Por Beatriz La Corte (beatrizlacorte@usp.br) e Luiz Dias (lhp.dias11973@usp.br)
“O Brasil quer estar com os Estados Unidos, com a Venezuela, com a Argentina. O Brasil quer estar com todo mundo”, afirma Lula em cerimônia no Itamaraty no dia 16 de setembro. O posicionamento do presidente tem sido acompanhado pelo público desde julho, quando aconteceram as eleições venezuelanas. No final do mesmo mês, Nicolás Maduro foi proclamado presidente sem comprovação eleitoral, o que repercutiu e afetou a geopolítica mundial e latinoamericana.
Repercussão geopolítica
Em entrevista para a Jornalismo Júnior, o ex vice-ministro da educação na Venezuela, Luis Bonilla-Molina, comentou a respeito da repercussão das eleições no mundo e na América Latina. Bonilla expressa gratidão pela decisão brasileira de exigir a publicação dos documentos oficiais antes de assumir um pronunciamento.
“O debate a respeito do vencedor tornou-se uma questão ideológica direita-esquerda, ao invés de uma questão democrática. Argentina e Estados Unidos reconheceram González, enquanto Cuba e Nicarágua foram a favor de Maduro.”
– Luis Bonilla-Molina
Para além dos reconhecimentos do vencedor das eleições, o episódio gerou tensões diplomáticas entre os países envolvidos. Durante agosto, em decorrência do posicionamento da Argentina, os funcionários da embaixada argentina na Venezuela foram expulsos do país e o Brasil assumiu temporariamente a custódia do espaço. Políticos como Javier Milei e Joe Biden agradeceram o governo brasileiros pela iniciativa.
Tensões nas eleições venezuelanas
A crise na embaixada argentina é apenas um dos resultados negativos das eleições realizadas em julho de 2024, marcadas pelas acusações de interferência do governo de Maduro no processo eleitoral por diversos grupos, em especial pela oposição liderada por María Corina Machado. Segundo os dados eleitorais disponibilizados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, Nicolás Maduro alcançou a reeleição com 51,2% dos votos válidos contra 44,2% do candidato da oposição, Edmundo González.
O resultado divulgado pelo CNE foi recebido com surpresa, tendo em vista que os levantamentos pré-eleições apresentavam ampla vantagem para a candidatura de Gonzalez, como a pesquisa feita pelo Centro de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade Católica Andrés Bello (CEPyG UCAB), que apontou as intenções de voto para a oposição em 59,1% contra 24,6% de Maduro, uma diferença expressiva de mais de trinta pontos percentuais.
Outro ponto de contestação frente à comunidade internacional foi a não apresentação da totalidade das atas eleitorais, documentos que servem como o registro das votações. Segundo Ana Sofia Garcia, doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e imigrante venezuelana desde 2013, a atitude das autoridades se torna ainda mais suspeita, pois os órgãos eleitorais venezuelanos possuem a tradição de divulgar esses documentos, sendo a eleição deste ano, uma exceção a esse padrão.
Considerando os principais pontos de contestação, diversos países se pronunciaram em relação à validade das eleições. O Brasil foi um dos países que se pronunciou, por meio do assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, mantendo um posicionamento neutro. Segundo Amorim, o estado brasileiro aceitaria os resultados da eleição venezuelana apenas após a divulgação das atas eleitorais.
Segundo o professor Bonilla, a postura neutra e diplomática do Brasil é crítica de algumas maneiras, tanto por motivos econômicos, como pelo comércio de petróleo e o fluxo imigratório na região Norte, mas principalmente por razões políticas. Na visão de Luís, o Brasil é visto pelas demais nações como uma potência regional, e falhar na mediação da situação pode demonstrar fragilidade do estado brasileiro, algo inoportuno frente às atuais pretensões brasileiras de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Brasil tomou então uma posição de mediador entre o governo Maduro e os seus opositores, junto dos governos da Colômbia e México, seguindo a linha diplomática estabelecida por Celso Amorim. O governo brasileiro busca diálogo com ambos os lados, ao mesmo tempo que exige dados transparentes para a aceitação dos resultados por parte do CNE e não adota posições enfáticas, contra ou a favor do governo de Maduro.
Ana Garcia comenta que vê a postura diplomática brasileira de forma positiva: “O Brasil teve uma posição bem moderada, não foi na linha dos Estados Unidos e da Argentina de acusação de fraude desde o começo e também não aceitou a eleição de imediato como a China e a Rússia”, alega Sofia. “É uma posição crítica, mas que dá margem para diplomacia.”
O Itamaraty manteve sua posição mesmo após o Tribunal Supremo da Justiça (TSJ) da Venezuela ratificar as eleições de julho por meio de uma decisão contraditória, pois o Tribunal optou por manter as atas eleitorais em sigilo judicial. A decisão despertou reações de alguns países que apontam fraude eleitoral, enquanto outros, como é o caso do Brasil, permanecem sem reconhecer a validade das eleições enquanto as atas não forem apresentadas.
A posição brasileira foi recebida com severidade pelo presidente Maduro, que teceu críticas contra o Brasil em discurso no dia 28 de julho. O chefe venezuelano comparou a situação das eleições da Venezuela às eleições brasileiras de 2022, que sofreram contestações por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – as quais foram negadas pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). Além disso, Maduro também comparou a atuação dos bolsonaristas brasileiros à dos apoiadores da oposição liderada por Corina Machado. As alegações geraram novos atritos entre Caracas e o Itamaraty.
“Entraram com recursos no Supremo Tribunal. O Supremo Tribunal do Brasil decidiu que os resultados eleitorais davam a vitória ao presidente Lula. E quem se meteu com o Brasil? Ninguém!”
– Nicolás Maduro
Em comunicado oficial, o Itamaraty afirmou estar apenas cobrando os termos do Acordo de Barbados, assinado entre o governo Maduro e parte da oposição por intermédio da Noruega. O objetivo do acordo é garantir maior liberdade política na Venezuela e reinserção do país no cenário internacional. Parte dos termos do documento era a supervisão das eleições de julho por organismos internacionais e a livre participação da oposição. Em contrapartida, as nações integrantes do acordo retiraram total ou parcialmente sanções contra a república bolivariana.
A principal proposta oferecida pelo assessor especial Celso Amorim, por meio do Itamaraty, é a realização de novas eleições sob supervisão estrita de organismos internacionais, como a Comunidade de Estados Latino-Americano e Caribenhos (Celac). A proposta foi negada tanto pela oposição de Edmundo González como pelo governo de Nicolás Maduro.
O que dizem os críticos às posições brasileiras?
Um dos países que se mostrou crítico à posição do presidente Lula foi Gabriel Boric, presidente do Chile, político assumidamente progressista com postura dura em relação às eleições venezuelanas. O líder chileno condenou a posição hesitante e vacilante de determinados países de seu mesmo espectro político, como o governo brasileiro e colombiano.
Segundo Boric, um dos principais problemas da posição brasileira é a falta de ação frente às medidas antidemocráticas tomadas pelo governo Maduro nas últimas semanas, como a perseguição de opositores, em especial o mandado de prisão contra Edmundo González, que recentemente recebeu asilo político na Espanha. González afirma que o objetivo do asilo é evitar a perseguição política no regime bolivariano.
“Afirmação dos direitos humanos não pode ser julgada de acordo com a cor do ditador ou do presidente que a violar, seja Netanyahu, em Israel, Maduro, na Venezuela, Ortega, na Nicarágua, ou Vladimir Putin, na Rússia. Quer se defina de direita ou de esqueda, então que seja. Nós, progressistas, temos de ser capazes de defender princípios.”
– Gabriel Boric
A posição atual do Itamaraty é vista de forma crítica pela oposição brasileira ao governo Lula. Em reunião no Senado Federal, alguns parlamentares se posicionaram sobre as falas e posicionamentos recentes do presidente, afirmando que essas ações estariam legitimando o governo do ditador venezuelano. A senadora Teresa Cristina (PP-MS) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) são alguns dos que deram corpo às acusações de omissão e apoio velado a Maduro por parte do governo Lula.