Por Isabela Slussarek (isabelaslussarek@usp.br)
O Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) realizou um estudo sobre a dieta alimentar da família dos Psitacídeos — grupo de aves formado pelos papagaios, araras e periquitos. A pesquisa foi realizada no campus da USP, localizado no bairro Butantã, zona oeste da capital paulista.
Conduzido por José Carlos Motta-Júnior, mestre em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a pesquisa busca analisar a dieta dessas aves no espaço urbano, a amplitude do seu nicho trófico – posição que o animal ocupa na cadeia alimentar – e os diferentes tipos de plantas utilizadas para a obtenção de alimentos.
Ao total, existem cerca de 177 espécies de Psittacidae que habitam regiões tropicais e subtropicais do Hemisfério Sul. No Brasil, 87 espécies fazem parte da fauna regional. A dieta dessa família inclui uma variedade de frutos, sementes e flores, e raramente envolve outros animais. Os resultados identificaram 83 itens alimentares, e entre eles, 79 espécies de plantas.
A Cidade Universitária foi escolhida como espaço de análise em razão da enorme biodiversidade que sobrevive em meio a áreas arborizadas e grandes edifícios. Ao longo de três anos, os especialistas identificaram 2.929 eventos alimentares envolvendo as espécies. As principais analisadas foram: periquito-rico (Brotogeris tirica), maracanã-pequena (Diopsittaca nobilis) e papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva).

Apenas três espécies de papagaios foram responsáveis por 97% dos eventos registrados. As espécies Psittacara leucophthalmus (Periquito-de-olho-branco) apresentou valores baixos, enquanto Brotogeris chiriri (Periquito-de-cabeça-amarela) e Forpus xanthopterygius (Papagaio-de-asa-azul) foram detectados em poucas ocasiões. B. tirica explorou de forma uniforme frutas, sementes e néctar, enquanto as outras espécies concentraram sua dieta em sementes.
Na cidade, a dieta da família foi mais concentrada nos coquinhos do jerivá, no araçá-roxo e nas sementes da paineira. Aproximadamente 60% das plantas consumidas eram nativas, fornecendo sementes, frutos e flores, enquanto as outras 40% eram plantas exóticas. A predominância de espécies vegetais nativas na dieta ressalta a importância de priorizar a biodiversidade regional para a conservação das espécies. As vegetações exóticas são responsáveis por incorporar a dieta durante períodos de escassez de alimentos.
“É fundamental valorizar a flora nativa, mas sem excluir totalmente algumas exóticas, especialmente as que fornecem alimento em épocas de escassez e que não apresentam risco de invasão”
José Carlos Motta-Junior
A diversidade e amplitude do nicho trófico
O pesquisador explica que, em um nicho trófico, é vantajoso que as espécies realizem um uso equilibrado de itens alimentares. Isso porque, com a extinção de determinado alimento, o animal não será prejudicado e poderá explorar outras opções. “A desvantagem seria a ave poder consumir tudo, mas não processar, digerir ou assimilar tão eficientemente cada um deles”, acrescenta.
No caso do nicho estreito – conjunto específico e limitado de condições ambientais e recursos que uma espécie precisa para sobreviver e se reproduzir – , o animal, em quantidade, consome um ou pouquíssimos tipos de alimento, em detrimento de outros raramente explorados. Embora as opções sejam menores, o alimento em que a ave se especializa é melhor processado, digerido e assimilado, explica José Carlos.
“Na ecologia, também se sabe que, em situações de grande oferta ou abundância de variados recursos — o que nos parece ser o caso da ampla arborização do campus — os animais podem ‘se dar ao luxo’ de terem algumas preferências ou se especializarem em alguns recursos”, aponta o especialista. Ele alega que esse fenômeno está acontecendo na região, pois apenas cinco espécies de plantas das 79 exploradas representaram 51% das visitas dos psitacídeos para obter alimento.

A sazonalidade no consumo de recursos e o maior consumo de sementes imaturas são estratégias utilizadas por aves em busca de sobrevivência nas áreas urbanas. Segundo José Carlos, estudar as relações entre Psitacídeos e plantas em ambientes modificados pelo homem permite compreender quais espécies conseguem explorar esses espaços e como esse processo ocorre. Os dados obtidos podem oferecer subsídios para planejadores ambientais e incentivar a arborização urbana adequada.
Relação entre aves e urbanização
O pesquisador explica que o comportamento alimentar das aves nas cidades e na natureza não sofre grandes alterações. Elas perfuram as bases de flores para extrair néctar tanto em ambientes naturais quanto nos modificados. O que muda são os recursos disponíveis, já que nos ambientes urbanos há mais plantas exóticas, ausentes em reservas naturais.
A urbanização tem efeitos ambíguos: ela pode ser vista tanto como ameaça quanto como uma chance de criar novas oportunidades ecológicas. “No caso dos Psitacídeos é praticamente descartada a ideia de existir populações estáveis de espécies ameaçadas e com requisitos ecológicos mais estritos”, explica José Carlos. Para ele, outras espécies que conseguem se adaptar às mudanças, encontrando alimentos e locais para nidificar, conseguem prosperar.
“A modificação do ambiente causa o afastamento de muitas espécies nativas da fauna, em especial aquelas com requisitos um pouco mais estritos. A biodiversidade em cidades é menor que em ambientes naturais”
José Carlos Motta-Júnior
Na capital paulista, a maior dificuldade dos Psitacídeos é conseguir alimento e locais de nidificação adequados sem serem perturbados pelas pessoas. Além da presença na dieta, as árvores são utilizadas como locais seguros para nidificar. Com o avanço do desmatamento, as opções para as aves estão cada vez mais reduzidas, especialmente entre as três mais abundantes (periquito-rico, papagaio, maracanã-pequeno).
A pesquisa utilizou fotografias e vídeos que registraram cada evento alimentar. “Ao fotografar, conseguimos analisar depois no computador e confirmar o que estava sendo consumido. Se dependêssemos apenas da observação direta, poderíamos registrar de forma incorreta”, comenta o pesquisador. Como produção final, um fotolivro digital e gratuito sobre os Psitacídeos do campus e a sua relação com as plantas será disponibilizado no Portal de Livros Abertos da USP.
*Imagem de capa: Reprodução/J.C.Motta-Junior







