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Especial Paraguai: as eleições e o Mercosul

Após eleger um novo presidente de forma democrática, Paraguai pode voltar ao bloco sul-americano Por André Spigariol (andre.spigariol@gmail.com) e Stella Bonici (stebonici@gmail.com) Eleito no último domingo (21) por via democrática, o novo presidente do Paraguai, Horacio Cartes – do Partido Colorado, de centro-direita – deve significar o retorno do país ao Mercado Comum do Sul (Mercosul). …

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Após eleger um novo presidente de forma democrática, Paraguai pode voltar ao bloco sul-americano

Por André Spigariol (andre.spigariol@gmail.com) e Stella Bonici (stebonici@gmail.com)

Eleito no último domingo (21) por via democrática, o novo presidente do Paraguai, Horacio Cartes – do Partido Colorado, de centro-direita – deve significar o retorno do país ao Mercado Comum do Sul (Mercosul). Em junho do ano passado, depois de uma crise política que passou por cima do poder popular e culminou em um polêmico impeachment do então presidente Fernando Lugo, o Paraguai foi suspenso do bloco até que a soberania do povo retomasse o poder por meio de votação. Cumprida a condição, a expectativa é que o Estado retorne ao grupo.

Após eleições, Assunção pode voltar a compor o Mercosul (Foto: Marcello Casal Jr. - Agência Brasil)

De acordo com o novo presidente, que será empossado apenas em agosto, existe um clima favorável à reentrada do país no pacto. “Os países estão com boa disposição. Quando há predisposição, quando as pessoas estão a fim de falar, temos que buscar coincidências do que ficar nessa diferença que não é boa para ninguém”, disse Cartes, na sua primeira entrevista à imprensa internacional.

“Vamos continuar com outras reuniões e continuar falando. Há disposição de se reintegrar à Unasul e ao Mercosul e outros blocos regionais também”, completou. O mandatário do país defendeu durante toda a sua campanha política “dar um novo rumo ao Paraguai” e prometeu trabalhar “para todos os paraguaios”. O grande desafio do governo, agora, será o de recolocar o Paraguai nos organismos sul-americanos.

A crise no Paraguai

O impeachment é uma ferramenta que existe em qualquer governo democrático. Todavia, o caso do Paraguai chamou a atenção pela rapidez com que o processo foi efetuado, deixando espaço para dúvidas a respeito de um possível golpe de Estado. Sob a alegação de “má exercício de suas funções”, o processo de deposição de Fernando Lugo, então presidente da nação, durou pouco mais de 24 horas.

Fernando Lugo sofreu um processo de impeachment em 2012 (Foto: Marcello Casal Jr. - Agência Brasil)

Lugo foi acusado de ser cúmplice de um grupo radical de esquerda e ser o responsável pela morte de 17 pessoas em um confronto entre policiais e agricultores em uma operação de reintegração de posse no dia 15 de junho de 2012. Na ocasião, outras 80 pessoas ficaram feridas.

No dia 21 do mesmo mês, a oposição ao governo na Câmara apresentou um pedido de cassação do mandato presidencial. A solicitação foi aprovada e seguiu para o Senado, que também ratificou a destituição do presidente por 39 votos a quatro. Fernando Lugo foi então sucedido pelo vice-presidente, Federico Franco.

O procedimento foi julgado legítimo pelo Tribunal Superior Eleitoral do Paraguai. No entanto, foi considerado ilegal pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (IACHR), um braço independente da Organização dos Estados Americanos (OEA), que avaliou ser “inaceitável a velocidade com que foi conduzido o impeachment de um presidente democraticamente e constitucionalmente eleito”.

De acordo com a nota publicada pela IACHR à época, o processo não respeitou as leis. “Considerando-se que era um processo para a remoção de um Chefe de Estado, é altamente questionável que isso poderia ser feito dentro de 24 horas, respeitando ainda as garantias necessárias para um julgamento imparcial. A Comissão considera que o procedimento que foi seguido afeta o Estado Democrático de Direito”, afirmou a nota.

Sucessão presidencial

Apesar de já eleito, Horacio Cartes assumirá a cadeira presidencial apenas em 15 de agosto de 2013. Enquanto isso, uma equipe de transição do governo atual de Federico Franco trabalhará em parceria com o novo chefe de estado. Da situação, os ministros José Félix Fernández Estigarriba – de Relações Exteriores -, Carmelo Caballero – do Interior – e Manuel Ferreira – da Fazenda – serão chefiados pelo vice-presidente Oscar Denis na comissão de transferência.

O novo governo será representado por Juan Carlos López Moreira, aliado de Cartes desde 1999. Ainda participarão das reuniões a diplomata e ex-ministra de relações exteriores do Paraguai Leila Rachid Lichi e o administrador German Rojas Irigoyen, ex-presidente do Banco Central paraguaio.

Horacio Cartes promete ser o símbolo de renovação política no Paraguai (Foto: Divulgação)

Cartes representa a volta do Partido Colorado, de centro-direita, à cadeira presidencial, depois de ver sua hegemonia quebrada por Lugo (Frente Guasú), de centro-esquerda, no pleito de 2008. O presidente deposto sofreu severa oposição do Congresso e do Senado por conta de sua postura contrária à das elites ruralistas e, principalmente, por seu apoio à reforma agrária.

“O Mercosul vive um momento de centro-esquerda: os presidentes de Brasil, Uruguai, Argentina e Venezuela estão nessa posição. O Paraguai também estava, com Fernando Lugo, mas o pequeno país tem uma tradição direitista, golpista”, comenta Edilson Adão, geógrafo e mestre em Ciências pela Universidade de São paulo (USP), em entrevista à Agência JPress. “Penso que o certo seria reempossar Lugo e ele terminar seu mandato, pois foi eleito democraticamente”, avalia o professor, que acredita que o impeachment de Lugo foi um “golpe branco” dado pelos ruralistas locais, detentores da maioria no Congresso.

“Lugo caiu por desagradar a oligarquia rural paraguaia. Devemos lembrar também que o golpe branco dado em Lugo teve forte respaldo dos ‘brasiguaios’, deixando o governo Dilma em uma saia justa”, sintetiza o geógrafo e cientista, referindo-se ao grupo de brasileiros que são donos de grandes fazendas dentro do Paraguai ras regiões próximas à fronteira com o Paraná. Estes proprietários de terras, grandes produtores de soja, são em parte responsáveis pela expansão econômica do país vizinho nos últimos anos.

Paraguai e Venezuela

A avaliação de integrantes do governo brasileiro é de que o Paraguai poderá voltar a integrar o Mercosul apenas quando seu Congresso reconhecer a entrada da Venezuela no bloco. Apesar da reprovação por parte do Senado paraguaio, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que a Venezuela “está dentro do Mercosul”, e considera que essa adesão foi feita de forma legítima.

“Talvez vivamos um imbróglio jurídico, pois a Venezuela já adentrou ao Mercosul”, analisa Adão. “A sensatez política manda dizer ao Paraguai que aprove a entrada da Venezuela. Insistir em rechaçar a Venezuela do bloco é insistir no isolamento. E o Paraguai não tem condições de viver isolado”, explica.

Entrevistado pela televisão estatal venezuelana VTV, o sucessor de Hugo Chávez defendeu o retorno dos paraguaios às associações sul-americanas. Maduro disse que conversou com Horacio Cartes por telefone nesta semana, quando expressou seu desejo de “retomar o ritmo das relações comerciais, diplomáticas, políticas”. O presidente venezuelano ainda afirmou que os “irmãos sul-americanos” do Paraguai “fazem falta” no Mercosul e na Unasul.

Entenda o Mercosul

Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção, fundando, assim, o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul. Entre seus principais objetivos, o bloco busca conferir, em torno dos países participantes, livre comércio de bens, serviços e fatores produtivos, estabelecer uma Tarifa Externa Comum (TEC) e adotar uma política comercial comum.

Bloco busca estreitar relações políticas e comerciais entre seus membros (Imagem: Wikimedia Commons)

Em 2012, o bloco passou por sua primeira ampliação, integrando a Venezuela de forma definitiva. Com o ingresso da Venezuela, o Mercosul avança no sentido de se tornar uma potência petrolífera, unindo o pré-sal brasileiro junto às reservas petrolíferas da Venezuela e da Argentina. Vale lembrar que Caracas faz parte do seleto grupo da OPEP, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, entidade que regula o preço do precioso óleo em todo o mundo. Além da Venezuela, o outro país sul-americano que tem representação na OPEP é o Equador.

Outro benefício trazido por essa adesão é um aumento no mercado interno do bloco, fortalecendo a produção regional. Ainda no ano passado, uma nova mudança ocorreu: o Protocolo de Adesão da Bolívia como estado pleno foi assinado, podendo transformar o país andino no sexto membro do bloco, se incorporado ao ordenamento jurídico dos Estados Partes.

O Mercosul tem como objetivo não apenas fortalecer o comércio intrazona, mas também estimular trocas com países terceiros, os chamados de Estados Associados. Esse grupo é composto por Bolívia (desde 1996), o Chile (desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador (ambos desde 2004). México e Nova Zelândia são associados como estados Observadores.

Além desses países, o Mercosul também mantém relações com Israel e Egito, com os quais assinou tratados de livre comércio, em 2007 e 2010, respectivamente. Uma zona de livre troca também foi firmada com a Comunidade Andina de Nações (CAN) em 2005, enquanto que contrato semelhante foi acordado com a comunidade Palestina (2011).

Mercosul e suas relações comerciais (Infográfico: Camila Berto - Jornalismo Júnior)

Unasul

A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), criada em 2008, reúne os 12 países que formam a América do Sul, e seu tratado constitutivo já foi ratificado por dez países. São eles: Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Suriname, Equador, Peru, Uruguai, Venezuela e Guiana. O objetivo do grupo é derrubar as fronteiras socioculturais entre os países, criando um espaço de articulação cultural, social, econômico e político entre os participantes.

Em nota publicada recentemente, a entidade – que havia enviado representantes para acompanhar o sufrágio no Paraguai – reconheceu que as eleições do Paraguai foram legítimas, o que abre caminho para que as negociações sobre a reintegração do país aos organismos continentais.

Para Edilson Adão, “o peso econômico do Paraguai é pequeno. O peso político, no momento, é de pouco alcance. No âmbito da Unasul, provavelmente a Colômbia seja a primeira a reconhecer a legitimidade do novo governo, pois foi o único país sul-americano a não ser atingido pela onda de esquerda nos últimos anos”.

Crescimento econômico e dependência do Brasil

Quanto às relações com o Brasil, Cartes deverá conduzir negociações em torno da questão da Usina de Itaipu. O Paraguai tem direito à metade da energia produzida pela usina, porém, o país consome apenas 5% do total, vendendo o restante para o Brasil por um valor baixíssimo (US$ 8,40 o MW/h). Apesar de o ex-presidente, Fernando Lugo, já ter feito negociações com o Brasil, obtendo um aumento do valor em 200%, Cartes ainda acha insuficiente.

Segundo relatório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), ainda que a expectativa de crescimento econômico médio para a região seja de apenas 3,5%, a economia paraguaia vai de vento em popa. De acordo com o órgão – vinculado à ONU -, o país deve expandir seu PIB (Produto Interno Bruto) em 10% neste ano. O Brasil, por sua vez, deve ficar com ligeiro incremento de 3%.

Edilson Adão afirma que a economia paraguaia tem peso pequeno no Mercosul, porém o país é importante para a representação política do bloco. “Politicamente falando, é importante a adesão não só do Paraguai, mas de outros vizinhos. Um Estado, um voto, como na Assembléia Geral da ONU. Numa conversação intra-blocos é politicamente importante que um bloco regional seja o mais representativo possível. E o Brasil é o maior interessado nisso”, esclarece.

No entanto, para Simão Davi Silber, professor titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e doutor em economia pela Universidade de Yale (EUA), a presença do Paraguai no Mercosul é importante economicamente. “É muito importante para o Brasil, na medida em que os maiores produtores de soja do Paraguai são brasileiros”, analisa, citando os brasiguaios.

Silber ainda aponta que a revogação da suspensão será relevante por conta dos laços econômicos do Paraguai com o Brasil. “A economia deles tem uma dependência forte do Brasil e estamos dando um tratamento altamente discriminatório”, alerta o economista.

Dados da balança comercial brasileira mostram que a relação de trocas entre os dois países vem se intensificando nos últimos anos. Em 2003, o Brasil importou US$ 474,7 milhões em mercadorias paraguaias e exportou para lá US$ 708,7 mi. No ano passado, porém, os números foram bem maiores: US$ 987,5 milhões em importações e US$ 2,6 bilhões em exportações.

Os números revelam a grande subordinação do mercado paraguaio em relação ao brasileiro, já que, nesta balança bilateral, o Brasil vem fechando os relatórios anuais sempre com lucro. Segundo a série histórica apresentada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, o único ano em que a economia verde-amarela importou mais do que exportou para o Paraguai foi em 1989, quando o défcit foi de US$ 35,7 milhões. Só em 2013, de janeiro a março, o Brasil já acumula lucro de US$ 508 milhões neste intercâmbio.

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