube ECA-USP]

Por fim, as implicações adquiridas através do estudo foram organizadas de acordo com os diferentes públicos estratégicos. Para a criação de medidas eficazes que integrem a saúde e o clima, é necessário que o Governo Federal adote um planejamento conjunto, reduza as emissões, cumpra os compromissos do Acordo de Paris e amplie as ações transversais com outros órgãos públicos. O Congresso Nacional, que enfrenta uma polarização política que defende seus próprios interesses econômicos, precisa aproximar a ciência da política (legislações cuja eficácia seja comprovada por dados)

Segundo o estudo, é importante que as Agências Federais dissolvam os silos institucionais e fomentem a cooperação entre programas já existentes, além da capacitação dos servidores sobre o tema. Já o terceiro setor e advocacy possuem o papel de conscientizar a população e realizar a pressão por políticas públicas eficazes e pelo engajamento governamental.

A Academia necessita ampliar os estudos sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde, especialmente em populações vulneráveis, e disseminar os resultados. O setor privado deve investir em economia regenerativa e descarbonização e inovação em tecnologias sustentáveis.

O bem-estar em meio ao caos

“Afinal de contas, a gente está falando aqui desse locus da cidade com esse acontecimento, onde a gente viva, a gente interage, a gente tem nossas relações de afetividade” 

– Vivian Blaso, idealizadora do projeto “Cidades Afetivas”

A comunicação enquanto ferramenta estratégica,exerce um papel fundamental ao gerar um senso de urgência para com a relação entre clima e saúde e incentivar a mobilização social, a fim de criar novas políticas públicas. Outro fator importante é a territorialização dessas políticas, como evidencia Vivian Blaso: “mas não no sentido de fechar, muito pelo contrário, trata-se da dinâmica do olhar do local para o global e do global para o local”.

O terceiro ponto se relaciona com a superação dos silos institucionais — a falta de diálogo entre os diferentes setores inviabiliza a efetivação dos projetos nas cidades. Outra questão apontada pelo relatório é a presença da ansiedade climática que se desponta em comunidades mais vulneráveis, especialmente em jovens, e seu impacto na saúde mental, também prejudicada pela escassez de áreas verdes (tese presente em algumas pesquisas de Thais Mauad). O estudo ressalta também o papel das comunidades na produção de soluções: “os saberes tradicionais, da saída comunitária para o enfrentamento da crise climática e da crise sanitária”.

Blaso apresenta esses pontos a fim de integrá-los com as palestras anteriores e com a realidade enfrentada atualmente. “A crise, além de ser cognitiva, também (é uma crise de percepção), a saída só tem uma. A saída está no coletivo”, ela afirma.

Acerca do projeto “Cidades Afetivas” (um observatório que promove práticas sustentáveis nos modos de viver e conviver nas cidades), Vivian Blaso diz que sempre pensou que “os ativismos urbanos insurgentes têm condições de acionar essas vias na direção desse futuro que queremos para a humanidade, porque ele traz consigo a ideia de ‘metamorfose’, ou seja, de transformação”.

exemplos de ações para saúde
A professora traz exemplos de diferentes atuações e projetos que transformam territórios e discutem a integração de políticas [Reprodução/Youtube ECA-USP]

Perguntas do público

No encerramento do evento, os convidados responderam a perguntas do público. Na primeira, a professora Patricia Zimmermann esclareceu que os grupos de pesquisa são essenciais para o diálogo entre a ciência e a sociedade. Ela reforçou a importância de produzir dados qualificados que, ao serem transformados em palavras acessíveis, devem se comunicar com a comunidade: “desvendando todos os mistérios técnicos, tirando todos os jargões e focando em uma comunicação mais adequada para cada público”.

Em outra dúvida sobre a mortalidade de mulheres, especificamente indígenas (com base em  dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher de 2025), a professora Blaso destaca que os territórios indígenas encontram-se em áreas vulneráveis que, muitas vezes, são colocados à margem da sociedade. De acordo com ela, a integração das políticas pode ajudar no avanço das medidas territoriais, que impactam diretamente no acesso a serviços básicos e qualidade de vida dos habitantes da região.

“O cuidado é essencial. Mas, para termos esse cuidado individual e o cuidado coletivo, vamos precisar desse resgate antropoético do que significa você ter essa relação com o outro” responde Vivian Blaso sobre o papel do afeto. 

“Nós precisamos de lideranças assim. Lideranças que acreditem, que levem de fato a efeito”.

 – Margarida Conche

*Imagem de capa:Divulgação/Sympla

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima