Por Guilherme Fernandes,
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Em meados de 2004, a Eliana (& empresários & cia) vinha modificando o foco de seus trabalhos na TV: ela deixou os projetos infantis e, como “tudo é possível”, arriscou-se como apresentadora de programas adultos, para a família. Talvez, o filme Eliana em o Segredo dos Golfinhos marque o fim da era em que a loira se debruçou sobre a criançada, assim se projetando.
No filme, Eliana, interpretando ela mesma, como apresentadora, vai à estonteante Riviera Maya, no México, para gravar um programa sobre golfinhos. A criança vencedora de um concurso de redação participaria com Eliana na gravação. Calé (João Paulo Bienemann), que nunca havia visto o mar e é apaixonado por golfinhos, escreve uma redação. Rogerinho (Thomas Levisky), responsável por enviar o texto de Calé, coloca seu nome como co-autor da redação, pondo seu caráter em questão já no começo do filme. O texto deles vence, e os dois viajam para o México. Na Riviera Maya, os golfinhos começam a ficar doentes e inclusive morrer, devido às ações do “empresário-predador” Esquivel (Fúlvio Stefanini). Além de roubar um crânio de cristal com poderes sobrenaturais, Esquivel e suas empresas são responsáveis por diversos desastres ambientais mundo afora.
Considerando a carreira de Eliana, era de se esperar algo lastimável desse projeto. O filme tem uma proposta educativa e de conscientização ecológica. Faltou, no entanto, encontrar uma maneira aceitável de se fazer isso, porque o filme não é selvagem no estilo Sérgio Rangel (biólogo que marcou presença em diversos programas da Eliana), nem pedagógico e construtivo. O segredo dos golfinhos, que são guardiões do crânio ancestral que garante a harmonia da natureza, é rapidamente revelado. O que os ameaça não é a brutal intervenção humana na natureza, mas o roubo do crânio mitológico por Esquivel. Uma ideia totalmente errada é transmitida às crianças. A diretora Eliana Fonseca, que estudou cinema na ECA/USP, diga-se de passagem, atua no elenco como uma assistente da apresentadora Eliana, construindo um filme pastelão e repleto de clichês.
Em resumo, ocorre um embate desgastado entre o bem e o mal, e só pela sinopse já se percebe quem está de cada lado. Esquivel e sua comparsa, por exemplo, só usam roupas pretas, como na foto anterior. Um dos planos do empresário é comprar o parque de golfinhos da Riviera e substituí-los por tubarões, promovendo shows de carnificina. Na paradisíaca Riviera mexicana, todos falam português. A paixão de Eliana pelo biólogo Fred (Daniel Del Sarto) é patética e açucarada – mas em se tratando de uma produção infantil, essa ingenuidade na relação amorosa é bem-vinda. Vamos ficar por aqui, e tentar buscar outros aspectos.
As crianças estão bem no filme. Pelo menos a Eliana Fonseca fez um bom preparo de elenco. A estreia de Eliana também é menos tenebrosa do que as atuações da máquina de sucessos chamada Xuxa. Mas papéis como os de Jackson Antunes, que interage com um filhote de golfinho animatrônico, decepcionam bastante. A posse do crânio garante ao proprietário a simpatia e a afeição de todos que dele se aproximam, inclusive dos inimigos. É uma dicotomia bem óbvia. A cena em que o crânio passa de mão em mão, em todos se manifestando tal poder, é repetitiva e irritante.
Em dado o momento, o grupo Rouge surge na tela, dançando na frente de cenas do fundo do mar, com golfinhos. Intervenção dispensável e totalmente deslocada do enredo, soando como um infeliz product placement. A aparição de pesadas armas de fogo, que também é um péssimo exemplo para as crianças, é frequente. Uma boa mensagem enfim, se destaca, pois Rogerinho, no final, se mostra amigo e companheiro de Calé, que supera o passado de sacanagens e humilhações.
Mais uma vez, a safra de loiras jovens e bonitas dos anos 80, que se promoveram como apresentadoras infantis, foi vil com as crianças do Brasil. Além de seus programas, em geral, trazerem desenhos infantis estrangeiros com péssimas referências para os baixinhos, a boa literatura infanto-juvenil brasileira, e seus bons autores, são deixados de lado na produção audiovisual nacional. Esperava-se essas queixas de um filme de Eliana, mas é duro admitir tal realidade. A produção é trash e tosca, com baixo orçamento. O impacto na criançada, contudo, vai muito além disso.