Por Amanda Yoshizaki (amanda.yoshizaki@usp.br)
O modo como nos relacionamos com a arte e a cultura se altera conforme o tempo. Diante da ascensão das redes sociais — em especial o Instagram — exposições imersivas, projetadas para gerar boas fotos, passaram a ocupar os espaços culturais e a atenção do público. No centro desse fenômeno está a crescente banalização da arte, a qual consiste na transformação de obras e experiências estéticas em produtos consumíveis e descartáveis.
Esse processo ocorre quando seus valores simbólico, reflexivo e cultural são ignorados em função de sua aparência ou capacidade de gerar engajamento. Como alertou Guy Debord, escritor francês, em A Sociedade do Espetáculo (Editora Contraponto, 2007), no qual apresenta a ideia de que a sociedade vive uma era em que a imagem vale mais do que o conteúdo. Assim, a obra deixa de ser vista como provocação, questionamento ou expressão crítica, para se tornar o ambiente de selfies ou estampas de camisetas.

[Imagem: Amanda Yoshizaki/Acervo Pessoal]
“Quando as obras viram meramente elementos decorativos para serem postados nas redes, perdem sua potência de gerar reflexão. A arte é reduzida a conteúdo visual”, explica Roberto Bertani, especialista em cultura e curadoria e diretor do Memorial da América Latina. Para ele, esse processo muitas vezes impede uma contemplação mais profunda, pois “tudo vira rápido, superficial e voltado à autopromoção”.
O fenômeno das exposições instagramáveis
Exposições imersivas e instagramáveis têm conquistado museus, centros culturais e até shopping centers. Voltadas para a estética das redes sociais, esses eventos oferecem ambientes que envolvem os sentidos e são coloridos e altamente fotogênicos. Elas reformulam a experiência artística no século XXI, o que desperta críticas sobre a superficialidade e o esvaziamento simbólico da arte.

[Imagem: Amanda Yoshizaki/Acervo Pessoal]
Para o curador Roberto Bertani, essa mudança tem impacto direto na experiência do público: “A preocupação com o ‘instagramável’ faz com que tudo seja muito superficial e rápido. Muitas vezes, o visitante sai da exposição com registros feitos apenas para autodivulgação, sem uma interação verdadeira com a obra”.
Ele afirma que a lógica da viralização, os mecanismos que fazem com que um conteúdo se espalhe de forma rápida e em larga escala pelas redes sociais, influencia a própria curadoria, a qual se molda às exigências de visibilidade nas redes sociais e aos interesses de patrocinadores — o patrocínio de exposições funciona quando empresas investem dinheiro em eventos culturais, em troca de notoriedade e associação institucional.
O redator publicitário e mestrando Lucas Milanez reforça essa análise: “Empresas só investem se houver visibilidade. Assim, as exposições entram em uma performance algorítmica capitalista, e isso pode fazer com que os valores da obra de arte fiquem em segundo plano”.
“A exposição deve provocar o olhar, instigar a percepção e, se possível, transformar o visitante. Isso vai muito além de fazer um post bonito no Instagram.”
Roberto Bertani
Apesar das críticas, tanto Bertani quanto Milanez reconhecem que existem nuances no processo, já que exposições com forte apelo visual podem aproximar o público da arte. Mas é necessário cuidado: “O problema não é a selfie em si, mas o imediatismo e a falta de reflexão. A pessoa tira foto com uma obra sem nem saber o que ela representa”, comenta Milanez. Para os especialistas, é necessário que o visitante também se interesse pelo significado da produção artística.
Da galeria à estampa
Segundo o artigo A Mercantilização da arte: O efeito da rede social na mediação dos objetos de Roberto Bertani, a transformação da arte em produto de consumo é um fenômeno histórico que se intensificou na contemporaneidade. Obras que antes habitavam museus ou galerias passaram a estampar camisetas, bolsas, canecas e embalagens, em um processo que oscila entre a democratização do acesso cultural e a banalização simbólica.
Bertani observa que essa transformação é inevitável dentro de uma sociedade na qual “a obra de arte, uma vez que tem preço e pode ser transferida, já se torna uma mercadoria”. Para ele, esse processo não necessariamente invalida o valor da arte: “Não vejo problema em uma obra protagonizar uma camiseta ou bolsa. Nem todos terão acesso à obra original. É uma forma de democratização, ainda que incompleta”.
Essa perspectiva mais conciliadora vê na cultura um potencial de alcance e inclusão, especialmente em contextos de desigualdade cultural. “Às vezes, o ingresso para um museu equivale à refeição de uma família. Ter acesso à arte por meio de um objeto cotidiano pode ser o único contato possível para muitas pessoas”, defende Bertani.

Também existem críticas ao capitalismo de circulação e à apropriação da arte, os quais permeiam esse tema. Para Milanez, o problema não está apenas na reprodução, mas na forma como ela acontece: “O artista é frequentemente afastado do processo produtivo. A estampa da camiseta circula globalmente, mas ele pode nem saber onde ou como está sendo usada, muito menos receber por isso”. Assim, de acordo com o redator publicitário, perde-se o vínculo entre a obra, o autor e o contexto.
Curtidas como critério de valor
Na era das redes sociais, obras, artistas e exposições são avaliados não apenas pela sua relevância estética ou crítica, mas por sua capacidade de gerar curtidas e visualizações, como mencionado na pesquisa publicada pela revista Informatics. Nomes do meio artístico são descobertos através da internet, como o ilustrador brasileiro Lucas Levitan, que ganhou notoriedade com o projeto Photo Invasion, criado em 2014, no qual inseriu ilustrações em fotos de usuários do Instagram.

Filipe Grimaldi, designer e letrista, também se destaca nas redes sociais com suas pinturas de tipografias vernaculares do Brasil. Ao divulgar seu trabalho nas redes sociais, como Instagram e TikTok, ele amplia o alcance de sua arte, o que além de impulsionar sua carreira, gera representatividade e valorização das estéticas gráficas populares brasileiras.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@filipegrimaldi]
Existe um debate em torno do que garante o valor. Para Roberto Bertani, a lógica da fama virtual interfere diretamente no trabalho artístico atual: “Isso traz retorno para artistas, curadores e patrocinadores. Porém, a busca por visibilidade nas redes cria uma arte moldada por tendências visuais e potencial de viralização, o que pode esvaziar o conteúdo reflexivo da arte”, relata.
Lucas Milanez vê esse fenômeno como reflexo direto da chamada “midiatização da vida”, na qual as redes sociais não apenas divulgam conteúdos, mas definem comportamentos e prioridades culturais. “Quando o artista cria pensando no que vai render melhor nas redes, ele se adapta ao algoritmo e perde a autonomia sobre sua linguagem. A obra deixa de ser expressão e vira conteúdo”, declara.
A ascensão das redes sociais transformou não apenas a forma como se consome arte, mas também como ela é criada, compartilhada, financiada e valorizada. Se, por um lado, o ambiente digital democratizou o acesso, abriu portas para novos talentos e encurtou distâncias entre artistas e público, por outro, trouxe dilemas sobre a ressignificação das obras.

[Imagem: Reprodução/Instagram/@romerobritto]
De acordo com os analistas, para manter o valor simbólico da arte em um cenário no qual a visibilidade dita as regras, é necessário equilibrar o alcance com a profundidade. “A arte não precisa ser intocável, mas precisa ser respeitada como linguagem, memória e expressão humana. Quando vira só decoração ou moda, a gente corre o risco de esquecer o que ela veio nos dizer”, finaliza Lucas Milanez.
