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Observatório | CPI das Bets: entenda o objetivo da Comissão que viralizou nas redes

A reunião, instalada no Senado em novembro de 2024, convoca influencers anunciantes para depor sobre as casas de apostas online

Por Arthur Souza (thursouzs07@usp.br), Isabela Slussarek (isabelaslussarek@usp.br) e Luana Riva (luanariva06@usp.br)

No dia 13 de maio, a influenciadora Virginia Fonseca depôs no Senado Federal, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, casas de apostas virtuais que oferecem serviços de apostas esportivas ou de cassinos online. Com mais de 53 milhões de seguidores nas redes sociais, Virginia já divulgou grandes empresas de jogos de apostas, como Esportes da Sorte e Blaze. Durante a CPI, alegou que nunca divulgou jogos irregulares e que sempre agiu conforme a lei.

A influenciadora foi convocada para depor em novembro de 2024, pela senadora Soraya Thronicke (Podemos). No requerimento, a senadora afirmou que “como uma das maiores personalidades da internet no Brasil, Virginia desempenha um papel central na promoção de marcas e serviços, incluindo campanhas publicitárias relacionadas a jogos de azar e apostas online”. Soraya busca entender como o papel dos influenciadores impacta o público e usuários de bets.

Na CPI, a influenciadora argumentou que a sua fortuna milionária cresceu por causa da sua empresa Wepink e não da divulgação desses jogos. Também negou receber uma porcentagem maior, conforme os usuários perdiam dinheiro, após a Revista Piauí afirmar que o contrato assinado pela apresentadora, era responsável pelo ganho de 30% em cima das perdas

O influenciador e vencedor do programa “A Fazenda 13”, Rico Melquíades, também foi convocado para depor na CPI. Durante a comissão, Rico teve que apostar em uma Bet na frente dos senadores, para que analisassem o tipo de conta utilizada pelo influenciador. O jovem reclamou do tratamento que estava recebendo no Senado, alegando que estava sendo pressionado, algo que não aconteceu com a Virginia. Assim como a apresentadora, afirmou que apenas trabalha com casas de apostas regularizadas pela legislação e que sempre alertou seus seguidores sobre os riscos nelas.

“Sempre falo que se trata de um jogo que você ganha ou perde. Nem sempre você vai ganhar. Sempre falo: ‘jogue com cautela’.”
Rico Melquíades

Rico afirmou que sua fortuna não é resultado só dos jogos, mas também de sua vitória no programa “A Fazenda” [Imagem: Reprodução/Agência Senado/Geraldo Magela]

O que é a CPI das Bets?

A CPI é uma comissão temporária formada dentro do Poder Legislativo, voltada para investigar as ações tomadas pelo Poder Executivo. Para iniciar uma CPI é necessário que um terço dos membros (27 senadores e 171 deputados) do Senado ou da Câmara dos Deputados assinem o documento inicial. A Comissão tem o poder de interrogar testemunhas, ouvir suspeitos, decretar prisão de flagrantes em delito, convocar ministros e servidores e quebrar sigilo de dados. 

Com o fim de uma CPI, o responsável pela investigação deve enviar um relatório, que pode recomendar mudanças na legislação e punições ao Ministério Público ou à Advocacia-Geral da União. Essas autoridades podem, então, responsabilizar os infratores, civil e criminalmente, ou adotar outras medidas legais. 

A CPI das Bets foi implementada após o pedido da senadora Soraya Thronicke, em novembro de 2024. Com um prazo de investigação de 130 dias e comandada pelo senador Dr. Hiran Gonçalves, do Partido Progressista (PP), o objetivo é investigar o crescimento e os efeitos nocivos dos jogos de apostas no Brasil. Os senadores levantaram informações sobre os impactos desses jogos na saúde financeira e familiar dos usuários, a ligação dessas empresas com lavagem de dinheiro e o papel dos influenciadores responsáveis pela divulgação.

Para os parlamentares, o objetivo da Comissão é investigar a manipulação dos resultados dos jogos, o seu impacto sobre os menores de idade, a sonegação fiscal e a falta de regulação. Um dos principais argumentos da investigação é que os vídeos de divulgação feito pelos influenciadores são manipulados com edições falsas ou pelo uso de contas programadas fornecidas pelas empresas.

A CPI foi iniciada com o depoimento de donos de Bets, os representantes da  Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), psiquiatras, advogados e ex-viciados em jogos. Já os principais influenciadores convocados são nomes como Gusttavo Lima, Gkay, Tirulipa e Carlinhos Maia. 

Divulgação: contratos milionários nas redes sociais e no esporte

A difusão de jogos de azar se dá por meios estratégicos. Na internet, o algoritmo desempenha um importante papel na ampliação do alcance de conteúdos promovidos pelas casas de apostas, seja via parcerias pagas com plataformas ou por meio de patrocínios com influenciadores. Jorge Freire, dono do perfil @nerdpai no Instagram, relatou, em entrevista à Jornalismo Júnior, que muitas vezes as empresas se utilizam de agências de publicidade falsas para contatar criadores de conteúdo e oferecem valores exorbitantes em troca de divulgação. 

Em 2024, a despesa dessas empresas com propaganda chegou a 2,3 bilhões de reais, afirma um levantamento realizado pela Kantar Ibope Media. O pesado investimento evidencia a importância da publicidade para o alcance de novos consumidores. O poder econômico das bets, muitas vezes impulsionado por dinheiro de origem desconhecida, permite que as casas de apostas estendam sua influência a diversos nichos nas redes sociais.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, o advogado e especialista em Bets, Marco Aurélio Leite, destacou que as empresas normalmente oferecem duas formas de remuneração aos criadores de conteúdo: “o primeiro modelo é o CPA (Custo por Aquisição), no qual o influenciador recebe um valor fixo ou percentual com base no primeiro depósito realizado pelo usuário que acessou a plataforma por meio do seu link”. Outra possibilidade é o ‘Revenue Share’, conhecido como ‘REV’, matriz de pagamento responsável por levar Virginia Fonseca à investigação pela CPI. Nesse modelo, o divulgador detém uma parcela de ganho sobre os prejuízos de todos os apostadores por ele cativados. 

No futebol, as casas de apostas estampam as camisas oficiais das equipes participantes do Campeonato Brasileiro, fazem parte de comerciais, transmissões e, inclusive, são divulgadas diretamente pelos campeonatos. As bets se tornaram as maiores patrocinadoras do futebol brasileiro e importantes pilares econômicos para os clubes nacionais, uma operação muito bem-sucedida, que aproximou os serviços de apostas online ao seu público alvo: os torcedores. Em colaboração com o Flamengo, a empresa Pixbet desenvolveu a Flabet, uma casa de apostas que se aproveita da identificação com o clube rubro-negro para atrair apostadores.

A parceria com Flabet proporcioná ao Flamengo um pagamento de R$ 470 milhões até 2027 [Imagem: Reprodução/Instagram/@flamengo]

A popularização dos jogos de azar tornou cada vez mais comum casos de manipulação de jogos, a fim de favorecer parentes e amigos dos jogadores. Recentemente, o jogador Bruno Henrique foi acusado de intencionalmente receber um ‘cartão amarelo’ para favorecer a aposta de familiares. Se a acusação for comprovada, o atleta pode ser banido do futebol mundial.

O caso representa apenas mais um dos casos de interferência das bets no profissionalismo dos atletas, comprometendo a integridade do ambiente esportivo. 

Recentemente, a VaideBet, patrocinadora master do Corinthians em 2024, foi submetida à investigação, após ser mencionada em delação de integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC). A apuração sugere que a casa de apostas era usada pela facção criminosa para lavagem de dinheiro e a descoberta reflete a insuficiência na fiscalização dos representantes jurídicos – agentes responsáveis legalmente – das empresas de jogos de azar.

Como as Bets estão na Legislação Brasileira?

Segundo Marco Aurélio, as Bets sempre estiveram presentes no Código Penal brasileiro, porém eram tidas como ilegais. “Essa realidade mudou com a edição da  Lei n° 13.756/2018 que legalizou as apostas de quota fixa, aquelas em que o apostador já conhece o valor que pode ganhar no momento da aposta”, destaca o advogado.

“A criação da lei em 2018 foi o marco legal que abriu espaço para a regulamentação das chamadas ‘bets’.”
Marco Aurélio Leite, advogado e especialista em bets

A partir desta lei, outras normas foram criadas para consolidar a base legal das apostas onlines no Brasil. Por exemplo, a Portaria MF nº 1.330/2023, que definiu diretrizes para a autorização das empresas e o procedimento de credenciamento. Já a mais recente foi a Portaria MF nº 1.231/2024 que impôs certos limites, incluindo a proibição de anúncios direcionados a menores e a necessidade de alertas sobre os riscos envolvidos. 

Esta última, entra em conflito com a divulgação das bets por influenciadores nas redes, já que, na internet, todos têm acesso às publicidades e não há uma fiscalização referente ao seu direcionamento para que não atinjam público infanto-juvenil. 

No momento em que as casas de apostas foram legalizadas no Brasil, segundo Marco Aurélio Leite, os apostadores se tornaram consumidores e por isso podem apelar à justiça brasileira para garantir seus direitos por meios como o Código de Defesa do Consumidor. O advogado ainda ressalta que “mesmo em contratos digitais ou firmados com empresas sediadas no exterior, o consumidor pode exigir que sejam observados os princípios da boa-fé, transparência e equilíbrio contratual”. 

Os apostadores contam com importantes garantias, como a possibilidade da transferência da responsabilidade de provar um fato judicialmente, que antes era do consumidor, para a plataforma. Além disso, podem reivindicar cancelamento de práticas abusivas, restituição de valores retidos indevidamente, danos morais, esclarecimento, entre outros requerimentos. 

Qual o impacto para a população brasileira?

A legalização das casas de apostas online de quotas fixas intensificou um problema antigo da sociedade brasileira – o vício em jogos de azar. No Brasil, um país que já convive com esses tipos de jogos há décadas, como o jogo do bicho, a legalidade das bets amplia a situação do vício. Isso porque, com as plataformas, o acesso é facilitado via internet e pelo marketing agressivo de influenciadores como Virginia e Rico. 

 A operação de combate ao jogo do bicho é nomeada como Operação Barão de Drummond, nome do criador do jogo – João Batista Viana Drummond [Imagem: Reprodução/BNDigital]

Os estudos do porquê as pessoas apostam valores altos, mesmo reconhecendo a chance de perder, movimentam áreas de pesquisa da Psicologia, Neurociência e Ciências Sociais. Daniel Kahneman, psicólogo ganhador do Prêmio Nobel de Economia, afirmou há alguns anos em um artigo do The New York Times: “O que importa é a possibilidade de ganhar. As pessoas ficam animadas com a imagem em suas mentes. A excitação cresce com o tamanho do prêmio, mas não diminui com o tamanho da probabilidade”. 

A constância do marketing nas redes sociais se dá pelo alto valor de divulgação. Segundo Jorge Freire, já contatado por plataformas para promover jogos online, “as empresas procuram diferentes criadores de conteúdo para oferecerem a proposta, que conta com valores altíssimos para as postagens no feed e nos stories.” Assim, com as inúmeras divulgações das bets nacionalmente, a imagem de vitória é ainda mais reforçada, especialmente pelas publicidades, as quais se dão em torno de ganhadores realizados e felizes com as recompensas imediatas, o que afasta da mente dos apostadores a visualização de perda. 

As casas de apostas utilizam da publicidade para mobilizar o vício em jogos, a ludopatia, é uma doença que afeta grande parcela da população brasileira. Esta prática compromete a renda mensal e a saúde mental dos brasileiros, além de impactar a credibilidade e o funcionamento de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, visto que há relatos de pessoas utilizando benefícios sociais para apostar. Em uma matéria na Revista Piauí, dados do Banco Central apontaram que, apenas no início de 2024, 24 milhões de brasileiros gastaram, em média, 20,8 bilhões de reais por mês em jogos de apostas online, sendo 3 bilhões da renda do Bolsa Família. 

Quando os apostadores gastam grandes quantidades financeiras, esperando um resultado positivo, e deparam-se com a perda, podem perder o controle. Isso porque, segundo estudo científico contido em uma reportagem da Gazeta do Povo, a área do cérebro ativada no momento da perda é a mesma da dor. Por isso, quadros de ansiedade, depressão, suicídio e descontrole em outros vícios podem vir a tona.

Nesse cenário, a Comissão admite papel importante. Para Marco Aurélio Leite, “a CPI busca uma regulamentação mais eficaz, que promova o jogo responsável, imponha limites à publicidade e amplie os mecanismos de fiscalização e proteção ao consumidor, com foco na prevenção ao vício e na preservação da dignidade das famílias brasileiras.”

[Imagem da capa: Andressa Anholete/Agência Senado]

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