“Quando você me quiser rever, já vai me encontrar refeita, pode crer”. A reação ao abandono é o que costura o filme O Abismo Prateado (Brasil, 2011), e a música “Olhos nos Olhos”, de Chico Buarque, na qual a trama de Karim Aïnouz foi livremente inspirada. O roteiro conta a história de Violeta, uma dentista de meia idade, que recebe uma mensagem do marido dizendo que foi embora e que não a ama mais. O desenrolar se dá a partir de como ela reage à notícia de que foi abandonada.
Vencedor do prêmio de melhor diretor no Festival do Rio, e dos de melhor atriz, som e fotografia, no Festival de Havana, o filme se passa em um período de 24h, e aborda o modo como Violeta recebe a notícia. Para isso, o diretor Karim Aïnouz fez uso de recursos mais físicos do que psicológicos para a própria personagem. A busca por explorar os sentidos do espectador se reflete nas cenas de trânsito caótico, nos closes no rosto de Violeta, no jogo de primeiro plano e fundo desfocado, e no destaque dado ao papel do som no filme.
Sensações como a agonia da protagonista são repassadas ao espectador por meio de recursos sonoros: a irritante broca de limpeza bucal preenche a cena com seu barulho, nos deixando nervosos e inquietos, como Violeta. A sinfonia de uma construção com suas britadeiras, furadeiras, vigas e martelos reflete a confusão e a incomunicabilidade do instante do choque. Dessa forma, o filme retrata com maestria as sensações do abandono. Ele, por si só, pode ter uma narrativa sonora paralela; ao acompanhar o enredo de “Olhos nos olhos”, o som – anteriormente excessivo – se torna cada vez menos presente na trama, dando lugar aos diálogos. Isso demonstra a calma e a serenidade da personagem após o choque.
Outro ponto de destaque da trama é o fato de que não só o som deixa de ser um dos elementos principais, mas como o próprio cenário vai se esvaziando, se acalmando, em conexão com o fluxo de sentimentos de Violeta. A cidade complementa as sensações da protagonista, criando um jogo em que as duas partes tornam-se metáforas uma da outra.
Apesar disso, o enredo se arrisca muito em pretender abordar o abandono e a recuperação em apenas 24h. É certo que se trata de um acontecimento em pequena escala, mas isso acaba por retirar o dinamismo da trama e deixa-la um pouco monótona para quem gosta de interação humana, ao depender somente da relação protagonista-pano de fundo.
Um dos acertos estéticos do filme foi a trilha sonora escolhida, que dialoga muito bem com os momentos delimitados de diferentes sentimentos da personagem. A canção “Maniac”, de Michael Sembello marca o auge do fluxo sentimental e se apresenta como um divisor de águas da trama. A versão escolhida para “Olhos nos Olhos” também figura de forma harmônica com o contexto da história.
O Abismo Prateado (Brasil, 2011) consegue traduzir de modo verossímil as emoções de um término inesperado, e conta com a boa atuação de Alessandra Negrini, que é capaz de sustentar a trama com a ajuda dos poucos personagens secundários. A releitura de Chico Buarque apresenta alguns clichês cinematográficos que, por incrível que pareça, se encaixam muito bem na história e a trazem para uma dimensão não só física, como pretendido, mas também psicológica do espectador.
Por Malú Damázio
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