Por Eduardo Granado (eduardo.prompto.granado@usp.br), Raí Carvalhal (raicarvalhal@usp.br) e Arthur Souza (thursouzs07@usp.br)
Em 2005, Rafael Nadal fazia sua estreia no Aberto da França e conquistava seu primeiro Grand Slam. Ali, sobre o saibro da quadra Philippe-Chatrier, iniciou-se a hegemonia de 14 títulos em Roland Garros, que marcou a carreira do atleta.
Mais recentemente, aos 35 anos, o já veterano Rafael Nadal conquistou o Aberto da Austrália e, em uma última dança, o torneio que fez parecer ser fácil: Roland Garros. Aposentado desde o ano passado, Nadal encerrou uma das carreiras mais vitoriosas do tênis e consagrou-se como um dos maiores esportistas de uma geração. Aos fãs do craque espalhados pelo mundo, não resta nada a não ser rememorar os momentos mais marcantes de sua jornada.
Roland Garros: uma história escrita sobre argila
Embora sua prática remonte à Idade Média, o tênis tornou-se esporte de nicho ao final do século XIX, quando entrou para o circuito esportivo da aristocracia inglesa. Em 1877, o primeiro campeonato de tênis, até hoje conhecido como Wimbledon, foi organizado, com participação restrita aos frequentadores dos clubes de Londres. A fundação de entidades nacionais e internacionais permitiu que o esporte fosse regularizado, ganhando regulamento próprio e adeptos mundo afora. Após o sucesso na Terra da Rainha, a prática foi levada aos Estados Unidos, onde, em 1881, também criou-se um torneio para a modalidade.
Aos moldes ingleses, os clubes de Paris também se mobilizaram para fundar uma competição de tênis para a elite local. Em 1891, nasce o Campeonato Francês de Saibro, à princípio disputado somente entre homens. O torneio leva em seu nome o tipo de piso utilizado nas principais quadras da capital francesa. Diferente do concreto das arenas estadunidenses e da grama dos stadiums britânicos, o saibro é um material alaranjado, concebido a partir de alterações em rochas e mistura de detritos, como areia e argila. Por conceder ao solo textura e atrito semelhantes ao da terra, o saibro fornece maior aderência do atleta à quadra, mas exige dele mais recursos técnicos para lidar com o ritmo de jogo cadenciado.
Em entrevista concedida ao Arquibancada, André Ghem, ex-tenista e comentarista da Band, analisa as peculiaridades da quadra de terra batida: “No saibro se joga com mais efeito, com mais top spin. É um efeito que requer força. Por isso ele (Roland Garros) é o mais desgastante fisicamente. Com o saque você não ganha tantos pontos, então você precisa trabalhar mais o ponto.”
“É a superfície que dita o ritmo dos jogos. E o saibro traz um leque de opções maior”
André Ghem
Seis anos após a sua criação, o campeonato passou a aceitar a participação de mulheres e, somente em 1907, a modalidade de disputa em duplas mistas foi incluída. O período protecionista do campeonato, protagonizado pelo octacampeão Max Decugis – maior vencedor do torneio, até o surgimento de um certo espanhol – e pela pentacampeã Adine Masson, se encerrou na década de 20, quando o torneio abriu suas inscrições para tenistas internacionais. Em 1928, o Stade Roland Garros foi construído para sediar a edição de Paris da renomada Copa Davis. Nomeado em homenagem ao aviador e herói da Grande Guerra homônimo, o complexo contava originalmente com cinco quadras, a principal delas sendo a espetacular Philippe-Chatrier. Naquele mesmo ano, o torneio passaria a ocorrer no estádio e seria rebatizado para Internacional da França de Roland Garros.
Até então disputada apenas por tenistas amadores, a competição se tornou profissional em 1968, seguindo os parâmetros recém estabelecidos pelo campeonato inglês. A profissionalização do esporte ao redor do mundo permitiu que a Federação Internacional do Tênis organizasse o circuito de Grand Slams, com os quatro principais torneios do tênis mundial: Wimbledon, o Aberto dos Estados Unidos, o Aberto da Austrália e o Aberto da França, conhecido popularmente como Roland Garros. No início da era profissional da competição, os destaques em solo francês foram Björn Borg, sueco hexacampeão durante as décadas de 70 e 80, e Chris Evert, estadunidense heptacampeã da Copa Suzanne Lenglen, nome dado ao troféu da modalidade de disputa feminina no simples. Mais tarde, na última década do século XX, o brasileiro Guga Kuerten, também deixaria sua marca na história do campeonato, conquistando três títulos.
Roland Garros segue sendo considerado o mais competitivo torneio de Grand Slam, por suas condições adversas de superfície e pela grandiosidade de sua história. Até hoje, muitos foram capazes de vencer e colocar seu nome na história da competição, mas apenas um soube adaptar seu estilo de jogo para domesticá-la.
Un chico, Rafa Nadal
Com apenas quinze anos de idade, Rafael Nadal venceu sua primeira partida profissional em um circuito da ATP (Associação de Tenistas Profissionais). Instruído desde a infância pelo tio, Toni Nadal, que veio a ser seu treinador, o jovem se profissionalizou aos catorze anos. Desde cedo, Nadal mostrou boa aptidão física e qualidade técnica para se tornar atleta. Circula entre a comunidade do tênis o boato de que o tio de Rafa o tenha treinado para se tornar canhoto, contrariando a natureza do garoto, que era destro. Verdade ou não, fato é que seu forehand canhoto foi um importante diferencial em sua carreira.
Em 2002, o jovem de Manacor, cidade em Maiorca, chegou à semifinal de um challenger e emplacou a 200ª posição no ranking mundial. No ano seguinte, Nadal fez uma ótima temporada como iniciante e chegou às finais de seis Challengers. Ainda menor de idade, venceu em Barletta, na Itália, e em Segóvia, na Espanha, mas deixou escapar as outras quatro chances de título. Nadal alcançou a 49ª posição no ranking da ATP ao fim de 2003, ano que também marcou sua estreia em um Grand Slam, quando se tornou o tenista mais novo a chegar à terceira rodada de Wimbledon.
Em março de 2004, Rafael Nadal se deparou pela primeira vez com Roger Federer, em partida válida pela terceira fase do Masters de Miami. À época com 22 anos, o suíço, que já ocupava a primeira colocação no ranking mundial, foi derrotado pelo jovem espanhol promissor. Sob regra de melhor de três sets, Nadal ganhou os dois primeiros sets, ambos por 6-3, e encerrou o “FeDal” inaugural com uma estranha brevidade.
O tenista, que já despontava como “golden boy” na mídia, teve sua temporada interrompida por conta de uma lesão no pé esquerdo, problema crônico na carreira do atleta devido ao seu pé chato, previamente diagnosticado. A contusão postergou sua estreia em Roland Garros para o ano seguinte e impediu que disputasse Wimbledon pela segunda vez. Em seu retorno, Nadal conquistou seu primeiro título no circuito internacional, ao derrotar por dois sets a zero o argentino José Acasuso na final do ATP 250 polonês.
O jovem Rafael, já muito experiente, estava começando a trilhar o caminho que, anos depois, o consagraria como um dos maiores nomes da história do tênis, regalia mais valiosa do que quaisquer taças.
O início de uma relação duradoura
“Uma história de super-herói”
André Ghem
É assim que André Ghem vê o desempenho de Rafael Nadal em seu primeiro Roland Garros. Nadal já era uma grande promessa do circuito quando chegou ao Aberto da França pela primeira vez em 2005, cenário que pode ter ocorrido por conta da ausência do jovem nos dois anos anteriores da competição devido a lesões no cotovelo e no tornozelo esquerdo. André Ghem comenta sobre a diferença entre ele e outros tenistas ao chegar no torneio: “Ele chegou já muito mais robusto, do que a maioria que chega para jogar o primeiro Grand Slam, porque no ano anterior ele já estava mais metido e não conseguiu jogar. Então, quando ele jogou, ele já tinha uma musculatura maior”. O futuro campeão chegou ao torneio como número 5 do ranking mundial, após as vitórias nos Masters Series de Monte Carlo e Roma, nos torneios de Barcelona e Acapulco e no Aberto do Brasil.
Nadal começou o torneio contra Lars Burgsmueller e, sem dar chance nenhuma ao adversário, venceu por três sets a zero. Essa foi a única vez que ele jogou na quadra número um de Roland Garros, conhecida por receber e testar os tenistas mais jovens. Após a primeira vitória, o jovem Nadal ainda emplacou mais duas vitórias por três sets seguidos: contra Xavier Malisse e Richard Gasquet. Nas oitavas e quartas de finais, enfrentou Sebastien Grosjean, contra quem perdeu um set e venceu por 3 a 1 e o compatriota David Ferrer o qual ganhou novamente por três sets a zero.
Foi na semifinal, dia de seu 19º aniversário, que Nadal enfrentou o seu maior rival durante toda sua carreira no tênis: Roger Federer. Os dois tenistas se enfrentaram duas vezes no ATP de Miami antes do Roland Garros de 2005, com uma vitória para cada um, incluindo uma virada de dois sets a zero para 3 a 2 de Federer na final daquele ano. Mas esse roteiro não se repetiu na quadra principal Philippe Chatrier.
Com parciais de 6-3, 4-6, 6-4 e 6-3, Nadal venceu Federer e avançou para a final de Roland Garros. O confronto entre os dois tenistas na França aconteceria novamente nas finais dos três anos seguintes, todas vencidas pelo espanhol. Ao todo foram 40 partidas entre eles, com 16 vitórias para Federer e 24 para Nadal, o que inclui seis triunfos em seis jogos em Roland Garros.
Sobre a vantagem que Nadal muitas vezes levou sobre Roger Federer, Ghem comenta: “É uma questão de encaixe de jogo. Ele tem uma vantagem grande porque a melhor arma dele é onde ele consegue pegar o ponto fraco do Federer.” e prossegue, “O forehand dele consegue muita aceleração e muito top spin. A bola quica e sobe alta no revés do Roger Federer, que é o ponto vulnerável de todo cara que bate na esquerda com uma mão.”
Na final do torneio, o espanhol enfrentou o argentino Mariano Puerta na Philippe Chatrier. Puerta havia voltado às quadras a menos de um ano após uma suspensão de nove meses por doping em 2003. Apesar do favoritismo de Nadal, foi o argentino que saiu na frente na decisão após set disputado com parcial de 6-7. Porém, em seguida o jovem tenista espanhol dominou a partida e com parciais de 6-2, 6-1 e 7-5, Rafael Nadal se tornou o primeiro estreante desde 1982 a conquistar o título na terra da Philippe Chatrier.
A especialidade do craque
Após começo meteórico, o espanhol ganhou o apelido de “Rei do Saibro”, herdado de nomes como Carlos Moyá, Juan Carlos Ferrero e Gustavo Kuerten, todos campeões de Roland Garros.
Ao todo em sua carreira, foram 22 Grand Slams: dois Australia Open, dois Wimbledon, quatro US Open e o grande destaque para os 14 títulos de Roland Garros, o maior vencedor do torneio. O primeiro título de Grand Slam foi seguido de mais três triunfos em Paris e um título na grama sagrada de Wimbledon, todos superando Roger Federer na final.
Quando se trata de Roland Garros, Nadal não é apenas o tenista com mais títulos, mas também o com mais vitórias. São 112 vitórias em 116 partidas disputadas. Seu aproveitamento no torneio é de cerca de 96,5% com apenas quatro derrotas em 19 edições. Devido a sua história no campeonato, Rafael Nadal será homenageado no domingo, 25 de maio de 2025, no Court Philippe-Chatrier. A cerimônia acontecerá após os três jogos da sessão do dia e contará com a presença de grandes nomes da atualidade, como seu conterrâneo e sucessor, Carlos Alcaraz.
O apelido “Rei do Saibro” não foi dado apenas pelos títulos do atleta conquistados no Grand Slams de Paris. Seu destaque na terra batida se estende para diversos outros torneios, com 63 dos seus 92 títulos tendo sido conquistados no saibro. Nadal é o maior campeão do ATP 500 de Barcelona com 12 vitórias, e coleciona conquistas dos Master 1000 de Monte Carlo (11 vitórias), Roma (10 vitórias) e Madrid (cinco vitórias), todos torneios disputados em quadras de saibro. Ao todo, são 484 vitórias nesse tipo de quadra, um aproveitamento de 90,5%.
Mesmo diante de uma nova geração recheada de talentos, Nadal teve uma última oportunidade de provar ao mundo que sua invencibilidade no saibro perdurará eternamente. Contra o dinamarquês Casper Ruud, o tenista venceu seu décimo quarto e último título de Roland Garros, após aplicar uma vitória por três sets a zero. O craque deixou seus pés deslizarem sobre a argila do saibro de Paris uma última vez, pés que escreveram uma história de mais de vinte anos, que jamais será esquecida.
“Um bom número de comparação é olhar pro Pete Sampras e ver que o cara tem catorze Grand Slams no total. O Nadal tem catorze só do mesmo. Tem que apreciar o máximo que puder, porque é um dos maiores feitos do tênis e a gente não vai ver outro igual”
André Ghem
*Imagem de capa: Pachal123/Wikimedia Commons