Por Davi Milani (davimilanip@usp.br), Breno Macário (breno.macario@usp.br) e Arthur Souza (thursouzs07@usp.br)
O Tottenham Hotspur vence o Manchester United após uma longa fila de 17 anos sem títulos e é campeão da Europa League da temporada 2024/2025! Nesta quarta-feira (21), no Estádio San Mamés, em Bilbao, os Spurs levaram a melhor na terceira final inglesa da história da Europa League e venceram o Manchester United por 1 a 0 com gol chorado de Brennan Johnson, artilheiro do time na temporada.
A tão aguardada conquista foi muito celebrada pela torcida e pelos jogadores [Imagem: Reprodução/X:@SpursOfficial]
Com a conquista do segundo título continental mais importante da Europa, agora o Tottenham pode respirar aliviado. O primeiro campeão da Europa League – antigamente chamada de Copa UEFA – não levantava taças desde a temporada 2007/2008, quando conquistou a Copa da Liga Inglesa.
Ange Postecoglou, técnico do time campeão, cravou que conquistaria um título em sua segunda temporada quando assumiu o Tottenham há dois anos: “Normalmente, na minha segunda temporada, eu ganho coisas”. A profecia do comandante se realizou justamente no seu centésimo jogo à frente do clube de Londres.
A superstição de Postecoglou se realizou nos clubes australianos South Melbourne e Brisbane Roar, na Seleção Australiana e no Yokohama F. Marinos, do Japão [Imagem: Reprodução/X:@SpursOfficial]
Os finalistas chegaram pressionados em Bilbao: apesar do bom desempenho ao longo da Europa League e de fazerem parte do seleto grupo dos Big Six na Inglaterra, ambas as equipes fizeram temporadas ruins, marcadas por péssimas campanhas no campeonato nacional. O campeão Tottenham ocupa atualmente a 17ª posição na Premier League e é o primeiro time fora da zona de rebaixamento, enquanto o United vem logo acima, na 16ª posição.
Além da má performance na competição de pontos corridos, os Spurs e os Red Devils tiveram que lidar com o insucesso nas copas nacionais. Assim, a conquista da Europa League era a chance de ambos os times de salvarem a temporada. Coube ao Tottenham sair da sua fila de vários anos sem títulos e garantir uma vaga na próxima Champions League e Supercopa Europeia.
O palco da partida: o Estádio de San Mamés Barria, em Bilbao [Imagem: Reprodução/X:@EuropaLeague]
O caminho até a final
Tottenham
Os Spurs fizeram uma ótima campanha na primeira fase da Europa League e se classificaram diretamente para os playoffs, ao terminarem na 4ª posição com cinco vitórias em oito jogos e o segundo melhor ataque da primeira fase. Na fase de mata-mata, o desempenho se manteve sólido.
Nas oitavas de final, passaram pelo holandês AZ e nas quartas, pelo alemão Eintracht Frankfurt, em confronto extremamente acirrado. Já nas semifinais, sem sustos, garantiram a vaga na final ao derrotarem o Bodø/Glimt, surpresa da competição.
Os jogadores comemorando a classificação para a final, após vencerem o Bodø/Glimt fora de casa, por 2 a 0 [Imagem: Reprodução/X:@ManUtd]
Manchester United
O United também teve um bom desempenho na primeira fase da competição. Os Red Devils ficaram na terceira colocação, também com cinco vitórias em oito jogos, e se classificaram direto para a fase mata-mata.
Durante a fase eliminatória, o United manteve uma boa performance e terminou a competição com um dos melhores ataques. Nas oitavas, desbancou a Real Sociedad, enquanto nas quartas de final, protagonizou um lendário duelo contra o francês Olympique de Lyon, com direito a vitória de virada em jogo de nove gols no confronto de volta. Em seguida, o time inglês passou facilmente pelo Athletic de Bilbao nas semifinais.
Os jogadores foram para os braços da torcida comemorar a classificação diante do Lyon, após uma partida que contou com prorrogação e muitos gols [Imagem: Reprodução/X:@ManUtd]
As expectativas e o desdobramento da partida
Com grandes perdas por lesões, a previsão era de um reflexo da temporada ruim do Tottenham na partida. Sem Kulusevski ou James Maddison, com o capitão Son Heung-min sem condições de titularidade, voltando de lesão, e após uma das piores campanhas em sua história recente no campeonato inglês, não se esperava uma grande atuação dos Spurs.
O Manchester United vive um momento conturbado para os padrões europeus, com diversas trocas de comissão técnica no passado recente. O clube sofre muitos gols, perde muitos jogos e não apresenta um bom futebol em geral. Apesar de ser um dos maiores clubes do mundo, o United se encontra em uma decadência constante nos últimos anos, com agravamento da dívida do clube e a crescente tensão entre os donos e os torcedores, sem esperanças de resolução do imbróglio. Na Europa League, o United tinha expectativas de se reerguer, embora um troféu talvez não bastasse para essa missão.
Confirmando as expectativas de uma partida de futebol entre o 17º e o 16º colocado da Premier League, o jogo não foi composto por um trabalho tático avançado, por atuações individuais marcantes ou outras características que comporiam um embate vistoso. Num jogo extremamente físico, frequentemente interrompido por faltas e repleto de erros técnicos, os times protagonizaram um primeiro tempo de pouca emoção.
O grande lance da etapa inicial foi quando aos 41’, o Tottenham desceu ao ataque e Richarlison, pela ponta esquerda do campo, realizou um passe que quebrava a linha de defesa do Manchester United, encontrando Bentancur na grande área, que gira com a bola e encontra Sarr na beirada do campo. O meia utiliza o pé direito e cruza a bola na primeira trave da meta, onde estava Brennan Johnson. Apesar do atacante não conseguir o arremate em cheio, o tumulto na pequena área foi o suficiente para a bola desviar e estrear o placar: 1 a 0 Spurs.
Abraço entre o artilheiro Brennan Johnson e o zagueiro Cristian Romero, eleito craque da partida e melhor jogador da UEFA Europa League 2024/25 [Imagem: Reprodução/X:@SpursOfficial]
A partir desse lance, o jogo muda. Com a vantagem conquistada, os Lilywhites recuam e apostam na defesa para a construção da vitória. Os Red Devils, precisando reagir ao jogo e tentar reverter o placar, utilizam o espaço cedido pelo Tottenham e saem mais para o ataque, mas com pouca criatividade. A primeira situação de perigo na segunda etapa foi aos 57’, numa falta pela direita que permitiu a Bruno Fernandes realizar um cruzamento fechado. O ponta-direita Diallo chegou a triscar na bola, mas foi impedido pelo goleiro Vicario e pela zaga, que cortou a jogada na sequência do lance.
Apesar de ter atuado como segundo-volante na final, Bruno Fernandes tentava incessantemente, com as limitações de sua posição, contribuir para equalizar o placar [Imagem: Reprodução/X:@ManUtd]
Já aos 61’, após um passe de ataque equivocado, os Lilywhites partem para o contra-ataque. Num lance de dois contra um, o lateral Udogie encontra bom passe para o atacante Solanke na entrada da grande área, que não consegue dominar a bola e desperdiça grande chance.
A intensidade de um jogo com 32 faltas no total e seis cartões amarelos apenas no segundo tempo exauriu os jogadores, que demonstravam cansaço. Aos 67’, o técnico Ange Postecoglou saca o atacante Richarlison – que defendeu e correu feito lateral – e coloca em campo Son Heung-min, o capitão do time de Londres.
Logo após essa substituição, talvez em seu melhor momento no jogo, o United utilizou-se de uma falta no meio campo para lançar a bola na grande área. Numa confusão da defesa adversária, o goleiro Vicario se adianta, mas não consegue conquistar a bola, e ela sobra para o atacante Højlund, que a cabeceia para o gol sem goleiro. Num voleio heroico, o zagueiro Micky van de Ven, um dos destaques do jogo, tira a bola em cima da linha e evita o gol de empate dos Red Devils.
O zagueiro holandês de 24 anos coleciona boas atuações e tem contrato até metade de 2029, fato que anima o torcedor, que tem grandes expectativas para o jovem [Imagem: Reprodução/X:@EuropaLeague]
Aos 71’, o técnico do United Ruben Amorim realiza duas substituições: sai Maison Mount, entra Garnacho; sai Højlund, entra Zirkzee. Ao colocar dois atacantes, o português não esconde suas intenções de partir para o ataque e tentar o empate. O Tottenham seguia muito fechado no campo de defesa e tentava não ceder espaços para o adversário. Em seu primeiro toque na bola, Zirkzee toca para Mazraoui, que cruza a bola para um peixinho de Bruno Fernandes muito próximo à trave. Esse era um presságio do que seria o restante do jogo: os Red Devils atacam; os Spurs se defendem.
Garnacho entra muito bem no jogo e encontra bom chute no gol aos 73’, defendido por Vicario. As alterações surtiram efeito e trouxeram um novo ritmo para um time outrora apático. A posse de bola do United beirava os 70%, e as descidas para o ataque eram cada vez mais frequentes, mas o Tottenham estava muito bem organizado e não cedia para as investidas dos Red Devils.
No final do jogo, com o aumento da pressão sobre os jogadores do United, os zagueiros tornaram-se centroavantes e o esquema tático já não importava: cada perna a mais no ataque poderia fazer a diferença. Aos 96’, num cruzamento do ala-direito Diogo Dalot, o zagueiro Luke Shaw cabeceia forte, mas Vicario defende novamente e impede o gol dos Red Devils, cessando qualquer respiro de esperança do Manchester.
Vicario defende a cabeçada de Shaw e se reafirma como um dos destaques da partida, com grandes defesas em Bilbao [Imagem: Reprodução/X:@EuropaLeague]
Numa última tentativa do United, já finalizado o tempo acrescido, Diallo cobra um escanteio, contando até mesmo com o goleiro Onana na área para uma tentativa desesperada de colocar a bola dentro da rede. Sem êxito, a jogada é cortada pela zaga e a bola sai para tiro de meta num ensaio de bicicleta — não há mais tempo para nada. Trila o apito; o Tottenham é campeão da Europa League!
Para os Red Devils, além da tristeza e decepção, ficaram questionamentos. Por que a demora para colocar Garnacho, que foi titular durante toda a trajetória até a final e, quando entrou, agregou muito ao time? Por que não o colocar nos 11 iniciais? Por que decidir colocar o craque e capitão do time Bruno Fernandes numa posição que não lhe confere protagonismo? Por que o time com tanta posse de bola pôde tão pouco? São questões que devem ecoar na mente do torcedor por um tempo.
O peso do segundo lugar: os jogadores do United visivelmente abalados pelo vice-campeonato [Imagem: Reprodução/X:@ManUtd]
Agora, para o Tottenham, resta uma certeza: o time é campeão e encerra a fila de 17 anos. O clube soube jogar com a vantagem, sem prezar por um futebol apaixonante, mas por um futebol vitorioso. Nada importava além da vitória: apesar da temporada, apesar do trabalho questionável do técnico, apesar de todos os pesares, os Spurs redescobrem como é vencer um título, com muito mérito.
O título foi uma coroação para Heung-min Son, que em sua décima temporada pelo clube, finalmente levantou uma taça pela equipe que capitaneia. É a redenção de Richarlison, que passou por grandes dificuldades no time, mas conquista seu primeiro título de grande expressão por clubes — não só pelo Tottenham, mas na carreira. É a consolidação de um antigo sonho do torcedor, que por tanto tempo aguentou as piadas e provocações sobre o jejum de títulos. Por mais inacreditável que possa soar aos rivais e torcedores, o fato é um só: o Tottenham Hotspur é campeão.
Enfim, dias de glória
Desde a temporada 2007/08, quando assistiu ao time do coração levantar o último troféu, a torcida dos Spurs se acostumou a ser motivo de risada entre os demais clubes do Big Six inglês. O sentimento de impotência, acompanhado por gestões e técnicos que apequenaram o tradicional clube de Londres e intensificado pelo crescimento dos rivais locais, Chelsea e Arsenal, no futebol nacional e continental, tudo convergiu em um acúmulo de repetidas frustrações, ano após ano.
Em 2015/16, um bom início de campeonato inglês, com goleadas sobre os dois gigantes de Manchester, terminou em lamúria: terceira colocação, atrás dos Gunners e do campeão inédito, o Leicester City. Anos depois, o Tottenham seria vice em uma final de Champions League diante do Liverpool, após uma lendária escalada até a decisão. A taça, que os Spurs seguem sem possuir, poderia ter colocado a equipe na primeira prateleira do futebol europeu, em 2018/19.
Além de poucos títulos de expressão se comparado aos rivais e apenas uma grande conquista no século XXI, os Lilywhites se tornaram conhecidos por sua inconstância e múltiplos vice-campeonatos. O capitão e maior ídolo dos Spurs, o centroavante Harry Kane, formado nas categorias de base da equipe, desistiu de acreditar em um título do time que aprendeu a amar: o jogador entregou seu pedido de transferência ao final da temporada 2022/23 e rumou ao Bayern de Munique. Apesar dos 280 gols marcados oficialmente, o camisa nove não levantou uma taça sequer pelo Tottenham.
Após a reformulação de elenco, o coreano Heung-min Son se tornou o veterano da nova equipe orquestrada por Ange Postecoglou. Assim como Kane, Son construiu sua carreira no clube londrino, marcou 173 gols e concedeu 101 assistências até aqui, mas não havia desempenho individual que compensasse a ausência de um título.
Felizmente, para amenizar a péssima temporada da equipe inglesa, os Spurs conquistaram um troféu de relevância internacional em cima de um de seus principais rivais. Ainda que lesionado ou no banco de reservas, Son foi um líder, um personagem carismático, uma referência para esse elenco, que, apesar de limitado, soube entregar tudo pela camisa azul e branca, e que trouxe alegria para uma torcida que aprendeu a não alimentar grandes esperanças. Aos Lilywhites, resta torcer para que, mais do que um título, esse seja um recomeço para o tradicional Tottenham Hotspur.
Foto de capa: [Imagem: Reprodução/X:@SpursOfficial]